Li, não me recordo de qual autor, algo como "pessoas que escreveram livros: Napoleão Bonaparte, Carlos Drummond de Andrade, Darwin e outros. Pessoas que não escreveram livros: os soldados de Napoleão, a cozinheira de Drummond, os acompanhantes de Darwin e tantos outros". Não foi exatamente isso que disse, mas essa é a ideia.
Pelo meio de janeiro do ano passado, mais ou menos nessa ocasião, comprei dois pés de antúrio e os coloquei num só vaso. Isso para "plantar" o umbigo de uma criança que estava para chegar.
"Plantar o umbigo" junto a raiz de uma planta dá boa sorte na vida do recém-nascido diz a crença, ou a superstição ou a sabedoria popular; como queira pensar.
Sete meses depois do nascimento me mudei de Ipatinga para Timóteo. E antúrios não gostam de mudança; preferem o sossego; o que os abalou. E poucas semanas depois, pra piorar, o vaso caiu.
Quase morreram as plantas. As folhas ficaram muito lastimadas e se quebraram quase todas. Uma até acho que morreu mesmo. Pelo menos até agora não deu sinal de vida... Mas a outra, assim como a irmã, ficou com duas ou três folhas. Porém esta vigorou. Pouco a pouco; numa convalescença de meses.
Uma folha morreu, outra também e a terceira está até hoje. Com cicatrizes, mas deu força para que nascessem outras folhas. Mais bonitas que a ferida.
Folhas bonitas e personagens históricos, literários.
Folhas machucadas e pessoas anônimas.
Livros, músicas contam histórias, mas não valem a vida de qualquer pessoa. Canta Elis Regina.
Mas sem arte a vida nada ou pouco vale.
A folha ferida não escreveu nem cantou. E foi ela que às outras desencantou para que servissem de registro. Inspirar para não expirar.
Quem a olha o que vê? Se é que a vê.
Ah, personagem, o destino te leva pra cima e fica a espera assistindo a queda que te deixará - igual as demais pessoas - na horizontal e com terra por cima. Canta Dolores Duram.
Será que a gente um dia aprenderá que ninguém é especial?
Somos tudo coisa em outra coisa rotando e trasladando ao redor de outra coisa num cantinho lá nos fundos de outra coisa a rodar com milhares ou milhões de outras iguais numa coisa que talvez seja apenas uma entre outras coisas...
Rubem Leite
Por semanas, a pensar nisso, a ler livros, a conversar com inteligentes, reparou no antúrio e dois, três dias depois - 16/01/2022 - escreveu o que, por enquanto e só por agora, concluiu. Ainda não estou pronto. Só não sei quando vou acabar. Mas até lá continue lendo o que publico, indique a outros. E não parem depois.
Um comentário:
Belíssima... Achei maravilhosa a sua adaptação nos antúrios e nos sentimentos de um narrador personagem.
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