terça-feira, 18 de novembro de 2008

A CHUVA - FIM

Do alto de um galho um gato preto o observa prestes a atacar.
A chuva esfria a noite já gelada e o homem caminha a mais tempo que se pode imaginar entre as árvores sob a Lua.

Do alto de um galho um gato preto o observa.
Vez ou outra um vulto. No início o homem ia até o vulto. Mas nunca chegara ao vulto. Depois ele começou a fugir dos vultos desde que um dia o alcançou.

Do alto de um galho um gato preto.
O vulto lhe sorriu. Aproximou. Beijou. Masturbou-lhe. E antes do homem gozar o vulto lhe arrancou um fígado. Devorou-lhe um rim. Embrulhou-lhe o estômago. Foi embora deixando-o com seu vazio.

Do alto de um galho um gato.
Homem magro. Bonito. Barba por fazer. Calça e jaqueta dins úmidas na gigante noite chuvosa.

Do alto de um galho.
O homem está roxo de frio. De seus cabelos castanhos dourados escorrem finos fios d’água. Seus lábios sedentos bebem o que por eles escorre aplacando a sede que só piora. Ele se sente morrendo. Está morrendo. E quanto mais morre, mais ele vive. Quanto mais vivia, mais ele morria.
Em sua casa, ele não se lembra. Em sua casa estava quem lhe arrancou o coração. Que é a perda de um fígado, de um rim, do estômago diante da perda do coração? Quem os perdeu sabe. Ele não se lembra, mas em sua casa aproximação, sorrisos, beijos, sexo, afastamento.
Filtraram-lhe as posses. Tiraram-lhe a capacidade de jogar fora o que não presta. Tiraram-lhe a capacidade de analisar.
E ele deixou.

À sua frente, onde o caminho parece ter fim, um cão aureolado pela Lua. O homem para. O homem anda até o cão e passa por ele. O cão sempre olhando para ele. O homem. O cão. O homem caminha. O cão o segue. O homem foge. O cão o acha. Caminham por mais tempo que uma noite pode durar.

Do alto de um galho um gato preto prestes a atacar não os observa mais.
Quatorze músculos da face doem. Seu primeiro sorriso em... anos? A chuva garoa. O bosque está... bonito? Meu Deus! Um amanhecer?

O homem está começando a lembrar por que andara. Começando a entender por onde andara. E o cansaço sem fim não diminui mais suas forças.
Ele está chegando. Ele sabe. O cão lhe acompanha.

Serpente invadiu suas veias. Ele se lembra. Pessoas diziam coisas que não eram como se fossem.

Estão chegando e ele afaga a sua coragem. Agora ele se lembra. O cão. O cão esteve com ele antes. O cão. Batem na porta. Um rosto olha para ele. Se abraçam. Se comem. Se dão. Ele pega seu coração de volta. Nascem novo fígado, novo rim e desembrulha o estômago. O Sol brilha lá fora. Ele o vê pela janela. Ele se afasta. Do rosto de quem fica, uma lágrima. Ele e o cão vão embora. O Sol brilha. Da casa nada se sabe. O Sol brilha sobre a fidelidade e força do homem e do cão.

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