domingo, 15 de outubro de 2017

AMARO BOÇAL


Ao longo do século XIX, a vida nos territórios africanos mudava lentamente. A essa altura, uma população mestiça e burguesa, ainda que em número reduzido, vai se formando nas colônias, reivindicando melhores condições para essas terras. Aparecem os primeiros assimilados, nome pelo qual eram identificados os descendentes de portugueses, geralmente mestiços, nascidos na África, que recebiam uma educação mais formal.
(...)
Em razão desses acontecimentos (protestos violentos acerca de trabalho forçado imposto por Portugal às colônias), alguns antigos colonos e brancos que haviam chegado recentemente a Angola conseguem permissão do regime para invadir os bairros nos quais moravam os negros e ali atacar qualquer um que considerassem suspeitos. Desse episódio resultaram muitas mortes, em sua maioria de jovens assimilados – que são justamente aqueles que se aculturaram, deixando suas raízes negras para frequentar as escolas dos brancos.
AMORIM, 2010, p. 16 e 20.

Leitura do cronto pelo autor postado no canal aRTISTA aRTEIRO:

- Sabe, meu amor, li Mario Benedetti dizer... Quero dizer, não li porque não sou dessas coisas, mas ouvi dizer que, em um conto, talvez “Datos para el Viudo”, que não existem armadilhas para caçar o amor. E saber que você gozou, muito, com os rostos suaves de jovens rapazes com grandes bagos e com as mãos de rudes homens que te apertaram sem sentir verdadeiramente seu corpo faz com que eu não queira seus carinhos.
- Médico cubano, querido. Forte médico cubano que faz bem... E me fez tão bem.
- Por que fala coisas assim? – Silencio. – Não me adianta olhar assim. E nem precisa dizer “quem é você para me julgar”. Eu sou melhor que você. Ontem seu irmão veio me dizer que aquele magrelo tatuador branco te torou com seus dreads imensos. Seu irmão! Seu irmão me disse sem perceber ou sem se importar com o quanto pejorativo foi contigo. Mas eu me surpreendo por espantar-me com algo assim vindo de um criolo; de algo sem a minha cultura e elegância viril. Seus lindos olhos já me viram em meus sonhos e já penetrei seus seios em meus sonhos e em realidade. E digo a você: você fode melhor na minha cabeça do que na realidade. Está gostando do coquetel? Morango e goiaba. Eu gosto é de whisky. E minha vara já te perpassou. E hoje só não broxo vendo seu deboche porque sou muito macho. Deboche! Deboche que eu respondo comendo com mais sabor uma rã que sua... rarrarrá... perereca. “Jesus be praised!” A última vez que falei isso eu tinha o quê, dez anos? Não, menos. Mas você é bonita para meus olhos. Bonita para minhas mãos. Mas sua cultura inexiste e...
- E vai cuidar da sua vida e saia daqui! Que só idiota te quer.


Foto do autor: Ipê Branco.
BR 381, entre o Centro e o Novo Cruzeiro. Ipatinga MG.
Após a explosão, os dois se olham, vão embora e eu lhe digo:
Olhos no escuro
Pássaros de sons obscuros
Não livre para estar taciturno
Dever absurdo.
- O que esta quadra tem a ver com a fala daquele casal?
- Nada! E muito! Agora, escuta esta:
O cara está prestes a pular do viaduto.
- Oi! Vi que você está quase pulando.
Os dois trocam olhares.
- Quer ajuda?
- E?
- E adquira uns livros de Paulo Freire, que lhe será bom.


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Camila Oliveira, Hércules Malta, Mary Cordeiro, Igino de Oliveira, Flávia Frazão, Yasmim Correa, Clara Melo Viana, Joana Sangi, Roselene P. Andrade, Leila Cunha, Agostinho V. Pereira, Lucimar Inácia e Ricardo Viotti.

Recomendo a leitura de:
“Rebeldia”, de Xúnior Matraga:
“Cura Gay”, de Girvany de Moraes:
A “Pintura Bananeira”, do artista plástico Rafael Cabral:
“Abomináveis Fora Medroso das Neves III”, deste macróbio que vos fala:

AMORIM, Claudia. A África lusófona: um pouco de história. Cultura e Literatura Africana e Indígena. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2010.

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).


Manuscrito 30 de julho de 2017. Trabalhado entre os dias 25 de setembro e 15 de outubro do mesmo ano.

2 comentários:

Anônimo disse...

Falar do Rubem Leite, é chover no molhado, dispensa comentários.!

Ziza Saygli disse...

Intenso!