segunda-feira, 30 de julho de 2012

O FILHOTE DE TICO-TICO


Obax anafisa.




Era uma tarde de primavera linda e bonita. Os passarinhos cantavam e voavam. As borboletas voavam e enfeitavam o céu e no alto de uma árvore nasceu um filhote de tico-tico. Era uma primavera muito mais que as outras. Sabe por quê? Porque nasceu o nosso herói, o filhote de tico-tico que foi batizado Tiquim.
Tiquim era um desses filhotes possuídos pelo desejo de que o mundo seja exatamente como eles querem¹. Era, enfim, um filhote metido a filósofo e ficava sofismando sobre a primavera, os pássaros, as borboletas, as árvores. E se julgando, pela imaturidade, sempre certo e criticando os “errados”.
Ao nascer o sol nem procurava se alimentar para poder questionar o mundo por mais tempo. Mas não fazia assim por real preocupação, e sim por ser metido a intelectual, por achar bonito ser um mártir social. Ele não se preocupava em perder a refeição porque sabia que sua mãe logo-logo o “obrigaria” a tomar seu café da manhã.
Foi crescendo até se tornar um bonito tico-tico da taquara, meio magrinho porque acreditava no estereótipo de que “nerde” tem que ser magro. Mas até que não era bobo o nosso amiguinho, pois estava sempre namorando. Se falava sobre os poetas brasileiros e pensadores estrangeiros falava também o que as “tica-ticas” queriam ouvir. Era bom de bico. Aliás, era não, é bom de bico porque Tiquim está vivo até hoje e passa bem de saúde, obrigado!
Durante a noite sonha em ser famoso e rico. E durante o dia voa de árvore em árvore pensando pseudas intelectualidades ou então comendo ou ainda cantando e conquistando.
Mas antes de ser um conquistador foi um cdf padrão. Levou tanta porrada dos pássaros grandões que aprendeu a ser dissimulado. Tomar jeito mesmo que bom, nada. Para você ter uma ideia, um dia falando com empáfia sobre Marx, Descartes e outros, um joão-de-barro e um melro o bicaram tanto e ele só não morreu porque as outras aves seguraram o galo-do-mato que também queria entrar na briga e a turma do deixa-disso conseguiu tirá-lo de lá. E Tiquim se emendou? Não! Continuou um chato. Só que de tanto apanhar dos pássaros grandões e de não pegar nenhuma passarinha acabou mudando o comportamento. E se corrigir mesmo que é bom, neca de pitibiriba. E assim o tempo foi passando: sofismando, criticando de modo velado, comendo, cantando, seduzindo, o passarinho foi envelhecendo solitário, sem um amor de sua vida. Ontem, quando eu escrevia o cronto que você lê, o passarinho olhava o por do sol e disse: “‘Está sem ‘tica-tica’, \ Está sem discurso, \ Está sem carinho, \ (...) \ Se você cantasse \ A valsa vienense, \ Se você dormisse, \ Se você cansasse,  \ Se você morresse... \ Mas você não morre, \ Você é duro, Tiquim!’²”. – Estende o olhar por todo o horizonte vermelho, alaranjado e dourado e junto com a última cor, com o último raio de sol disse – “A noite veio. Será que amanhã poderei fazer diferente?”.
Eu creio que Tiquim ainda pode. E você? Por quê?



Ofereço como presente de aniversário à
Victor do Carmo, Monir Charaf, Rogério Pires, Freddy Cosme, Martin Ramirez, Goret Martins e Camile Gracian.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 15 de março e 30 de julho de 2012.

Observação: a ideia central contida no primeiro parágrafo encontrei escrito à caneta num livro que achei nas ruas. Não sei quem a escreveu.

¹ Parodiando: MCEWAN, Ian – Reparação; tradução Paulo H. Britto – São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2002, página 13.
² Parodiando ANDRADE, Carlos Drummond – José – retirada na manhã de 29 de julho de 2012 no endereço: http://www.tanto.com.br/drummond-jose.htm

Imagem: Retirada na manhã de 29 de julho de 2012 no endereço:

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