quinta-feira, 7 de agosto de 2008

A ODISSÉIA BELO HORIZONTE - I

Rubem Leite – 19 a 22 de janeiro de 2008.

Gente! Tenho que presente pros meus amigos da NI e tem que ser de literatos de Ipatinga. Têm que ser da Nena, da Cida e da trilogia de Marília.
Ligo para Nena e ela não estava.
Ligo para Cida e ela não atende.
Como conseguir o telefone de Marília?
Foi difícil, mas falei com Marília – o pau para toda obra do CLESI* e ela me deu várias obras e mandou dizer pro pessoal que é nossa fã.
Como diz aquela música “Andei, andei...” e chego a tempo na estação. Eu vou de trem.
Mas a odisséia não começou aí. Meses atrás comecei a por na poupança 5% para viagens e mais 55% para outras coisas. Meu suado e merecido dinheiro rende. (Xiii! Um segredinho: moro com mamãe. Ai que meigo. Uarrarrá).

No trem:
Baratinha! Uma ou mais, sei lá! Não consegui reparar na cara. Comigo a pesada mala que carreguei a manhã toda antes de chegar a estação e a pesadíssima bolsa de mão, lotada de livros e tudo mais que eu fosse precisar no caminho. A tv só era ouvida quando o trem parava. Como companheiro de saga: Guimarães Rosa e seu Grande Sertão: Veredas.
Conversei com Guimarães coisas como: “Matei um inseto e ficou um caldo verde. Ê trem balançante num calor assante. Gente e gente e gente mais gente passam e repassam pelo corredor e quase sempre dão esbarrões fortes na gente. Aqui é a estação do Rio Piracicaba? Esse moleque ao meu lado não proeia, né?! Só, olhandor pela janela indo para fora com o olhar”. Aí o Riobaldo me disse: “Confiança – o senhor sabe – não se tira de coisas feitas ou perfeitas: ela rodeia é o quente da pessoa. De um acêso, de mim eu sabia: o que compunha minha opinião era que eu, às loucas, gostasse de Diadorim, e também, recesso dum modo, a raiva incerta, por perto de não ser possível dele gostar como queria, no honrado e no final. Ouvido meu retorcia a voz dele. Que mesmo, no fim de tanta exaltação, meu amor inchou, de empapar todas as folhagens, e eu ambicionando de pegar em Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre”. É Riobaldo, bom amigo, eu cismo com você e seu pai, o velho Guima: “Se a gente fosse livre para amar quem quisesse, e pudesse... Porque não amamos que queremos e sim quem o coração quer... Mas se pudéssemos amar, simplesmente amar, livremente amar... Ao menos quem nossa cabeça não quer, mas nosso coração exige... Seria tão mais fácil. Seríamos tão mais felizes”.
Bem, chegamos a Belo Horizonte. Foi tudo muito bom, mas o melhor mesmo e rivalizando com Grandes Sertões: Veredas foi ter visto dois gaviões. Um a voar e outro pousado num gramado.
Mas acho que os gaviões venceram, raspando, mas venceram.
Bem, chegamos a Belo Horizonte. E fui recebido por um mendigo. “Boa noite”, disse-me enquanto passei por ele. “Boa noite”, respondi num sorriso sincero e nos despedimos com brilhos nos olhos e sorrisos nos lábios.
Depois a gente continua...

xxxxxxxxxx

* Clube de Escritores de Ipatinga

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

ENTRE MANGAS, CAQUIS E BLOG's

Rubem Leite – madrugada de 06-8-08

Amanheceu. No quintal de Ema imensas mangas e à sombra da mangueira conversamos. Entre os nossos sorrisos vou-me embora. Voltarei de noite. No chão do ponto de ônibus visto por cima da bermuda uma calça que tiro da mochila. Ali no Bela Vista, sabe, na rotatória, com aquele comprido prédio que tem uma espécie de cais para carga e descarga das mercadorias para as lojas. Enquanto vestia chegou um sujeito com seu bigode. O cara tem jeito de batalhador estudado, entende? Corpo forte e um livro nas mãos. E o quarentão me pergunta “trocando de roupa?”. Rindo digo qualquer coisa. Depois, um silêncio alimentado pela demora do ônibus. E o silêncio gerou jejum de palavras. Começamos a conversar.
- Sou Benito.
- Pallares.
- Trabalha com quê?
- Trabalho na fábrica.
- Ah, é? Eu sou artista.
- Pintor?
- Não, por que? Falo sorrindo e continuo: Sou artista cênico e literário. E contador de estórias.
- Tem cara de pintor francês.
E rimos.
- Tenho um blog, continua ele. De vez em quando escrevo algo.
- Ah, é? Qual?
- http://artedoartista.blogspot.com.
- Escrevo sempre. As palavras vêm à minha cabeça como se a estuprassem. Não com a violência, mas com a intensidade.
Mais silêncio, ambos pesando as palavras.
- Para onde você vai? Perguntei.
- Para Rodoviária. Vou passar em casa só para pegar a mala e partir.
- Vai passear?
- Passeio. Estou indo ver uns parentes e amigos.
- Onde? Se eu não estiver sendo muito curioso?
- Ubá.
- Tenho parentes lá. Um casal de sobrinhos que mora com a mãe. Talvez você os conheça. A mãe se chama Tiberíades e os meninos, que já estão adultos, PH e Pris. Moram no Caiçara. Conhece?
- Caiçara é um bom lugar, simples, mas de gente boa. Tenho impressão que os conheço. Tiberíades é loira?
- Sim! Enquanto falo aponta-se o ônibus, ele entra e pela janela a gente se despede. Não demora e aparece o meu.
- Marina! Boa tarde, menina!
- Boa tarde! Fala com um sotaque português.
De onde surgiu o sotaque? Pergunto calado.
- Queres entrar?
- Não, obrigado! Só vim pegar os livros.
- Então espere um pouco. Entra e volta com uma caixa.
Agradeço, despeço e volto para casa.
- Que demora de ônibus, sô!
Deixo no chão da sala e saio para comer algo. Não estava a fim de cozinhar só para mim. Mas tem que ser algo barato, penso.
Quando percebo estou no início da estória.
- Se tudo é um círculo vou fazer o que estou com vontade desde o início.
No portão da casa, perto da escumilha e do limoeiro, grito:
-Ema! Chamo entrando pelo portão, sirvo de uma manga e depois vamos dormir, se é que me entende. Depois das mangas comidas Ema me oferece caqui. Ah! Como como caqui. Que tem um cheiro gostoso, pele macia e passando a língua sente-se a promessa do sabor. Quando mordida não reclama feito maçã. Se abre toda desmanchando em delícias, dando todo o seu sabor e seu suco. Desfazendo-se, satisfazendo-me e tornamo-nos um.
Amanheceu. Entre os nossos sorrisos vou-me embora. Voltarei outras noites. A gente se gosta. Mas agora vou escrever. De tarde vou para o teatro e a noite visitarei o blog.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Acho as Pessoas Estranhas


Atravesso a praça pensando em sua aparência, a da praça.
- Ôôôô, milico. Miliiiico!
Tem algum militar aqui? Penso. Não vi nenhum.
- É você mesmo, Rubem.
Eu? Penso enquanto procuro quem me chamou.
- Cara, cê tá parecendo um militar.
Juro que não entendi a observação.
- Tá igualzinho a um militar americano no Iraque. Anda em linha reta, como se estivesse indo para a guerra.
Continuo sem entender a comparação.
- Bom dia, André!
- Bom dia, Rubem!
- Como tem passado?
- Bem! Ontem lembrei de quando comia rapadura na casa de sua avó quando ela estava viva.
Eu não me lembro disso apesar de achar lógico não “comer rapadura na casa de minha avó depois que ela não estar mais viva”.
- Lembro o quanto éramos amigos. Lembra? Estávamos sempre juntos. Conversando sobre livros e tudo mais. Lembra?
- Lembro! Falei, mas não falei que na época ele cortou relações comigo porque alguns de seus amigos (?) falaram contra mim. Calei e não diz que ele deu mais crédito aos maus comentários do que “nossa” amizade.
- Tá indo onde?
- Para o GASP.
- Cara tô sumido de lá. Lembra que fui voluntário lá? Por três dias, mas comecei a gostar de ... você sabem quem?
- Sim, eu sei.
- Cara esqueci minha trena no trabalho. Diz examinando os bolsos. Vou ter que voltar. Abraços!
- Inté!

Acho as pessoas estranhas.
Ou eu é que sou estranho.
Como a obra O Alienista (Machado de Assis), que depois de ter prendido todos no manicômio, os soltou por ter chegado à conclusão de que, em minhas palavras, “se todos são loucos e só eu sou normal, então o anormal sou eu”.
Gosto de abraçar quem gosto e gosto de beijar quem gosto. Mas homens não podem.

Os dois amigos vão ao cinema rindo e falando bobagens. Pedro dá um abraço em Paulo. Escândalo. As pessoas olharam boquiabertas.
- Pedro! Não gostei do abraço.
- Mas a gente sempre se abraça.
- É, mas em casa, não na rua com todo mundo olhando e comentando.
- Tá preocupado com a opinião alheia?
- Não gosto que as pessoas pensem que sou viado.
- Você é viado?
- Tá me estranhando, cara?
- Não, mas está tão preocupado...
- O que eu não gosto é de ser alvo de comentários. Faz o seguinte, não me abrace em público. Não quero. Entendeu?

CONEXÃO


FORUM PERMANENTE DE DISCUSSÃO DA PRODUÇÃO ARTISTICO-CULTURAL BRASILEIRA

Com o intuito de promover a reflexão a cerca das potencialidades da arte e da cultura na contemporaneidade, bem como do fazer e das condições de produção artístico-cultural, no sentido de assegurar a universalização do direito à arte, surge o Conexão, um fórum permanente composto por diversos segmentos artísticos e culturais.
Dando continuidade aos nossos bate-papos sobre cultura, estaremos promovendo um debate sobre o movimento cultural de 68 no Brasil a partir do filme "BARRA 68 - Sem Perder a Ternura" de Vladimir Carvalho.

Aguardamos você!!


O Grupo Perna de Palco é um dos coletivos que fazem parte do CONEXÃO.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008



São agora 17, digo, 16 minutos para as 05 horas da manhã da primeira segunda-feira de agosto de 2008. Eu acordei sonhando ou pensando nos heróis brasileiros, que são de um desses dois tipos: o ante-herói ou simulacro dos heróis estado-unidenses.

Na verdade acordei com as seguintes palavras na minha cabeça:
Na animação “Beowolf”, que se passa 500 anos depois de Cristo, o principal conselheiro do rei tinha um escravo adolescente que apanhava tanto e por qualquer motivo que me levou à “Brás Cubas”*. Brasinha, o herói (?) da obra, gostava de “brincar” com um escravo, fazendo-o de mula ou cavalo. Ambos cresceram e, não me lembro como, o “eqüino” conseguiu a liberdade e adquiriu por sua vez um escravo que ele usava como montaria. O que me arremessou outra vez à animação. O Cristianismo invadiu a Dinamarca (onde se passa a estória) e o tal conselheiro se tornou persona importante da Igreja e ainda continuava deixando apavorado o escravo, agora um jovem homem todo cheio de cicatrizes. Millôr disse uma vez e eu já repeti suas palavras: “...um homem, digo, um camponês...”. O escravo era um homem? Bem, não importa para nossa conversa. O interessante é que ele agora servia de apoio para seu dono, já velho. Tornaram-se amigos? Rss. Rss. Assim fui levado a pensar numa charge que uma queridíssima conhecida já me descreveu algumas vezes. Ela viu a charge num livro escolar de um de seus filhos e era assim: Numa Cruzada um guerreiro enfia sua espada no coração de um mouro dizendo “Eis a minha caridade cristã”.

Penso numa matéria jornalística que vi alguns anos atrás. O repórter, brasileiro, estava em algum país, não me lembro se islâmico, indiano, asiático ou algum outro. A pobreza era tanta que o repórter ofereceu dinheiro a um pai para comprar um de seus filhos, uma menina. Não por uma noite, mas como escrava. E entre as lágrimas de desespero da adolescente ele a conduziu por algumas centenas de metro e a devolveu ao pai deixando o dinheiro. Alívio. Não para mim. E espero que não para você.
Meus olhos ardem.
Meu nariz escorre.
Sábado eu vi um filhote de cachorro na beira da calçada morrendo. Meu coração doeu.
Já vi uma mulher esfaquear outra, antes das 08 horas da manhã. Meu coração doeu.
Já ouvi uma mulher torturar sua escrava, digo, a filha que adotou. Meu coração doeu.
Já ouvi uma criança ser jogada pela janela e outra ser baleada pela policia. E outra... Meu coração doeu.
Mas meu coração se aliviou com uma mulher puxando para seu barraco um rapaz entregue pela polícia a uns traficantes. Que aconteceu à mulher?

Não quero mais ver nem ouvir. Tenho que fazer algo.
E você, já viu e ouviu o suficiente ou “tá bão”.
Apesar de toda minha insignificância eu faço. Sou voluntário numa ong aids (GASP – http://ppgasp.blogspot.com), escrevo e. Só temo que sejam vãs minhas ações. Mas não deixo que o temor me domine. Eu faço, mesmo com toda a força de um beija-flor.
Peço a Deus que não me deixe só.

São agora 37 minutos de cinco horas da segunda-feira.

Voltei. Estamos no benedictus e olhando pela janela do meu quarto vejo um lampião vermelho dando o seu máximo e vejo também beijos vermelhos e róseos dando o seu máximo. A árvore que tem na porta de minha casa está dando o seu máximo. Não vou ficar gemendo num vale de lágrimas. Eu vou sorrir e agir. Vou descobrir a espécie da árvore que me acompanha. Quero saber quem são meus companheiros. Inté!


* Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis

sexta-feira, 1 de agosto de 2008


AMOR

Anteontem.
Impar – Boa noite, amor!
Par – Boa noite.
E os dois se beijam felizes em se verem.
Par – Esqueceu eim!?
Impar – O quê?
Par – Ah! Se eu não tem amasse tanto assim.
Impar – O que esqueci?
Par – Do meu presente. Aqui está o seu.
Impar – Ai! É mesmo. Desculpe. Não trouxe nada.
Par – Sabia! Diz sorrindo e ambos se beijam.
Impar – Espera, que vou ali comprar um algodão doce para você.
Quando prestes a chegar à metade da rua só se vê uma sombra e se ouve alguns sons.

Ontem.
Uma lágrima escorre. Em seu lar os pais brigam mais uma vez e não param nem quando chega a irmãzinha. Par se encaminha para o seu quarto e ao passar pela sala se esbarra na Bíblia que por acaso estava lá. Recolhendo-a do chão repara na dedicatória. Um presente do Padre que celebrou o casamento de seus pais. Mas... Cinco meses depois de seu nascimento. – Uai! Pensa, meus pais se casaram dez meses antes de meu nascimento. Como pode isso? Continua a pensar.
Par – Pai, mãe! O que significa essa data?
Pai – Onde você viu isso, Benito?
Par – Esbarrei nela agora. Não estou entendendo, que significa essa data?
Pai – Mãe, explique você.
Mãe – Em lágrimas: Nós comemoramos o nosso casamento quase um ano e meio depois para que você não se sinta mal por um deslize nosso.
Pai – A gente te quer bem. A você e à sua irmã.

Amanhã.
Caminhando pela rua. Caminhando pela rua. Caminhando pela rua. Caminhando. A ponte! A ponte? Caminhando para a ponte. Caminhando para a ponte. Caminhando. Pulando. Caindo. Molhando. Tentando sair. Afundando. Escuridão e silêncio.
Par – Onde estou?
Enfermeira – Acordou? Que bom! Que tolice. Sai depois de examinar.
O Estranho olha pela porta e sorrir
Enfermeira – Que o senhor está fazendo aí?
Estranho – Só olhando alguém que ajudei.
Enfermeira – Então entra e se apresenta. E o empurra para dentro.
Os dois se olham. Sorriem e continuam se olhando.

Depois de amanhã.
Passeiam pela praça sob o olhar sempre presente de Ímpar que pensa: Dessa vez não esqueci nada... Bem! Quase nada. Completa ao olhar para baixo e ver que esqueceu a cueca. Sorrindo, volta para onde veio.
Escrito na noite de 31-7-08
Imagem de Van Gog