terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O LOBISOMEM


Texto de Rubem Leite.
Ilustração de Sandro Assunção.


“O Macedo tomou o seu copinho de cachaça e saiu trôpego, apoiando-se à bengala.
- Cabra velho mentiroso! - disseram os outros em coro, mal o viram pelas costas.
- Mentiroso, sim, lá isso é - sentenciou seu Bento gravemente. – Mas, ninguém me tira da cabeça que, desta vez, o Macedo se esqueceu de mentir. – . Se essa história não é verdadeira, já vi coisa parecida” (O Lobisomem, de Raymundo Magalhães).

- O que você viu? Perguntou o Doca.

- “Se ele viu uma lobisomem fêmea eu já enfrentei um lobisomem macho. Fala enquanto uma névoa se forma em sua cabeça e lhe toma a visão. “Quando eu ainda era um rapazote ia à missa todos os domingos e depois, para casa. Mas não tinha jeito, toda semana eu tinha que confessar, pois não parava de pensar nas mocinhas e tinha medo de que nascesse pelos na minha mão”. Falou olhando para sua palma esquerda. E nos rostos ao redor um sorriso zombeteiro que ele não percebeu. “O Padre Francisco era um bom homem. Homem de verdade. Por isso não acho que ele tenha realmente pecado por fazer amizade com a Joana. Mas antes dele morava aqui o Padre Gino. Um italiano. O homem era peludo como um cachorro... ou um lobo. Debaixo das mangas e acima do colarinho saiam uns tufos enormes de uns pelos cinzentos. Seu nariz parecia o nariz de um porco e suas orelhas eram pontudas. Pouco risonho. Apesar de feio suas missas estavam sempre cheias de gente e as beatas todas suspiravam por ele...

- As beatas? Perguntou o Mosqueiro rindo.

- “Sim! As beatas e as moças também. Todas as mulher parecia ter um fogo debaixo das saias quando se aproximavam do padre. Um fogo controlado porque pelo que se imagina ele nunca fez nada com elas e elas se mantinham respeitosas diante do semblante severo do Padre Gino. Mas não é sobre esse efeito dele que vou falar. Como tava dizendo. Toda semana eu ia me confessar. Uma tarde, depois de falar o mesmo que sempre dizia. ‘Pensei na Rosinha’. ‘Pensei muito, cinco vezes, na Chiquinha. Mas em que muito pensei, muito mesmo, dessa vez foi na Mundinha que tava olhado para mim”.

- Mundinha? O senhor ta querendo dizer na mulher do Zenóbi? Mãe do Quinzé? A santa que jura nunca ter pensado naquilo nem mesmo depois de casada? Perguntou Valdivino.

- “É”! Entre os risos ele continua “O Padre me disse ‘Bentinho, meu menino, isso é coisa da idade. Apesar de feio. Quando você ficar pensando nisso não deve ficar sozinho. Vem para cá para a gente rezar juntos’. A 6ª feira seguinte era treze de agosto e lua cheia. E eu comecei a pensar muito na Chiquinha, na Rosinha, na Mundinha e por aí vai. Para não cometer pecado fui à casa paroquial para rezar com o padre. Chegando lá o padre estava rezando com as beatas o terço do Ângelus e rezei também. Terminado a reza ele despediu depressa as beatas e estava suando muito e me chamou para sua casa. Fui. E ele suava cada vez mais. Começamos a rezar só nós dois. De repente percebi que algo nele estava crescendo. Suas orelhas estavam mais pontudas. Suas narinas, mais abertas. Seus dentes... Mas o que mais me assustaram foram seus olhos. Selvagens. Famintos. Ele me segura os ombros e se aproxima de mim com sua boca arreganhada. Suas mãos peludas. Nunca entendi como sua batina se abriu tão rápido. Nunca vi tanto pelo num homem. Não! Não era um homem. Era... Eu me soltei de suas mãos ... ou patas e andei para trás e ele, monstruoso, ia até mim. Suas mãos. Seus olhos. Sua boca. Seu”. Todos olhavam fixo para seu Bento que continuava sem vê-los. “Nós estávamos na sala. Corri até a cozinha e vi sobre a mesa uma faca prateada. Ele andava e seus dentes estavam maiores. Sua boca, mais aberta. Suas orelhas, mais pontudas. Suas mãos estavam mais compridas. Suas unhas negras. Seu. Ele me segurou forte como só alguém que não é desse mundo pode segurar. Ele tentou me comer”. E todos, mais do que até então, nem respiravam e só olhavam para seu Bento. “Gritei PAI NOSSO QUE ESTAIS NO CÉU E NOSSA SENHORA, PROTEGEI-ME. Enquanto pegava a faca e metia em seu ombro. Ele gritou. Caiu desmaiado por cima de mim me jogando no chão e me mantendo preso debaixo dele. Não consegui tirar o cadáver de mim”.

- Cadáver! Exclamou Baé.

- “Na hora achei que tinha morrido, mas não demorou muito e ele começou a se mexer. Saiu de cima de mim. Normal. Feio como sempre, mas normal. E perguntou o que aconteceu. Assustado contei tudo”.

- E ele, o que fez? Perguntou Zé Preto.

- “Ele me disse que se eu falasse para alguém o que aconteceu, antes de ser preso ele iria até minha casa”.

- E você nunca falou para ninguém? Perguntou Januário.

- “Não! Fiquei com medo”.

- Mas também nunca mais voltou a igreja. Perguntou o cético Doca.

- “Como disse antes. Ele era assustador, mas tinha um fascínio. Nunca mais voltei à sua casa, mas também nunca mais faltei à missa dele. Até que alguns anos depois ele morreu. Era 6ª feira treze de agosto. Treze horas depois das trezes horas. Madrugada de lua cheia”...

- Como você sabe a hora que ele morreu? Perguntaram Doca e o capitão.

- “Apenas sei”. E a névoa se desfez em sua cabeça e sua visão voltou. “Mais uma cachacinha, pessoal. Essa é especial. Só a dou em ocasiões como essa. É por conta da casa”. Enquanto entra para pegar a branquinha. Todos comentam entre si a bobagem que ouviram. “Aqui está, pessoal”. Todos bebem sob o olhar de Bento que vai de um para o outro. Enquanto o dia passa eles vão indo embora. Os últimos a saírem, já começando a escurecer, são o capitão Mosqueiro e o poeta Doca. E os olhos de Bento estão vermelhos, seus pelos, maiores e tudo vai crescendo lentamente enquanto ele fecha a porta e observa os dois sumindo na penumbra. É 6ª feira treze de agosto de uma noite de luz cheia.


Um comentário:

Anônimo disse...

É o primeiro! rs

Lucas Abman