domingo, 19 de dezembro de 2021

A CHAVE DA PORTA DOS MALES

  

Você luta

tenta ser coerente,

briga com o sistema,

tenta fazer o melhor...

 

e, no final, por um mínimo de esforço

de um (3 perguntas) com um único

ser, se aprova a atitude de desleixo, de irresponsabilidade, de negligência.

 

Aí, fica a pergunta

Adianta?

Fiz papel de 🤡

Preciso me esforçar para ser melhor

nesse sistema?


Assim, caminha a educação.

(Emílio Ferreira)

 

Delícia

Chuva batucando

No telhado de minha

Casa

Vento flauteando

Nas

Portas e janelas

Cortinas e árvores

Bailando

 

Um girino se transforma num sapo e crê que o mundo é a poça d’água. Não busca mais nada.

O menino cresceu e crê que o mundo é a fábrica. Não buscou mais nada. Trinta anos depois o RH agradeceu pelos serviços prestados e o deixou sem mundo.

 

Eu, Benito, quando mais jovem, tinha horror a palavra “senhor”. Não pela associação com a idade que ingenuamente muita gente faz. Meu desconforto era porque via nela superioridade de uns sobre outros; não fraternidade.

Hoje vejo que “você” leva as pessoas a confundirem amizade com desrespeito. Enquanto “senhor” não implica perda de amizade nem de intimidade, mas induz o respeito solidário e fraternal.

Segundo o dicionário eletrônico (aplicativo para celular) Dicio: Significado da palavra senhor:

Substantivo masculino. 1. Pessoa de alta consideração. 2. [Figurado] Quem domina algo, alguém ou a si mesmo. 3. Pessoa distinta. Adjetivo. 4. Sugere a ideia de grande, perfeito, admirável.

 

Meu pai

[15/12/1925]

Se foram noventa e seis

Surgido na Terra

Ventos nos galhos arbóreos

 

 

Acima, algumas coisas que, na semana passada, pensei e postei no Caralivro.

Abaixo, a história de hoje. 

 

 

Quase dois meses enfermo. Depressão, ansiedade, labirintite, sequelas de covid.

Da chave da porta destes e outros males não direi o nome. Tenho palavras mais bonitas, mais úteis para dizer.

Uma semana após o retorno.

Quarta-feira:

- Professor Benito, o senhor não pode dizer a nota dos alunos em voz alta.

- Uai! Não pode? Obrigado, chave, pela orientação.

A criatura deu um passo atrás como estivesse sido empurrado; encurvou as costas também para trás como se tivesse levado um soco; fez uma careta como se tivesse levado um susto. O professor lhe deus as costas e voltou ao que fazia, mas chamado um por um e falando individualmente a nota.

Sexta-feira:

Ao fim das aulas, indo para a sala dos professores, a chave o para:

- Professor Benito! Alguns alunos me perguntaram se professor pode vir de chapéus já que eles não podem vir de bonés. É o que está no estatuto da escola.

- Uai! Depois de dois anos e meio vindo muitas e muitas vezes de chapéu, boina ou gorro alguém se incomoda com isso? E faltando uma semana para o fim do ano letivo? Tudo bem, obrigado pela orientação. Daqui uns dias não virei mais aqui mesmo...

E entrou na sala sem olhar para a chave nem para sua reação.

Segunda-feira:

Com meio metro de distância a chave conversa com um sujeito. Ambos sem máscaras. Vendo Benito entrar na escola lhe diz:

- Professor, a máscara! O senhor está sem ela...

- Estou!

E entra na sala dos professores. Pega alguns materiais e só então põe a máscara para ir para as aulas.

No recreio, conversam os professores Benito, Teteu, Esmaiz e Sirena.

- Por que você não perguntou onde está no estatuto? – Sugeriu Teteu.

- Falei para todo mundo as notas em voz alta e a chave não falou nada. – Disse Sirena.

- E a coisa estava sem máscara?!? – Comenta Esmaiz. – Por que não disse isso para ele?

- Não discuti com a chave porque não me incomoda essas bobagens. Vir de chapéu ou não é algo completamente sem importância para mim. Falar em voz alta ou em voz baixa é menos importante que passar as notas; quem passou ficou livre e quem não passou soube que ainda tem que entregar a última tarefa. É o roto falando do esfarrapado. Rerrê. O troço estava conversando sem máscara com alguém enquanto eu estava sozinho... Vou lá da importância para o torto roto? E o mais importante. Acho que ele está esforçando muito para me ver gritar para ter algo a dizer contra mim à Secretaria Municipal de Educação. Não vou dar o que a chave quer, pois não tem poder sobre mim. E só quero terminar o período letivo e pronto.

Quarta-feira:

Os formandos da escola fizeram uma comemoração na sala de aula e convidaram seus professores e demais funcionários, mas não a direção escolar. A chave ficou com tanto ódio que decidiu escolher quem poderia participar da festa de formatura que, sem nenhuma ajuda da escola, os próprios alunos se esforçaram para conseguir o dinheiro.

- Chave! O dinheiro é nosso e você não está convidado. Não apareça por lá.

Boa resposta, acho.

 

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens:

Meu pai em sua carteira de sócio do clube do time; foto do autor.

Retrato do autor feito pela estudante Karla V.A. Paiva.

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