segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

FOGUEIRA

Potira itapitanga.


Sembrando hogueras,
Donde joven y desnuda
La imaginación se quema.

Corrí el mejor de los caminos,
Montado en potra de nácar
Sin bridas y sin estribos.
LORCA.


Oi! Eu sou Berenice. Qual é seu nome? – Pausa para você responder. – Prazer em te conhecer. Eu fui fecundada no fim da tarde do quinto dia do quinto mês, gestada entre os dias 06 de maio e 06 de dezembro e nasci no dia 07. Tudo no ano de 2015. Porém, enquanto personagem, eu tenho perpétuos vinte e um aninhos. Tenho um metro e setenta, cabelos naturalmente vermelhos, olhos verdes e, por incrível que pareça, minha pele é quase mulata. Devo ser algum tipo de mutante. Pena que não tenho superpoderes. Exceto, talvez, minha beleza e gostosura... Mas vamos à história que papai quer contar através de mim.
Na Biblioteca Pública Central de Ideias peguei dois livros: “Aritmética de Emília” e “Geografia de Dona Benta”. É que papai gosta muito de literatura infantojuvenil. E ele está, polêmicas à parte, encantando com Monteiro Lobato. Portanto eu também estou lendo. E vim embora montada na minha bicicleta. No bicicletário um homem magro, músculos definidos, uns quarenta e três anos, pele igual à minha, cabelos curtos e negros, olhos castanhos bem escuros, bonito e gostosinho. Mas você deve ter notado que mal o percebo... Pego minha bicicleta e saio. Espero o semáforo abrir para atravessar a BR. Enquanto isso o homem se aproxima correndo e pergunta se apertei o botão para a mudança do sinal. Atravessamos quando o sinal abre e como estávamos indo para a mesma direção ele começa a conversar comigo.
- Eu sou Diônata. E você?
- Berenice.
- Importa de irmos conversando? É muito chato correr sozinho.
- Não. Podemos conversar. – Digo enquanto penso “Acho que vou comer esse homem”.
- Eu sou fã de Ayrton Senna e ele era fã meu. Nem acredito que dia primeiro de maio fez vinte e um anos que ele morreu. – Nada falo, mas penso: Fui fecundada quatro dias depois do aniversário de sua morte. – Eu era sempre campeão de corrida, sabe. Estava sempre no pódio. Sempre entre os três primeiros. Mas, confesso, comecei a me empolgar com o dinheiro que ganhava. Estava sempre em festas e acabei me envolvendo com bebidas. Passei a ficar longe do pódio... Não gostei e me deprimi. Desisti. Fui ficando gordo... Acredita que dois meses e meio atrás eu pesava mais de oitenta quilos? E agora estou com sessenta e cinco. Sabe como emagreci? Água de berinjela. Se faz assim: pega uma garrafa de dois litros e meio, mas só coloca dois litros d’água. Parte uma berinjela em fatias, como se fosse batata palito, e coloca na água. Deixa por pelos menos de um dia para outro. Ao acordar beba um copo com limão e durante o dia pelo menos três copos, mas sem limão. Emagrece que é uma beleza. Também tem o pó... – Por que ele insiste em explicar-me a receita? Estará me chamando de gorda? Ótimo! Porque não sou magrela mesmo; sou gostosa. – A berinjela que usou, você põe para secar ao sol por uns dois dias, mas não pode pegar chuva nem ficar no sereno. Aquece o forno, ponha a berinjela seca e deixe por dois minutos. Depois moa no liquidificador e coloque uma colher do pó na comida. É bão de mais. Sabe! O Senna era um cara bom. Ele sempre ajudava pessoas com câncer. Até hoje fazem isso em nome dele. Pode pedalar mais rápido que corro mais que isso. – Ele acelerou e deu para ver a bundinha dele. A coceirinha que eu já estava sentido ficou ainda maior e melhor... – Eu estou mudando de emprego. Fiz um teste para uma empresa belga com escritórios em diversas cidades do Brasil. Eu passei e devo ir para o Rio ou São Paulo. Você conhece alguma língua?
- Além do português falo inglês e espanhol. Aprendi com meu pai.
- Eu só o português e o inglês. Estou pensando em estudar também o francês, por causa da empresa. Quero crescer bastante.
- Eu pretendo conhecer italiano e francês.
- Línguas bonitas... Sabe! Fiquei quase vinte anos fora das corridas, mas no final de 2014 foi me dando uma vontade de voltar. Fevereiro retornei, mas quis correr como se ainda tivesse vinte anos. Não deu. Tive que ficar duas semanas me recuperando. Desde então tenho aumentado o ritmo aos poucos e hoje estou quase bom. Penso em participar da equipe de elite da São Silvestre. Você tem namorado?
- Não! Ainda não.
- Também estou sem namorada. Terminamos umas duas semanas atrás. O emprego na empresa belga me pagará um bom salário. Bem maior do que eu recebia na outra empresa. – No meio da ciclovia uma moto parada e um sujeito ao celular. Ambos ocupando mais da metade da pista. – Para onde você está indo, Berenice?
- Para o Centro.
- Ah! Estou indo para o Iguaçu. Vou atravessar o bairro até chegar ao meu. Estou cansado e me esforcei hoje mais do que das outras vezes. Mas estou querendo sempre me superar. Já fui muito bobo. Não aproveitei o que tinha nem o que podia fazer. Mas se não posso voltar no tempo, posso valorizar o que conquistarei daqui para frente: Namoro, trabalho, esporte. Vou entrar aqui. Se você quiser, Berenice, poderá me encontrar no facebook. Eu gostaria de encontrar você depois.
Trocamos nossos endereços no sítio de relacionamentos. Vamos ver quando ele vai me dar.


Ofereço como presente de aniversário a
Cleber L. Assis, Regina M.T.P. Simão, Alfredo Pires, Chimeni Lins, Camila Santos, Nubia Teodoro e Rayssa Rangel.
Comemoro também o aniversário da Biblioteca Leitura e Olhares.


LORCA, Federico García. Antología. Madrid: LIBSA, 2001. Poemas Romance de la guarda civil española y La casada Infiel.

3 comentários:

cenas disse...

Olá amigo ´crontista´, agradeço as criativas linhas e a dedicatória. Abç

josmardivino@gamail com disse...

Hummmmmmmmmmmm... Essa mania de ler Lobato num momento que ele está sendo chamado de racista... Gostei da Berenice... De suas qualidades e até de sua cor. Nada tenho contra cores sejam elas pretas, brancas, amarelas ou vermelhas, ou a miríades de cores de suas misturas. O sangue é vermelho e o leite é b ranco, o resto é balela... Lindo "conto" e o Ayrton Senna e seu fã. Bela jogada. Parabéns Rubem Leite, por mais está joia literária. Linda semana da amizade.

Sonia Frei disse...

Pois, pois, que cronto maluco! Pois, estou com Josmar Divino Ferreira: sangue e leite, o resto é balela. Beijo, querido arteiro.