terça-feira, 29 de março de 2011

O NOSSO LIVRO

Ofereço aos meus colegas da turma A no curso Licenciatura Letras, pela UnB, pólo Ipatinga e como presente de aniversário ao Maíto Quintela.


No Parque Ipanema existe tanta beleza e paz. Não é uma solidão. E apesar de eu estar rodeado por pessoas a maioria e na maior parte do tempo está um pouco longe; eu posso ficar sozinho refletindo no meu silêncio tendo como ajuda os meus livros, meu espírito protetor ou anjo, se preferir, e com certeza Deus. É! Deus! Por que não?

Agora apouco havia alguns garotos subindo na mangueira e brincando. Assusto-me pensando numa queda deles sobre mim. Parei de me preocupar e pedi aos espíritos protetores deles que os guardem. O que mais te assusta, a queda de alguém ou queda em você?

A chuva de ontem transbordou o lago e alguns, poucos, peixes se encontram mortos na grama. Isso contesta a paz? E o que a morte de uns peixinhos num laguinho que transbordou diante do tsunami japonês de março? Então isso contesta a paz? Deixando-lhe a indagação olho o grupinho que se aproxima usando um calçado esquisito, com um meio arco na sola fazendo-os pular enquanto correm. Será para alcançarem maiores distâncias com menos esforço? Será para desgastar menos os joelhos, colunas ou sei lá? Ou será que eles usam apenas por frescura, para aparecer, por modismo? Pássaros que não sei o nome cantam. Passeio pelo parque vendo quase tanto quanto olho. Então finalmente paro e penso. Mas pensar está me assustando. Não seria incomodando? Então pego um livro. Olho para sua capa e penso em alguém. Alguém não me quer então guardo o livro. Pego outro e direto já o abro para não pensar. Mas os livros fazem pensar. “Deus me deu um amor no tempo de madureza”¹. Os livros fazem pensar. Mas pensando bem o pensar que os livros dão não são penar. Então me enlevo nos pensamentos. Com alguém... sem alguém... eu aceito o que tenho ou não tenho e leio. Continuo a ler. E decido ir para casa. Em meu leito. Deleito com mais um livro, um vinho seco, queijo. Leio até dormir ao crepúsculo. Mas o crepúsculo já foi a muito. Queria dormir com um macho e acordar com uma fêmea. Crepúsculo e aurora. Mas dormi com uma mulher e acordei com um homem. Noite e dia. Com ela tive uma noite dura. Mas noite dormida. Com ele minha manhã até foi amena. Acordei, fui ao trabalho, depois à Biblioteca conversar com Bil. Ele me mostrou algumas capas de livro que criou para publicações de escritores locais. Bons trabalhos. Com Zumbi peguei Noites do Sertão, de Guimarães Rosa e li Dão-Lalalão “o quente colorido, qual, que é do riso de mulher muito mulher: que não se separa de todo da pessoa, antes parece chamar tudo para dentro de si”. Então escrevi. Escrevi um bilhete para ninguém. Não para alguém, veja lá. Mas para ninguém. Escrevi e deixei sem pensar, na verdade, em alguém ou ninguém. É só agora que escrevo para você que me dou conta disso. Escrevi e deixei e saí. Outra vez para o Parque Ipanema. Outra dia ou outra semana volto ao Zumbi dos Palmares e continuo a leitura onde parei. Um novo conto Rosa. Ainda bem que não é azul. Não gosto de azul. Se ainda fosse preto e branco. Cento e três anos em preto e branco cabem no “meu tempo de madureza”. Cento e três em quarenta e dois anos. E vou para casa, depois do Parque Ipanema. Durmo, acordo, saio, trabalho, parque, leito, acordo, saio, trabalho, parque, recosto, acordo, saio, trabalho, parque, durmo, acordo, saio, trabalho, biblioteca. Bilhete resposta. Quem diria. Diz coisas boas que eu gostaria ouvir. Não ouvi, mas li. Respondo então indicando outro livro. Vou embora aguardando resposta sem saber se virá. Mas veio e com indicação de outra obra. Vou à indicação e vejo “Você não sabe por quantas vezes, que no silêncio à distância, eu peço, eu chamo por você, que não me ouve que não me vê, que venha acabar com esta dor que angustia, que me dói a alma e me desnuda a fantasia. Que aniquila o pensamento, provocando um só tormento, de não o poder ter, seja só por um momento, para termos a bela ilusão de vivermos, num só abraço, o doce gosto da sedução”². Contra-respondo com a estrofe do mesmo livro “O dia rompe saudoso, observo um beija-flor que beija a flor amoroso como o quê, me dado com amor”. E deixo meu nome e email. Saio com uma esperança. Não mais quero alguém. Também não estou à espera de ninguém. É possível que uma pessoa me procure e de dois nos tornemos um. Pode ser que sim. Pode ser que não. Um amor no tempo de madureza.


Escrita pela primeiramente em 1.992 ou talvez 1.996,

com o nome Anthônio Raphaell.

E reescrita entre 08 e 29 de março de 2011,

com meu nome artístico, quase de pia, Rubem Leite.

Primeiramente eu não sabia que nome dar ao cronto. Depois achei “Sentcimento”. Finalmente descobri o curta O Nosso Livro, dirigido por Cláudia Rabelo Lopes e Luciana Alcaraz; roteiro de Leandro Matos, Claudia Rabelo Lopes e Catalina Jordan Cruz; e protagonizado por Vera Holtz e Marcos Caruso. Ver www.portacurtas.com.br

¹ Campos de Flores, de Carlos Drummond de Andrade.

² Primeiro o poema Doce Ilusão, depois a segunda estrofe do poema Fecunda Lembrança, da poeta ipatinguense Marília Siqueira, na obra Utopia.

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