JESÚS ES
OTRA HISTORIA, ¿SERÁ?
Desvio Cultural – 08 e 09 de dezembro – Ipatinga:
Em apoio às artes, contra a censura, a favor da
liberdade de expressão.
Desvio Cultural – 08 y 09
de diciembre – Ipatinga:
En apoyo a las artes, contra la
censura, a favor de la libertad de expresión.
Desvio Cultural – December,
08 and 09 – Ipatinga:
In support arts,
against censorship, in favor of freedom of expression.
“Sobe depressa, Miss Brasil”, dizia o torturador
enquanto me empurrava e beliscava minhas nádegas escada acima no Dops. Eu
sangrava e não tinha absorvente. Eram os ‘40 dias’ do parto. Na sala do
delegado Fleury, num papelão, uma caveira desenhada e, embaixo, as letras EM,
de Esquadrão da Morte. Todos deram risada quando entrei. “Olha aí a Miss
Brasil. Pariu noutro dia e já está magra, mas tem um quadril de vaca”, disse
ele. Um outro: “Só pode ser uma vaca terrorista”. Mostrou uma página de
jornal com a matéria sobre o prêmio da vaca leiteira Miss Brasil numa exposição
de gado. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu meu vestido.
Picou a página do jornal e atirou em mim. Segurei os seios, o leite escorreu.
Ele ficou olhando um momento e fechou o vestido. Me virou de costas, me pegando
pela cintura e começaram os beliscões nas nádegas, nas costas, com o vestido
levantado. Um outro segurava meus braços, minha cabeça, me dobrando sobre a
mesa. Eu chorava, gritava, e eles riam muito, gritavam palavrões. Só pararam
quando viram o sangue escorrer nas minhas pernas. Aí me deram muitas palmadas e
um empurrão. Passaram-se alguns dias e ‘subi’ de novo. Lá estava ele,
esfregando as mãos como se me esperasse. Tirou meu vestido e novamente escondi
os seios. Eu sabia que estava com um cheiro de suor, de sangue, de leite azedo.
Ele ria, zombava do cheiro horrível e mexia em seu sexo por cima da calça com
um olhar de louco. No meio desse terror, levaram-me para a carceragem, onde um
enfermeiro preparava uma injeção. Lutei como podia, joguei a latinha da seringa
no chão, mas um outro segurou-me e o enfermeiro aplicou a injeção na minha
coxa. O torturador zombava: “Esse leitinho o nenê não vai ter mais”. “E se não
melhorar, vai para o barranco, porque aqui ninguém fica doente.” Esse foi o
começo da pior parte. Passaram a ameaçar buscar meu filho. “Vamos quebrar a
perna”, dizia um. “Queimar com cigarro”, dizia outro.
ROSE NOGUEIRA, ex-militante da Ação Libertadora
Nacional (ALN), era jornalista quando foi presa em 4 de novembro de 1969, em
São Paulo (SP). Hoje, vive na mesma cidade, onde é jornalista e defensora dos
direitos humanos.
Leitura do cronto pelo autor no canal aRTISTA aRTEIRO:
Em português:
- “Olhos correndo rumo à escuridão do céu” canta
Vinícius Siman em Grito Primal em Beagá. Eu digo: olhos escorrendo a escuridão
do céu. Não canto; eu digo. Afinal, não sou torturador dos ouvidos alheios... E
nem dos meus, claro. Rerrê.
Para um instante para os dois rirem da piada e
pensarem no poema. Depois continua:
- Gabriel Bicalho... O poeta, sabe? Ele é
terrivelmente aborrecido, mas seus poemas... Os poemas... Ah, seus poemas! Quem
os supera?
Mudando de assunto, Eder:
- Podemos até não saber, mas somos o que mais
detestamos...
- Quem é aquele que está me olhando sem parar?
- Rodrigo. Ele é cantor.
- Gosto de músicos... Espero que seja artista e não
apenas cantor...
- Não sei dizer. Nunca conversei com ele para saber se
é inteligente.
Os três param um instante para beberem. Eder, a sua
cerveja. Mauro, coquetel feito por Marcelo, no Feirarte. Vinícius, outro
coquetel.
- Mauro! Você não tem facebook, watzap nem nada. Por
quê?
- A ditadura deixa marcas. É assustador chegar numa
sala com todas as informações a seu respeito expostas nas paredes. – Olhando
nos olhos do Eder: Compreende?
- Compreendo!
- Respondeu muito rápido; sem nada reviver. E falou
muito enfático. Não compreende, então.
Provavelmente aborrecido (provavelmente?), Eder volta
à sua proposta inicial:
- Podemos até não saber, mas somos o que mais
detestamos...
- Paz do Senhor! – Chega um conhecido com camisa
estampada: “Boçalmito 2018”. – Estou chocado com o sujeito que roubou aquele
supermercado. Tem tantos criminosos à solta; precisam ser presos e torturados
para ver se aprende...
- Você, cristão, defende a tortura? – Mauro diz
boquiaberto. – Como? Jesus foi preso e torturado até a morte. Apoiar a tortura
é apoiar o que fizeram com Ele.
- Jesus é outra história. Ele é bom.
- Ele disse que não veio para os saudáveis, veio para
os doentes. Não veio para os bons, pois estes já estão com o céu garantido.
Veio para os maus. E você é contra a Missão dEle.
- É...
- Vamos ouvir a música, que é melhor. – Intervém
Vinícius. Os três se calam e outro vai embora. Não há como dialogar com fascistas,
pois estes são o oposto ao diálogo.
En español:
-
“Ojos corriendo rumbo a la oscuridad del cielo” canta Vinícios Siman en Grito
Primal en Beagá. Digo: Ojos escurriendo la oscuridad del cielo. No canto; digo.
Pues no soy torturador de los oídos ajenos… Y ni de los míos, claro. Jejé.
Los
tres ríen del chiste mientras paran y piensan en el poema. Después un continúa:
-
Gabriel Bicalho… El poeta, ¿sabes? Él es terriblemente aburrido, pero sus
poemas… sus poemas… ¡Ah, sus poemas! ¿Quién los supera?
Cambiando
el asunto, Eder:
- Hasta
podemos no saber, pero somos lo que más detestamos…
-
¿Quién es aquél que me mira sin parar?
-
Rodrigo. Él es cantante.
- Me
gustan los músicos… Espero que sea artista y no apenas cantante…
- No
sé decir. Nunca charlé con él para saber si es inteligente.
Los
dos paran un rato para bebieren. Eder, su cerveza. Mauro, cóctel hecho por Marcelo
en el Feirarte. Vinícius, otro coctel.
-
Mauro, no tiene Facebook, watzap ni nada. ¿Por qué?
- La
dictadura deja marcas. Es aterrador llegar en una sala con todas las
informaciones a su respecto expuestas en las paredes. – Mirando en los ojos del
Eder: ¿Comprende?
-
¡Comprendo!
-
Contestó muy pronto; sin nada revivir. Y habló muy enfático. En verdad, no
comprende.
Posiblemente
aburrido (¿posiblemente?), Eder vuelta a su propuesta inicial:
- Hasta
podemos no saber, pero somos lo que más detestamos…
-
¡Paz de Cristo! – Llega un conocido con grandes dictadores estampados en la
camisa. – Estoy enfadado con aquél tipo que robó aquella tienda. Hay tantos
criminosoS fuera de la cárcel; han que los prender y torturar. Solamente así
aprenderán.
-
Tú, cristiano, ¿defiende la tortura? – Mauro habla boquiabierto. - ¿Cómo? Jesús
fue preso y torturado hasta la muerte. Apoyar la tortura es apoyar que hicieron
a Él.
-
Jesús es otra historia. Él es bueno.
- Él
dijo que no vino para los saludables, vino para los enfermos. No vino para los
buenos, pues estos ya están con el cielo garantido. Vino para los malos. Y tú
eres contra la misión de Él.
-
Es…
-
Vamos oír la música, que es mejor. – Interviene Vinícius. Los tres se callan y
el otro se va. No hay como dialogar con fascistas, pues estos son el opuesto al
diálogo.
Ofereço aos aniversariantes:
Marcelo Vieira, Albio Rodrigues, Lorrayne Sancar, Alcemar
Ferreira, Vanda Ribeiro, Welington G. Silva, Patrick Castro, Lucas B.M. Alto, Larissa
SA, Kerley H.M. Almeida, Cleber L. Assis, Ricardo Escudero, Regina M.T.P.
Simao, Alfredo Pires, Xunior Matraga, Chimeni Lins, André Resende e Alejandro
Vera.
Recomendo a leitura de
“Abaixo ‘a consciência humana’”, de Vinícius Siman:
e “Geni, o miniconto”, de Girvany de Morais:
Rubem Leite é
escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA
aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras. É professor de Português, Literatura,
Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em
Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua
Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”,
“Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos
“Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua
Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como
é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e
“Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro
Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Foto de Vinícius
Siman.
Escrito na tarde de 24 de setembro de 2017. Trabalhado
entre os dias 30 de outubro e 03 de dezembro do mesmo ano.
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