domingo, 23 de janeiro de 2022

BORBOLETAS, VENHAM!

O que quero:

Que minha manhã acabe, meu dia acabe; a noite acabe sem começar outro dia. Não quero que acabe o mundo para os querem continuar.

O que tenho:

Canto de galos 🐓 e pássaros 🐦, flores 💐, nascer e pôr do sol 🌞, vento nos galhos das árvores 🌳. Tudo para, suave, me animar. Tenho também as pessoas - brutas, todas ou tantas brutas - para me desanimar.

O que faço:

Escrevo, leciono, leio e aprendo a ouvir em silêncio. Espero o que quero. Agradeço aos suaves ânimos (obrigado!). Abrando meu coração de carne com a brutalidade.

Há penumbra, mas não treva. Os livros atrás de mim, a escrita à mão, os cachorros 🐕 que não veem... estes fortalecem meus ombros pesados e minha cabeça se ergue. Em silêncio vejo, ouço e penso.

Cláudio Letro disse-me o que escrevo com minhas palavras a produção da escrita é mais um sentido de cura e o processo é mais rico que o produto - o palpável e comunicável livro 📖 -. Contudo o nascimento do livro interessa mais ao povo enquanto este não se interessa pela pessoa-artista.

Do que Cláudio me ensinou vejo a construção mais importante que o produto; e olha que o livro é fascinante. E venho pensando na diferença entre escritor e fofoqueiro. O escritor fala de si enquanto o fofoqueiro, do outro. Se uma situação política, religiosa, social ou pessoal incomoda o escritor, o operário das letras fala do seu desconforto.

Até por isso usamos de ficção [pessoas inexistentes, monstros etc. (As pessoas são inexistentes, mas não os fatos)]. O fofoqueiro fala mais das pessoas que dos fatos. Mais reclama e xinga do que protesta e denuncia. Mais do que o outro fez do que sentiu (de fato).

Em silêncio ouço, e penso no que vejo.

A taturana saiu do jardim ao amanhecer. Subiu a rampa de cimento baixo o forte sol da manhã de janeiro. Meio-dia fixou-se no degrau para minha casa. Duas horas depois ainda estava lá.

Peguei um pedaço de madeira para servir de suporte e uma sacola plástica para ser minha luva. Coloquei a taturana na madeira e a soltei numa folha, por acaso, bem furada de mamona.

Não sei. Não sei. O que sei?

Fora-lhe bom? Fora-lhe mau? Nem bem nem mal fiz? Fui-lhe indiferente à vida?

O que sei? Nada, nada sei.

Virão as borboletas 🦋.

Se essa lagarta há de transformar ou não por minha intromissão ou minha ação não lhe causou sério impacto para o bem ou para o mal não hei de conhecer.

Uma só pessoa afeta muito pouco o planeta - parece tão óbvio - mas o grupo humano afeta demais - parece tão óbvio, mas não é ou é desimportante.

Que venham as borboletas.

Que a velocidade da tartaruga 🐢 dê mais prazer que a velocidade do míssil, sugere Manoel de Barros.



Rubem Leite

O que tenho pensado objetivamente desde o domingo passado e subjetivamente não sei por quanto tempo ponho a público.

Foto: de Erika Aviles.

23 de janeiro de 2022.

Um comentário:

Glaussim disse...

Tenho assistido o seriado Game of Thrones e parece que o romance mostra umas coisas sobre os Humanos contra a Natureza e uns contra os outros. Há ainda os humanos contra os mortos vivos. Há um desejo de que mesmo que tribos e reinos estejam em guerra por poder eles se juntarão contra doenças ou inimigos maiores(mortos vivos). Mas será mesmo que vai rolar essa camaradagem? Acho que não! A pandemia mostrou como alguns lucraram e como gente pobre se fudeu. Acho que não haverá salvação humana se tudo continuar a piorar....


Meu poema sobre borboletas https://www.recantodasletras.com.br/poesias-goticas/7165582