segunda-feira, 2 de julho de 2012

O QUE VALERÁ


Obax anafisa.


“No amor basta uma noite para fazer de um homem um Deus”.
(AZEVEDO, 1984)



No escuro o silêncio, um existir com jeito de não existência. Até que gritos violentos de dois traficantezinhos e viciados em craque brigando pelo cachimbo. As ameaças de morte, o ódio nas vozes e os ataques físicos quebram o silêncio tirando-me da inexistência do sono e enricando-me de adrenalina.
Sem poder dormir me levanto para encerrar a madrugada com minhas preces e começar a manhã com meus trabalhos de faculdade. Ó céus! A internete está fora do ar. Ligo então para a Oi Velox. Gravação chata, clicar número, mais gravação, clicar outro número e assim indo até que
- Bom dia! Sou Fulana. Com quem falo?
- Benito!
- O que o senhor deseja?
Resumindo o diálogo: a garota me afirmou “em três dias o problema estará resolvido”. No quarto dia ligo outra vez e Beltrano afirma “o problema está na Central e será preciso mais três dias”. E pelo que vejo hoje será a missa de sétimo dia... E foi! Só me resta o procon. Será que valerá alguma coisa?
Nesse meio tempo, sem internete em casa tenho ido ao Pq. Ipanema. Na volta, os cabelos negros em um corpo moreno deitado sobre a grama sob as árvores. Belo corpo. Seu rosto voltado para o lado contrário de onde venho se mostra refletivo ou vazio. À medida que me aproximo seus olhos se encontram com os meus. Sorri para mim e eu lhe cumprimento. Ao passar-lhe sua voz me pergunta:
- O senhor tem um real?
- Devo ter umas moedas no bolso, não sei.
- Moro em Fabriciano. Estou com preguiça de ir a pé e estou com fome.
- É! Já são mais de onze horas. Estou indo para minha casa fazer meu almoço. Se quiser, venha comigo.
Ante sua hesitação (ou será outra coisa?) explico
- Não estou vendendo comida ou comprando sexo. É apenas convite para almoçar.
- A gente não se conhece...
- Você que sabe. Somos adultos e é só convite para almoçar. Mais nada.
Em meu apartamentinho
- Nó! Quanto livro... O senhor deve gostar de ler.
- Prefiro que me trate por você.
- Posso pegar neles? – Aponta para meus livros.
- Sim, pode.
Escolhe um e lê “minhas professoras co-costumavam passar exercícios de redação. Cada um de nós tinha de escrever uma carta, narrar um passeio, coisas assim. Criei gosto por esse dever, que me permitia aplicar para determinado fim o conhecimento que ia ad-adquirindo do poder da expressão contido nos sinais reunidos em palavras. Daí por diante as experiências foram-se acumulando, sem que eu percebesse que estava descobrindo a literatura”².
- Você tem boa leitura.
- É! Eu também gosto de ler. Mas não tenho uma biblioteca, muito menos uma assim, feito a sua.
- Obrigado!
Arroz branco, feijão preto, carne cozida, salada colorida e retiro sua persistente dúvida afirmando “Sexo só faço com quem quero e com quem me quer”. O que você acha V ou F a minha afirmação? Gostaria que você me falasse o que sua imaginação lhe diz. À noite, porém, mais uma vez sozinho e no escuro o silêncio, um existir com jeito de não existência.
- Não me deixe. Eu tinhaaaaaaamooo. – Voz de mulher, nasal, ridícula.
- Para cum issu, mulé!
- Ai, eu tinhaaamoo.
- Para cum issu. Uzomi vão vir aqui.
- Num mimporta. Eu tinhaaamoo. Ai, Deus!
- Vai acordar usvizinhu e ozumi vão vir.
- Num mimporta. Eu quero morrer. Deeeus! Me mata, Deus! Socê num fica cum eu então mi mata. Eu tinhaaaaamooo. Eu quero morrê, Deus! Socê nunqué ficá cum eu então mi mata.– Tum. – Aiiê!
Concomitantemente da janela de meu quarto grito: Vá cantar “nemaquitepá”, peste. Mas bem longe.



Ofereço como presente de aniversário à
Cláudia Turatti, Luiz O. Ferreira, Alano O. Barbosa, Sueli M.B. Silva, Ronalla Kelly, Rita E. Rocha.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 24 de junho e 02 de julho de 2012.

¹ AZEVEDO, Álvaro de – Poesia / Maria José da Trindade Negrão – 6ª edição – Rio de Janeiro: Agir, 1984 (Nossos Clássicos), página 41.
² ANDRADE, Carlos Drummond – Para Gostar de Ler: crônicas, vol. 04 (diversos autores) – São Paulo: Ática, 1979, página 07.

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