terça-feira, 20 de abril de 2010

A PROCURADA

Rubem Leite – 20-4-10



Ofereço como presente de aniversário a

Otto Valgas.

Escrevo ouvindo A Felicidade (instrumental), de Tom Jobim,

Superstição, na voz de Cauby Peixoto, e a

música da Pantera Cor de Rosa.


Li em março de 2010 o livro A Procurada, que me inspirou o presente “cronto”. Importante observação é que não tento explicar nem parodiar a obra de Karin Alvtegen. É apenas uma antropofagia. E o trecho abaixo é de tradução de Monica Goldschimidt, editora Record, publicado no Brasil em 2005, páginas 205-206

– Seis anos de minha vida estão apagados. Quase não me lembro do que fiz durante esse tempo. Com quem me encontrei, onde dormi. Eu bebia o máximo que podia só pra não pensar, porque se tivesse pensado teria desistido. Se você vive um tempo nas ruas, está perdido. Não existe um caminho de volta, já que você perde a capacidade de se adaptar a uma outra vida. Você já não quer se adaptar, se encaixar. Para viver na sociedade, você tem de ser capaz de se conformar, mas você não quer mais se conformar. É um círculo vicioso.


A voz gemida lamenta aguda no banco do ponto de ônibus

- Aaaaaaiiiêêêêêêêê! Jeeesuuuuus! Estou com fome. Queeeeeeeeem me dará comida?

Nem acabara de me alojar no banco a mulher chorou as palavras acima. Eu, pegando um pouco de biscoito que tinha no bolso da mochila

- Só tenho esses biscoitos. Tome.

Pegando os biscoitos com gestos largos os deixa ao seu lado no banco

- Jeeesuuuuuuuuuuuuuuuuuuuus! Estou faminta. Ninguém me socoooooooooooooorre?

Passando pela nossa frente um rapaz que se encaminha para o hipermercado defronte à Prefeitura Municipal de Ipatinga a mulher estica seu braço e grita fazendo o virar, sem parar, o rosto para nós

- Piiieeeeeedaaaaaaade Jeeeeesuuuuuuuuuuus! Ninguém me dá nada. Quero comer. Soocoooooorroooo!

Olho para a mulher, pego os biscoitos, levanto-me e vou embora para outro ponto de ônibus. À cada passo que me aproxima do novo destino a afasta de meus ouvidos, aproxima-a de meu coração e a afasta de minha cabeça. Na 28 de Abril dois homens e um menininho. Um ao celular, o outro na porta do banco, o menininho com o pintinho de fora faz xixi andando para trás deixando uma linha tortuosa na calçada. O estranho no celular sorri, o pai ri, eu me animo e o menino nem aí. Vou para o ponto de ônibus, sento, espero, pego o ônibus.


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