segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

PORTÃO

 


26/12/21 primeiro aniversário de nascimento de minha mãe antes do primeiro aniversário de sua morte.

 

Confie em mim

Muitos dizem

Não confie nele

Muitos dizem

Todos parecem saber tudo

 

Pareço um bobo

Talvez seja tolo

 

Confie só em mim

Muitos falam

Não confie nos outros

Muitos falam

Não sei quem é o bruto

 

Entre todas as vozes

A perdida é a minha

 

Sim a mim

Muitos sussurram

Não aos demais

Muitos sussurram

Quem escuto

 

Atrocidade da atroz cidade

Onde está minha voz

 

A noite de vinte e quatro de dezembro de 2020 está bonita.

Olho pela janela antevendo o futuro e a lembrar o passado. ‘Me imagino’ na dança da solidão¹. 

No início da tarde de 16 de fevereiro de 2021 minha mãe falecerá pelo covid e no final da mesma tarde foi enterrada. Dois dias depois será o aniversário de minha irmã e após cinco dias uma prima me pediu para sair do apartamento onde moro para vendê-lo. Dar-me-ia – não resisti ao engraçado que é a mesóclise, nem a mistura de tempo verbais – dois mil reais. Não aceitarei e entrei na justiça. Em fins de 2021, época da postagem deste cronto, mudei-me para Timóteo seis meses antes.

Minha saída do apartamento foi porque ganharei na justiça e o comprador me deu cinquenta mil, pouco mais de um terço do valor do apartamento. Isso para que ele o comprasse.

Meus tios e primos me odiarão por ter defendido minha morada. Mas parece que parente é isso mesmo.

Mas repito e acrescento: A noite de vinte e quatro de dezembro de 2020 está bonita. O dia e a noite anteriores estiveram bem chuvosos e a goteira voltou.

Durante o dia, pelo watzap:

- Agamenom, entre em contato com seu tio porque o serviço que ele fez no telhado não está nada bom. Ontem passou o dia e noite chovendo e amanhecemos com a sala toda alagada. – Ri. – Alagada é exagero, mas toda molhada e olhando para o teto aquela velha fila de goteiras. Então o serviço que ele fez não está servindo.

Passa-se algumas poucas horas e responde-me:

- Pai, ele está na roça. Deixei recado com a tia.

- Bom, obrigado! E aí! Você e Henrique almoçarão aqui amanhã?

- Acho que não porque temos três visitantes que ficarão aqui alguns dias.

Pouco tempo depois vou ao congelador pegar o frangão metido a peru para descongelar para o almoço de Natal. Cadê o bicho? Não é possível que os cachorros tenham aberto a geladeira e chegado ao congelador. Mas por via das dúvidas olhei em todos os cantos da casa e neca de pitibiriba.

A noite eu, os três filhos que ainda moram comigo, mais a minha nora fizemos um delicioso churrasco. Lu, o caçula, passou mal. De tarde tomou um remédio controlado do irmão mais velho e a noite bebeu cerveja, vinho e conhaque. Rerrê.

Homem é molenga mesmo: “Vou morrer! Me acuda que vou morrer! Não estou sentindo meu coração...”.

Dei remédio para ressaca, massageei as têmporas do rapaz. Nisso, Vito, meu terceiro filho, pediu-me vinte reais. Neguei porque preciso do dinheiro que tenho. Saiu e voltou para pedir para o irmão. Este disse para pegar no bolso da bermuda que estava pendurada na cabeceira da cama.

Continuei a massagear as têmporas do garoto até acalmá-lo. Em pouco tempo dormiu e fui deitar.

Quando acordei Lu já estava de acordado e irritado. A bermuda amanheceu na varanda, sem os setenta reais que deveriam estar lá. Contou-me então:

- A usuária traficante que dorme do outro lado da rua na tenda armada por ela me disse ontem que Vito e o marido dela saíram para vender o peru. Não quis acreditar, mas agora estou tendo certeza.

Quase meio dia Vito aparece chapado. Não deixei os dois conversassem porque não se conversa nem com bêbado nem com nervoso. Amanhã veremos. 

Amanheceu e não vimos nada. Chato a perda do frangão que se acha peru. Mais chato é briga no Natal. Então prefiro dormir porque parente é assim.

 

 

¹ Dança da Solidão, composição de Paulinho da Viola.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

 Imagens:

 Árvore Literária de Natal, foto do autor.

 Minha sobrinha Thais e minha mãe Maria Ettiene, self de Thais.

Guirlanda feita pela artesã Erika Aviles – watzap +5531991843032.

Foto do autor pelo autor.

 

Escrito no dia 25 de dezembro de 2020 e trabalhado entre 21 e 27 de abril e depois entre 21 e 27 de dezembro de 2021.

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