Carlos Glauss
Dedicado
ao meu amigo Rubem, que é uma árvore de cidade.
Numa cidade,
cheia de carros e pessoas passando de um lado para o outro, havia uma rotatória
com uma árvore no centro. E sobrevivia sufocada entre os prédios. Sua
resistência era tamanha que fez a copa aumentar e alongou seus galhos para
captar melhor a luz do Sol. Dava pra ver nitidamente que a árvore sentia e se
esforçava para viver ali. Suas raízes eram grossas como veias de madeira
exibidas por cima da grama verde. Se ela tivesse pés, poderia se dizer que era
uma “pesuda”, ou melhor uma “raizuda”. A base e o tronco eram largos como uma
muralha. Até para subir na árvore era difícil. E quem curtia tudo isso eram os
pardais, rolinhas e pombos. Ah! Esses sim faziam da suas copas o melhor dos
condomínios! E tinha melhor lugar para fazer um ninho?
Todos os
dias, o Sol nascia, por detrás dos prédios e seus feixes iluminavam a árvore
que esperava ansiosa pelas nove horas, para finalmente poder captar a maior quantidade
de raios solares. Os pássaros brincavam. As formigas e cupins transitavam pela
grama.
A árvore
solitária tocava uma canção feita com sons de galhos aos ventos e observava: a
vida de todos e a correria do dia. Logo veio o pardal, pousou em seu galho e
disse:
- Bom dia Árvore-Grande!
Sempre ouço sua música dos galhos com o vento! Parece estar bem feliz hoje, não
é?
- Bom dia
Pardal. Estou feliz com essa brisa sim! Queria mesmo é que chovesse. Mas a
gente redescobre formas de ser feliz até com o soprar do vento, não é mesmo? – Sorriu
a árvore.
- Verdade, Árvore-Grande.
Eu que sei como esse vento ajuda. Tem hora que estou cansado de bater as asas,
daí aproveito o vento e uso meu planar! Economizo energia e fôlego para ficar
mais rápido. – Sorriu o Pardal – Isso ajuda até na hora de capturar umas
tanajuras!
- Ah Pardal,
bem que você podia me trazer notícias de uns grãos que lancei no ultimo
vendaval. Você voa tão rápido e passa em tantos lugares, bem que poderia me
falar daquelas montanhas por detrás dos prédios... Quando eu fui plantada,
lembro-me daquelas lindas muralhas verdes, onde se escondia o Sol-Poente... Que
saudade! Agora, com esses prédios grandes, nem dá mais pra ver... Lancei minhas
sementes ao vendaval e queria saber se elas vão nascer... – Suspirou a árvore
melancolicamente.
- Ah sim!
Pode deixar Árvore-Grande. Quando eu for até a montanha-verde, trarei notícias.
Vou indo caçar mais insetos. Até mais! – E voou rumo às montanhas.
- Até.
Despediu a Árvore-Grande enquanto o vento balançava seus galhos.
Logo, antes
que o barulho dos carros ao meio-dia aumentasse, um casal de Pombos chegou reclamando
da fumaça:
- (Cof, cof,
cof) Oi Árvore-Grande? Tudo bem? – Disse um dos pombos em meio à tosse.
- Olá
Pombo-Cinza, tudo bem. Está tossindo muito. O que aconteceu? Indagou a árvore.
- Acho que
são esses carros... Aumentaram muito nos últimos anos (Cof, cof, cof!). Sai
tanta fumaça de carro, caminhão e ônibus, que a gente que voa aqui embaixo,
sofre com o ar poluído... Meu avô dizia que era melhor ir para o interior, mas
lá nem tem tanta comida pra mim... Prefiro a cidade. Tem lixo de pão, bolo,
papel de bala e um monte de coisa que o povo da cidade desperdiça... A gente
faz a festa com o lixo da cidade, mas sofre com a poluição. Não é mesmo
querida?
- É sim! A
fumaça atrapalha muito, mas nossos amigos moram aqui... Acho que a gente não se
adaptaria longe deles... A turma dos Pombos-do-Centro é a melhor opção pra
gente... – Suspirou a Pomba-Branca.
-
(Cof..Cof..Cof) Eu queria poder ser forte como você Arvore-Grande. Você nem
passa mal aqui na rotatória. Como você aguenta essa barulhada de carro e
fumaça? Indagou o Pombo-Cinza
- Ah,
Pombo-Cinza... A gente precisa adaptar às circunstancias. Já tenho muitas
responsabilidades aqui. Veja bem, graças a essa rotatória, eu ajudo a melhorar
o ambiente dessa cidade cinza e barulhenta. Ao meio-dia, o sol está forte e dou
sombra para as formigas, besouros, cupins e minhocas. Além disso, ajudo a
refrescar o chão da rotatória e garantir uma melhor umidade no solo para as graminhas
e para mim. Quando o Sol está prestes a se pôr, eu abrigo os pardais e rolinhas
em meus galhos. Tem dia que até os humanos param por aqui para descansar...
Tudo tem seu lugar...Se eu fosse escolher, com certeza queria umas companheiras
iguais a mim plantadas aqui. Uma floresta seria algo maravilhoso para esse
lugar.
- Nossa,
Arvore-Grande! Eu pensava que você ficava só parada, mas você tem mais trabalho
do que a gente, né Pomba-Branca?
- É sim!
Arvore-Grande é muito resistente e útil. – Respondeu a pomba.
A árvore
sorria para os pombos. Eles despediram-se:
- Vamos indo
Árvore-Grande. Vamos voar para outro local em busca de algo para comer. Até
logo.
- Até.
Os pombos
foram embora. Com a buzina dos carros, o transito engarrafava e a árvore fitava
um homem pedindo dinheiro perto do semáforo. Estava com roupas sujas. Parava de
carro em carro pedindo algo. Eram ignorados por muitos. O pedinte reclamava e
praguejava. Atenta a Árvore-Grande o observava. No projetar da sombra, e com o
Sol do meio-dia o homem veio até a árvore e sentou-se debaixo dela:
- Ainda bem
que essa arvore tá aqui. Sol tá rachando... Tá difícil demais. Ninguém quer dar
esmola nessa cidade... Acho que vou ter que meter a fita mesmo. – Falou o homem
enquanto tragava um cigarro.
A árvore no
silencio fitava seu comportamento. Ela não entendia por que ele não fazia como
o pardal e como os pombos e saia para caçar. Também não conseguia entender por
que o homem tragava aquela fumaça nociva e tóxica, se o melhor mesmo era curtir
a brisa e a sombra. Como boa árvore de cidade, ela permanecia quieta.
Recebido na
manhã de 20 de maio de 2015.
Um comentário:
isso aí nobre poeta/irmão, texto belíssimo e muito bem construído.
grande abraço
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