quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

MARIA TEREZA

O galo cantou e Maria Tereza se levantou sorrindo para cuidar da casa. Ela sonhara com o gatinho que tanto queria e que seu pai se opunha: “Custa caro cuidar de gatos e não temos dinheiro. Além disso os gatos miam muito quando estão apaixonados e eles estão sempre apaixonados”.

Maria Tereza arrumou a casa, fez o café, lavou as roupas da casa, fez o almoço, passou as roupas lavadas ontem da cliente, fez o jantar, entregou as roupas da cliente, jantou, deitou e sonhou com o gatinho.

Seu pai sempre lhe sorria, o que lhe dava energia. Seus irmãos sempre reclamavam, às escondidas do pai, até o dia que o velho morreu. Assim eles chamavam o pai pelas costas e disseram: “Finalmente! O velho morreu. Agora podemos fazer o que quiser”. Disse o primeiro. Repetiu o segundo e até o quinto falou o mesmo.

No dia seguinte à morte do pai e no outro, na semana seguinte e na outra, no mês seguinte e no outro, Maria Tereza sonhou com o gato, fez a comida, arrumou a casa, lavou e passou para dentro e para fora. E seus irmãos: “Mulher, que comida ruim. Desse jeito não vai casar. Pega água pra mim, lerda”. Até o dia em que ela consultou o sábio Celular, um mago das redondezas. “Minha menina. A sua vida é outra. Não é na aldeia. Onde quer que você for, o que quer que faça. Você sempre será estranhada. Então seja normal para si” e ela se pôs a pensar. De noite sonhou com o pai sorrindo e lhe dando o tão desejado gatinho. Acordou, fez o café e saiu.

Foi para o interior da floresta. Um medo lhe seguiu. Achou um lugar. Um sorriso ela achou. Riacho à sua esquerda. Rochas à direita. Árvores por todo o redor. Um quadrado perfeito no centro. Maria Tereza cantou:
Sou menina. Vou ser mulher.
Aqui vou morar. Aqui serei eu.
Não serei menina. Serei mulher.
Aqui poderei sorrir e chorar. Mas o mundo será meu.

Entre sóis e chuvas fez um barraco.
Entre sóis e luas estudou a vegetação próxima.
Entre uma lua e dois sóis adquiriu um gatinho preto e branco. Depois outro todo preto e depois outros gatos.
Entre sóis, luas e chuvas Maria Tereza foi criando corpo de mulher.

Na cidade os homens a enxotavam e as mulheres a xingavam.
Seus irmãos blasfemavam.
Na floresta os homens a cortejavam e as mulheres a consultavam.
Seus irmãos a chantageavam: “Vamos denunciar suas artes”.
E Maria Tereza cantava:
Quem me chama de bruxa vem aqui
Dou a resposta que pedem ou a que querem
Dou a cura pelas ervas e pelo dormir
Sou Maria Tereza, a que todos querem.

Entre sóis e noites Maria Tereza viveu no casebre até se transformar pela Lua. Não se sabe se numa erva, a alfazema, que ela tanto gostava; se num gato ou se numa pedra que ela tanto usava, a ágata musgosa.
O que se sabe é que Maria Tereza sempre foi procurada e sempre repudiada, mas que viveu muitos sóis e luas e noites.
Eu sei. Eu vi. Eu, seu irmão, a denunciei.

Um comentário:

Clóvis Campêlo disse...

Gostei do conto, caro poeta.
Parabéns! Todos nós temos o legítimo direito da transmutação.