domingo, 24 de dezembro de 2017

ANOITECEU

ANOCHECIÓ


Melancolia é vidro quebrado em soalho de madeira.
SIMAN, Vinícius. Melancolia.

Leitura pelo autor nas duas línguas no canal aRTISTA aRTEIRO:

Em português:

A mulher andava pelas ruas. Suas roupas tinham tantos rasgos e furos que pouco diferiria se estivesse sem nada. Ou talvez a diferença fosse como biquíni e calcinha e sutiã. São pedaços de pano de mesmo tamanho, mas na rua aquele quase vale como roupa e estes, não; não mesmo.
As lágrimas da mulher descendo pelo rosto deixam uma linha quase de lama. O sangue em suas pernas secou. – Foram doze horas após o ocorrido. – A quem falar? Ela nem cogita tal possibilidade. Para quê? Perguntas farão e nada farão; não de verdade.
A boneca descabelada que ela lavou para a filha não foi vista pelos olhos roxos e lá, naquele local, ficou.
Sentou-se nos degraus da porta de um banco. Seu cochilo se acabou com o jato d’água da mangueira dos funcionários com gorros vermelhos e pompons brancos.
Voltou a andar. A casa é longe. Talvez amanhã ela busque nos lixos dos bairros violentos – os bons, os nobres – outro brinquedo. No momento, sem outra pessoa em casa, a filha espera acompanhada pela fome. Não está sozinha... 

Foto do autor: Futuro do Parque Ipanema (Ipatinga, Brasil).
Do Parque Ipanema cercado para impedir a entrada de coisas feito ela, a mulher passava por fora. Sem olhar pelas gretas, sem nada ver e...
Uma ambulância grita no meio da tarde. Leva a mulher. Uma ninguém? Uma que já foi de um quase alguém. (Para ser alguém tinha o falo, mas a brancura rareava.).
Um carro lhe batera e... – “Já estava ferida mesmo. E isso não há de ser nada... E... ela não é alguém! E o que é nada nem ninguém não há o que sofrer.” – ... e se foi.
Longe, sua filha não é avisada.
No UPA há ninguém.
Na casa, a menina e a fome ouvem no rádio da vizinha:
Anoiteceu, o sino gemeu / A gente ficou feliz a rezar / Papai Noel, vê se você tem / A felicidade pra você me dar   / \   Eu pensei que todo mundo / Fosse filho de Papai Noel / Bem assim felicidade / Eu pensei que fosse uma / Brincadeira de papel   / \   Já faz tempo que eu pedi / Mas o meu Papai Noel não vem / Com certeza já morreu / Ou então felicidade / É brinquedo que não tem¹


En español:

La mujer andaba por las calles. Sus ropas tenían tantos rasgos y agujeros que poco difería si estuviese sin nada. O tal vez la diferencia fuese como biquini y braga y sostén. Son trozos de paño de mismo tamaño, pero en las calles aquél casi vale como ropa y estos, no; ¡jamás!
Las lágrimas de la mujer escurriendo por el rostro dejan una línea casi de lama. La sangre en sus piernas secó. – Ya pasaron doce horas después del ocurrido. – ¿A quién hablar? Ella ni cavila tal posibilidad. ¿Para qué? Preguntas harán y nada harán; no de verdad.
La muñeca descabellada que ella lavó para la hija no fue vista por los ojos morados y allá, en aquél sitio, se quedó.
Se sentó en el peldaño de la puerta de un banco. Su cabeceo se acabó con el choro del agua de la manguera de los funcionarios con gorras rojas y pompones blancos.
Volvió a andar. La casa es leja. Tal vez mañana ella busque en las basuras de los barrios violentos – los buenos, los nobles – otro juguete. En este rato, sin otra persona en casa, la hija aguarda acompañada del hambre. No estay sola…
Foto del autor: Futuro del Parque Ipanema (Ipatinga, Brasil).
Del jardín de la ciudad cercado para impedir la entrada de cosas hecho ella, la mujer caminaba por fuera. Sin mirar por las grietas, sin nada ver y…
Una ambulancia grita en medio de la tarde. Lleva la mujer. ¿Una nadie? Una que ya fuera de un casi alguien. (Para ser alguien llevaba el falo, pero la blancura no era lo suficiente).
Un coche la batiera y… – “Ya estaba herida mismo. Eso no hay de ser nada… Y… ella no es alguien. Y lo que es nada ni nadie no hay lo que sufrir.” – … y se fue.
Lejos, su hija no es comunicada.
En el hospital hay nadie.
En casa, la niña y el hambre escuchan el aparato de la vecina brasileña:
Anoiteceu, o sino gemeu / A gente ficou feliz a rezar / Papai Noel, vê se você tem / A felicidade pra você me dar   / \   Eu pensei que todo mundo / Fosse filho de Papai Noel / Bem assim felicidade / Eu pensei que fosse uma / Brincadeira de papel   / \   Já faz tempo que eu pedi / Mas o meu Papai Noel não vem / Com certeza já morreu / Ou então felicidade / É brinquedo que não tem²


Ofereço aos aniversariantes:
Juliana Novaes, Marconio Souza, Ivanete Valverde, Melyssa Freitas, Leticia A.J. Pitanga, Bill (Joaquim Tiago), Didier Ferreira, Kívia Kiara, Tatiana Brandão, Souza Maria, Wistaliano Rufino, Italo Rafael, Artur Freitas, Éderson Caldas, Deiverson Tófano, Alison W. Martins, Joyce Oliveira e Mª Clara Martins.

Recomendo a leitura de
“A Quem Serve a Sensação de Impunidade?”, de Josué da Silva Brito:
“Genaro Urbina”, de Gianmarco Farfán Cerdán:
e “Moeda de Troca”, de Xúnior Matraga:

¹ Assis Valente. Anoiteceu. Disponível https://www.letras.mus.br/assis-valente/221595/ . Acesso 09 Dez. 2017.
² Assis Valente. Anoiteceu. Disponible https://www.letras.mus.br/assis-valente/221595/ . Acceso 09 Dez. 2017. Traducción libre del autor: Anocheció, la campana gimió / El pueblo se quedó feliz a plegar / Papá Noel (o Santa Claus), ve se tienes / la felicidad para nos regalar   / \   Pensé que todos fuesen hijos de Papá Noel / Bien así felicidad / Pensé que fuese un jugueteo de papel   / \   Ya hace tiempo que pedí / Pero, el mío Papá Noel no viene / Con certeza ya murió / O entonces felicidad / Es juguete que no tiene

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Foto de Vinícius Siman.


Escrito e trabalhado entre 07 e 24 de dezembro de 2017.

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