segunda-feira, 9 de novembro de 2015

SETE ASTROS

SIETE ASTROS


Potira itapitanga.

His air in my hair
Transformed my
Anger in hunger
And I ate my hate for your family.


Em português

A manhã já está muito quente quando o telefone toca. Ao atendê-lo olho pela janela a linda sibipiruna florida à minha frente.
- Alô!
- Ranulfo? Tudo bem? Aqui é Roberci, está lembrado de mim? O irmão do Rinaldo.
- Ah? Oi! Sim, estou lembrado. – Estranho uma ligação de quem tem quase vinte anos que não tenho notícias. – Como encontrou o número de meu telefone?
- Olhei no catálogo.
- Ah! O que deseja?
- Tenho algo para te entregar. – Pausa de segundos – É do Rinaldo.
- Como ele está?
- É sobre isso que quero te falar... Onde a gente pode se encontrar?
Alguns segundos pensando e...
- Já ouviu falar do Sarau com Arak?
- Não!
- Bem... É uma vez por mês, na segunda segunda-feira, às 19:30h no Tuffik Cozinha Árabe, bairro Novo Cruzeiro.
- Eu sei onde é. Bom restaurante... Podemos nos encontrar lá então no... deixa-me ver o dia... nove de novembro?
Sete e meia eu chego e meia hora depois Roberci entra. Alto, forte, cabelos pretos, pele entre o pardo e o branco. Levanto-me para cumprimentá-lo, formalmente, e sentamo-nos, formalmente.
- Bem, Roberci, o que você queria me entregar do Rinaldo? E por que ele mesmo não me trouxe? Onde está seu irmão?
- Ranulfo... Rinaldo está morto.
Acredito que você, que me lê, imagina que eu tenha ficado chocado. E fiquei mesmo, mas acrescento que a mágoa pela longa ausência dele não ficou calada... Quando ele sumiu eu fiz tudo para encontrá-lo.
- Morreu? De quê?
De olhos baixos, tira um envelope do bolso na camisa; segura-o alguns segundos e finalmente me entrega.
- Leia!
Abro o envelope que não estava lacrado e

Campinas, 20 de junho de 1987¹

Ranulfo,

Meu amigo, muitas coisas se passaram, que ficaram na saudade... O tempo, parece, não é mais como antes, o tempo agora voa rápido e sem destino.
Agora, realmente, não é mais como era antes, tudo e todos nos separaram. Esta nova casa toda branca, fria e gelada, com a morte ao meu lado, em um dos leitos.
Meu amigo, meu confidente, como posso te revelar as dores e enfermidades a que estou submetido? Nosso amor, nosso profundo amor, a nossa profunda amizade, tudo isso ficou para trás, quando eles nos separaram.
Eles não, ela, essa doença que além de destruir pouco a pouco, de consumir meu corpo pedaço a pedaço, meu levou de ti.
Lembra-se daquela noite? Daquela! A primeira vez que ficamos juntos, “para nunca mais nos separarmos”, parecia tudo tão incrível... Afinal eu era noivo e apaixonado, mas, depois daquela noite, nada mais me interessava. Eu que fora antes completamente contra o homossexualismo, agora fazia parte desse grupo.
É como eu já disse, tudo no passado são saudades, para o amor mesmo entre dois homens o que não falta é coragem, mas uma coragem é uma vontade enorme de viver. E agora? Como posso te amar, te querer, como posso ter coragem se não há mais vida para viver? (Ponto final...)

Rinaldo.

Enquanto lia, o sarau foi ficando cada vez mais animado. Um músico, um contador de histórias, uma poeta, um ator, um contador de causos e alguns consumidores de arte e cultura.
- Por quê? – Olho para Roberci com raiva e ele mantém os olhos baixos. – Por que só agora você me entrega isso?
- Que importa o porquê. Ele já está morto e você continua vivo. – “Eu pensava em você naquela época”; pensa, mas como nada diz Ranulfo não fica sabendo. – Aliás, você não deixou sua vida nem por causa dele...
- Não se atreva! Não se atreva a tentar culpar-me por seus erros.
- Meus erros? Os viados aqui são vocês! O erro é dos dois que não têm respeito pelas famílias.
- Não respeitamos famílias? Nós iríamos formar uma! Você! Você e seus pais é que foram contra as famílias.
- Olha! Só vim trazer isso.
- Por quê?
Sem entender a pergunta, Roberci me olha e meus olhos lhe dizem.
- Meu pai morreu dois anos atrás e mês passado mamãe também se foi. Mexendo nas coisas dela encontrei a carta. Quando Rinaldo a escreveu e me entregou para lhe enviar mostrei ao pai. Ele a confiscou e acabei me esquecendo. – Meu coração se espanta por ele se esquecer, por não dar importância ao sentimento alheio; mas meu cérebro não se surpreende; e eu lamento. Roberci, que não tinha parado de falar enquanto eu refletia, continua: E desde então minhas mãos ficaram ardendo... Eu tinha que te entregar.
Nesse instante, em uma mesa próxima, Geisa se levanta e recita o poema A Flor de Maracujá, de Catulo da Paixão Cearense. “(...) I o sangue de Jesus Cristo, / Sangue pisado de dô, / Nus pé du maracujá, / Tingia todas as frô, / Eis aqui seu moço, / A estória que eu vi contá, / A razão proque nasce branca i roxa, / A frô do maracujá”.
Depois que ela fala dou um gole no “caipiarak” e Roberci, bebericando uma cerveja, me diz: “Antes tarde do que nunca”. – Eu somente lhe olho.
- Aqui está o Deserto Verdejante, também conhecido por charuto árabe, que pediu. – Fabiola me fala enquanto deposita o prato na mesa. Agradeço e quando ela se vai:
- Roberci, agradeço sinceramente por, como você disse, “antes tarde do que nunca” me entregar o que é meu por direito. Mas alguns amigos meus estão chegando e não quero mais você aqui. Pode deixar que eu pago a conta.
Ele me olha e eu a ele. Levanta-se e sai. Com ele já na porta, Vinicius Siman com Mateus, seu amigo, e Jeferson Adriano com Franquilaine, sua namorada, assentam-se em minha mesa.
- Quem era? – Vinicius pergunta.
- Ninguém que vale a pena. Vamos, comam comigo. Deve estar uma delícia.
- Como o céu está bonito. – Diz Franquilaine e Mateus sorri.
- Está de pintar o sete... – Completa Jeferson.
Pela imensa janela vemos à direta da lua minguante uma linha reta descendente: uma estrela, Vênus e outra estrela; à sua esquerda, compondo uma linha reta íngreme e descendente, duas estrelas e junto a última delas, paralela à lua, outra estrela. Sete astros formaram um sete branco no mais escuro e lindo céu. Enquanto isso, na rua e alheio a tudo que não seja ele, Roberci se lembra dele sozinho no quarto enquanto os três eram jovens. Mas Ranulfo não conhece seus pensamentos. Mas, eu e você, sabemos!


En español

La mañana ya está calorosísima cuando el teléfono suena. Mientras lo contesto miro por la ventana la linda caoba florida a mí frente y me recuerdo de Elsa Mariposa, la médica de Cuba.
- ¿Hola?
- ¿Ranulfo? ¿Cómo estás? Quién te hablas es Roberci, ¿recuerdas de mí? El hermano de Rinaldo.
- ¿Ah? ¡Hola! Sí, recuerdo quien seas. – Extraño la ligación de quien no tengo noticias hay casi veinte años. – ¿Cómo encontró el número de mi teléfono?
- Procuré en la guía telefónica.
- ¡Ah! ¿Qué deseas?
- Tengo algo para entregarte. – Pausa de segundos – Es de Rinaldo.
- ¿Cómo él está?
- Es sobre eso que quiero hablarte… ¿Dónde podemos encontrarnos?
Algunos segundos pensando y…
- ¿Ya has escuchado hablar del Sarao con Arak?
- ¡No!
- Bien… Es una vez por mes, en el segundo lunes, a las siete y media de la noche en el Tuffik Cocina Árabe, barrio Novo Cruzeiro.
- Sé dónde se queda. Bueno restaurante… Podemos encontrarnos allá entonces. Déjame ver el día… Nueve de noviembre, ¿puedes ser?
Siete y media yo llego y a las ocho en punto Roberci entra. Largo, fuerte, pelos negros, piel entre el pardo y el blanco. Me levanto para saludarlo, formalmente, y nos sentamos, formalmente.
- Oyes, Roberci, ¿qué querías entregarme de Rinaldo? ¿Y por qué él mismo no me troje? ¿Dónde está tu hermano?
- Ranulfo… Rinaldo está muerto.
Creo que vos, que me leés, imagina que me quedé chocado. Y me quedé mismo, pero acreciento que el disgusto por la larga ausencia de él no se quedó callada… Cuando él desapareció empeñé todas mis fuerzas para encontrarlo. Esforcé mucho, pero fue en vano.
- ¿Murió? ¿De qué?
Saca un sobre del bolsillo de camisa; lo mantiene algunos segundos delante sus ojos bajos y finalmente entrégamelo.
- ¡Lee!
Abro el sobre que no estaba lacrado y

Campinas, 20 de junio de 1987¹

Ranulfo,

Mi amigo, muchas cosas se pasaron, pero nunca las olvidé… ¡Jamás! El tiempo, parece, no es más como antes, el tiempo ahora vuela rápido y sin destino.
Ahora, realmente, no es más como era antes, todo y todos nos separaron. Esta nueva casa toda blanca, fría y helada, con la muerte a mi lado, en uno de los lechos.
Mi amigo, mi confidente, ¿cómo puedo revelarte los dolores y enfermedades a que estoy sometido? Nuestro amor, nuestro profundo amor, nuestra profunda amistad, todo eso se ha quedado atrás, cuando ellos nos separaron.
Ellos no, ella, esa enfermedad que no solamente devora poco a poco, trozo a trozo, mi cuerpo, me llevó de ti.
¿Recuerdas de aquella noche? ¡De aquella! La primera vez que nos quedamos juntos, “para nunca más separarnos”, parecía todo tan increíble… No podemos olvidar que yo era comprometido y apasionado, sin embargo, después de aquella noche, nada más me interesaba. Yo que fuera antes completamente contra el homosexualismo, ahora hacía parte de ese grupo.
Es como ya dije, no olvido del pasado, para el amor mismo entre dos hombres lo que no falta es coraje, pero un coraje es una voluntad enorme de vivir. ¿Y ahora? ¿Cómo puedo amarte, quererte, cómo puedo tener coraje si no hay más vida para vivir? (punto final…)

Rinaldo.

Mientras leía, el sarao fue quedando cada vez más animado. Un actor, dos contadores de historias, tres cantantes, cuatro poetas y algunos consumidores de arte y cultura.
- ¿Por qué? – Miro Roberci con rabia y él mantiene los ojos bajos. - ¿Por qué solamente ahora me entregas eso?
- Que importa la causa. Él ya está muerto y tú continúas vivo. – “Yo cavilaba en tú en aquella época”; piensa, pero como nada dice Ranulfo se queda sin saber. – En verdad, no dejaste tu vida ni por causa de él…
- ¡No se atreva! No se atreva a intentar culparme por tus errores.
- ¿Mis errores? ¡Los maricones son vosotros! El error es de los dos que no tienen respeto por las familias.
- ¿No respetamos familias? ¡Iríamos formar una! ¡Tú! Tú y tus padres es que fueron y están todavía en contra las familias.
- ¡Mira! Solamente he venido traer eso.
- ¿Por qué?
Sin comprender la pregunta, Roberci me mira y mis ojos lo dicen.
- Mi padre se murió dos años atrás y mes pasado madrecita también se ha ido. Meciendo en las cosas de ella encontré la carta. Cuando Rinaldo la escribió y me entregó para enviarte mostré al papá. Él la confiscó y sin percibí olvidé de ella. – Mi corazón se espanta por él olvidar, por no tener ningún respeto al sentimiento ajeno; pero, mi cerebro no se sorprende; y lamento. Roberci, que no interrumpió tu habla mientras yo reflexionaba, continúa: Y desde entonces mis manos se quedaron ardiendo… Yo tenía que entregarte.
En ese momento, de una mesa cercana, Geisa se levanta y recita el poema La Flor de Maracuyá, de Catulo da Paixão Cearense¹. “(…) Y el sangre de Jesucristo, / Sangre pisado de dolor, / En la planta de maracuyá, / Teñía todas las flores, / Mire, muchacho, / La historia que he visto contar, / La razón porque nace blanca y violeta. / La flor de maracuyá”.
Después que ella habló bebí un poco de “caipiarak” y Roberci, bebiendo una cerveza, dice: “Mejor tarde que nunca”. – Solamente lo miro.
- Aquí está el Deserto Verdeante que pidieron. – Fabiola charla mientras deposita el plato en la mesa. Agradezco y cuando ella se va:
- Roberci, agradezco sinceramente por, como dices, “mejor tarde que nunca” entregarme lo que me pertenece, lo que es mío por derecho. Pero, algunos amigos míos están llegando y no te quiero más aquí. No se preocupe, yo pago la cuenta.
- Él me mira y yo a él. Se levanta y sale. Con él ya en la puerta, Vinicius Siman con Mateus, su amigo, y Jeferson Adriano con Franquilaine, su novia, se asientan en mi mesa.
- ¿Quién era? – Vinicius pregunta.
- Nadie que vale la pena. Vamos, coman conmigo. Creo que esté exquisito.
- Cómo el cielo está bonito. – Habla Franquilaine.
- ¡Verdad! Hay un siente dibujado en el cielo. – Charla Jeferson.
- ¿Andará el diablo suelto o estará él sacando los pies del zapato? – Charla Mateus mientras sonreímos todos.
Por el ventanal vemos a la derecha de la luna menguante una línea recta descendiente: una estrella, Venus y otra estrella; a su izquierda, componiendo una escarpada línea recta y descendiente, dos estrellas y junto a la última de ellas, paralela a la luna, otra estrella. Siete astros dibujaron un siete blanco en el más oscuro y bello cielo. Mientras eso, en la calle y ajeno a todo que no sea él, Roberci se recuerda de él solo en su habitación mientras los tres eran jóvenes. Pero, Ranulfo no conoce sus pensamientos. Sin embargo, tú y yo, ¡sabemos!


Ofereço aos aniversariantes
André Brytto, Izabela Azevedo, Eduardo R.L. Toledo, Jaeder T. Gomes, Luciana Laris e Isac Silva.

Recomendo a leitura de “Presença”, de Bispo Filho:

Diquinha de português:
O uso de “a gente” nos verbos³
Para facilitar a compreensão dividamos o português brasileiro em três: Português Padrão Oficial, Português Não padrão e Português Padrão Coloquial. O primeiro (PPO) é a gramática normativa ao pé da letra. O segundo (PNP) é o português falado pela grande maioria da população. E o terceiro (PPC) é, em palavras minhas (Rubem Leite), a mistura dos dois primeiros; portanto, o mais belo dos três.
“O português não padrão é uma língua ‘enxuta’, que evita as redundâncias, o excesso de marcas para indicar um único fenômeno. (...) No caso dos verbos, ao que parece, basta a presença do pronome-sujeito para indicar a pessoa verbal”.
Vejamos um exemplo através da conjugação do verbo amar no presente do indicativo:
1- Português Padrão Oficial: eu AMO, tu AMAS, ele/ela AMA, nós AMAMOS, vós AMAIS, eles/elas AMAM.
2- Português Não Padrão: eu AMO, tu/você/ele(a)/nós/a gente/vocês/eles(as) AMA.
3- Português Padrão Coloquial: eu AMO, você/ele(a)/a gente AMA, vocês/eles(as) AMAM.
A redução das seis formas verbais do PPO para duas do PNP ou três do PPC incomoda muita gente porque estamos acostumados a crer que o esquema do primeiro é um retrato fiel da forma latina, portanto, “sinal de elite, de qualidade”. Mas não se pode dizer que nenhuma das três variações do português esteja errada, mas as duas mais aceitas são o PPO e o PPC.
Assim, para os meios acadêmicos recomendo a utilização da primeira; em casa e com amigos, utilizem a que mais lhe for confortável, a segunda por exemplo; e em conversas mais formais não se acanhem em utilizar a terceira variação.

Potira itapitanga são duas palavras que vem do tupi e significam “flor” e “pedra vermelha” (rubi). É meu desejo que cada leitor encontre em meus textos flores e pedras preciosas.

¹ AMARAL, Emília; ANTÔNIO, Severino; PATROCÍNIO, Mauro Ferreira do. Português: redação, gramática, literatura, interpretação de texto. São Paulo: Círculo do Livro, 1999. P. 14 e 15. Exceto o nome do destinatário. Tradução livre para o espanhol.

² La Flor de Maracuyá es un poema de Catulo da Paixão Cearense, un poeta, músico y compositor brasileño. Su obra más famosa es Luar do Sertão. La estrofa en el croento es una traducción libre de Rubem Leite.

³ BAGNO, Marcos. A Língua de Eulália. Editora Contexto. Páginas 61, 62, 64 e 65.


Escrito entre os dias 22 de outubro e 09 de novembro de 2015.

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