segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A CHUVA

A chuva esfria a noite já gelada e o homem caminha entre as árvores sob a Lua. Caminha a mais tempo que uma noite pode durar e ele não se lembra mais do Sol. Faz tanto tempo que ele nem sabe mais o que seja. De vez em quando ele se pergunta como pode alguém esquecer algo a ponto de nem mais saber como era.

Do alto de um galho um gato.
Vez ou outra um vulto. No início o homem ia até ele, mas nunca chegava ao vulto. Depois ele começou a fugir deles desde que. Agora ele simplesmente avança pela mata que o mata aos poucos sob a Lua. Os vultos não importunam.

Do alto de um galho um gato.
Suas roupas. Calça dins, camisa azul deprê, jaqueta dins. Sapatos marrons. Suas roupas estão úmidas. Apesar de tanto tempo sob a chuva na mata sob a Lua suas roupas não estão encharcadas.

Do alto de um galho um gato.
As pontas de seus dedos estão roxas. Sua barba não está imensa apesar de tanto tempo. Sempre uma barba por fazer. Do cabelo escorre finos fios d’água sobre o nariz, sobre as têmporas. Sobre os lábios sedentos. E sua sede se aplaca para voltar pior. Muito magro. Bonito.

Do alto de um galho um gato.
Ele morre lentamente e quanto mais morre mais ele dura.

À sua frente, onde o caminho parece ter fim, um cão na Lua. É a primeira vez que ela não está sobre algo. Viralata tamanho médio. O homem para. O cão olha para ele. O homem volta a andar. O cão olha para ele. O homem chega até o cão. O cão olha para ele. O homem para. O cão olha para ele. O homem desvia e passa pelo cão pelo canto do caminho. O cão olha para ele. O homem. O cão o segue. O homem caminha. O homem manda o cão embora. O homem corre. O cão o segue. O homem caminha. Caminha a mais tempo que uma noite pode durar. O homem e o cão seguem lado a lado.

Do alto do galho não há mais gato.
Quatorze músculos da face doem. A chuva amaina garoa. As árvores assustam menos. Raios vermelhos douram a sua frente.

O homem não sabe porque andava. Não se lembra. O homem sabe que está chegando em casa. Ele se lembra. O cansaço sempre presente não diminui, mas ele avança.

Está chegando. Ele sabe. O cão ao seu lado.

Cobra invadiu suas artérias. Ele se lembra. Pessoas diziam verdades que não são. Ele sabe.

Está chegando. Ele afaga o cão ao seu lado.

Ele quase se enganou. Mas o cão o ajudou. O cão! Já estava com ele antes. O cão o achara. Agora ele se lembra.

Diante de sua casa ele se lembra. Bate na porta. Entra com o cão. Um rosto olha para ele. Se abraçam. Seus rostos se arranham mutuamente. Lá fora o Sol.

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