segunda-feira, 24 de setembro de 2012

DIÁLOGOS DAS VIDAS


Obax anafisa.



- Me larga!
-
- Eu não fiz nada!
-
- Sou mesmo, e daí?
-
- Não mexe na minha bolsa.
-
- Por que eu? Não tá comigo.
-
- Bom é seu pai que me come melhor que você.
- Estrago sua cara, vadia, nem que eu passe o resto da vida na cadeia.
Custou, mas escutei a fala do homem. Que pena. Meus cachorrinhos não percebem o conteúdo da conversa e eu não entendo o sentido de certas vidas.
Um folheto dos Testemunhas de Jeová diz que todo o sofrimento acabará em breve. Em contraponto, pensei irritado na Cals, tutora de certa disciplina da faculdade, e tomei uma decisão. Não vou me preocupar com nota nem nada. Apenas vou estudar e cumprir minhas obrigações acadêmicas, independente de qualquer resultado que ela me der. Sem entender o conteúdo de algumas vidas olho para as sombras do chorão e dos oitis na madrugada.
-Benito, Benito, Benito!
- Oi, bom dia! Já de pé, Vinícius?
- Hoje é meu aniversário. É meu aniversário. É! É! É!
- É? Quantos aninhos?
- Cinco. – Fala e mostra os dedinhos de uma das mãos.
Iluminado pelo nascer do sol que já doura o céu entro em casa com meus pensamentos no sentido da vida.



Ofereço aos aniversariantes.
Edvania Oliveira, Maria Jany, Cultura UFMG II, Rony Samiec, Sandra Câmara, Célia Galastri, Mª Luisa B. Guadamuz, Marsan Silva.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 16 e 24 de setembro de 2012.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

FATOS E COSTUMES


Ofereço ao grande amigo e igualmente bom poeta Thiago Domingues.

Obax anafisa.





Não são ainda oito da manhã e algumas lojas já começaram sua faina. E até em Ipatinga pastelaria está se tornando clichê, coisa de chinês. Das cinco existentes no Centro, três são deles. Também uma costureira de camisa laranja põe linha na agulha e costura algum fato ouvindo Maria Bethânia cantar Nem Sol Nem Lua. E a agente da moda, Solange Mª Amorim, passa num longo costume azul de flores brancas e rosas. Talvez pensando em como contribuir na estética local. Talvez sem notar Ana* em uma encardida camisa branca brincar com sua massinha de modelar. Formar um aviãozinho, depois um submarino.
Esqueço-me de todos pensando que o brasileiro, não importa sua origem nem seu grau de instrução, está sempre pré-disposto a criar e a se deliciar com tudo que transmite a sensação de belo, as artes, por exemplo. É o que se percebe na alma de Álvares de Azevedo que se inspirou na dor de quem se desilude com o amor assim como no ambiente onde viveu, e é o que se sente na alma do leitor que se encanta com a organização das palavras. Azevedo parece propor – penso que sem ele saber o que fazia – uma forma do leitor se catarsear, expurgar o desengano que o destrói por dentro. Só assim, livre, estará pronto para amar de novo. É da natureza do brasileiro amar. Amar a natureza, outra pessoa, a pátria. Amar e encantar. Ser amado e se encantar. “Acordei da ilusão, a sós morrendo \ Sinto na mocidade as agonias \ Por tua causa desespero e morro... \ Leviana sem dó, por que mentias? \ ... \ É doce então das folhas no silêncio \ Penetrar o mistério da floresta \ Ou reclinado à sombra da mangueira \ Um momento dormir, sonhar um pouco!”¹.
Ana em sua imunda saia preta brinca com sua massinha de modelar marrom. Faz uma flor e coelhinho ou talvez um ursinho. E depois faz outra flor. Meus olhos se desviam para o ipê rosa e branco. Deu vontade de sentar para apreciar. Não podendo, parei por alguns segundos e me lambuzei em sua beleza. Se é para me lambrecar que seja nos ipês. Voltei mais tarde com a máquina de Eddi e me delicio com cinco pessoas que, vendo-me fotografar, pararam para observar o ipê. Outras três olhando para a árvore ainda conversaram comigo. Agradável.
Ana descalça brinca sem parar com sua massinha de modelar marrom com preto. Agora faz uma menina. Em nenhum momento percebeu o olhar fixo e de nojo das pessoas para o dejeto fedorento que tem nas mãos. Vi ali o que tinha de ver e sigo meu costume de me direcionar para fatos melhores. Lembro dos versos do meu Thiago-poeta “Sábias palavras de pés descalços \ saúdam-me timidamente. \ O esquecimento se foi em pedaços não há mais vida indiferente”² e penso sobre o meu Thiago-amigo: o que o mantém humano é escrever sobre seu primeiro objetivo na vida, que é valorizar o rei das emoções: o amor, para aprender com erros e evoluir.
Mas no fim, interesso-me apenas: O fato do ipê é suas folhas verdes em seu tronco escuro. Seu costume são suas flores.



Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Imagem: Foto de Rubem Leite de um ipê rosa com branco na rua Diamantina, Centro Ipatinga MG.

Escrito entre 13 e 19 de setembro de 2012.

¹ AZEVEDO, Álvares de – Álvares de Azevedo: Poesia / Maria José da Trindade Negrão – 6ª edição – Rio de Janeiro: Agir, 1984. Trechos dos poemas “Por que mentias?” e “Anima Mea”.
² DOMINGUES, Thiago – Soneto Encontrado o blogue foi visitado na tarde de 18 de setembro de 2012: http://palavrasegavetas.blogspot.com.br

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

MENINOS


Obax anafisa.



A tutora Cals não sabe ler. Não consegue interpretar texto. Não tendo a mínima preparação ou condição para servir de tuto...
- Voltei ao primeiro lugar!
Um menino fala me retirando de minhas cismas. Não o entendo até que ele sorri, ainda em posição de quem corre. Sorrio de volta e acelero meus passos aceitando sua oferta.
- Já estou te alcançando.
O garoto olha para trás e se apressa. Eu rio dizendo
- Uai! Correr não vale.
Ainda acelerado o moleque dá um leve tapinha em alguém sentado e pára agachado.
- Passei você... – E o vejo entrar em sua casa, decepcionado. – Ah! Então você ganhou, chegou à sua casa antes de eu ultrapassá-lo. – Seu sorriso se abre e a porta se fecha.

“Eu chamei o dia de dentro da noite \ E colori o céu todo com flores”¹. Apesar dos versos, é noite! A lua está bonita, os ipês que Nena de Castro e Marília Siqueira têm falado, ora recomendando poemas, ora nos apresentando os seus, estão lindos, mesmo no escuro.
- Ó Escritor!
Eu vinha de uma reunião religiosa quando fui chamado por Guebel². O chileno sorri contente por me ver. O cara está todo elegante quando se aproxima, apertamos nossas mãos.
- Bom ver você, Escritor. Gostei muito do que falou sobre mim. Ficou muito bom.
- Obrigado! Fico deveras contente que vos tenha agradado. – Brinco com a língua. – Que tu fazes por tais bandas?
- Caçando mulher! Marquei um programa com uma garota, mas ela ainda não chegou.
Diz e se afasta sorrindo para o boteco na esquina enquanto sigo meu caminho já não vendo os ipês, mas admirando a mangueira sob a lua. “Linguagem silenciosa, \ intermitente e inviolável”³.



Ofereço aos aniversariantes.
Creusa Melo, Cláudio Miranda, Wenderson Godoi, Xyku Petrônio, Wolmer Ezequiel, Erikis Maciel e Kellerson de Paula.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 06 e 17 de setembro de 2012.

¹ Nena de Castro compartilhando no facebook poema de João Dinato.
³ LACERDA, Marília Siqueira – Tempo dos Ipês – facebook.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

VOZES NA SOMBRA


Obax anafisa.


Lado a lado e abraçados. Um mais alto, barbado e silenciado, o outro mais velho, barbeado e silenciante. Ambos bonitos. Roupas que não me dizem se são ricos, pobres, elegantes, cafonas. Caminham pelas ruas de Ipatinga, mas não sei o que estavam fazendo às cinco da manhã naquele cantinho do Centro da cidade, porém ouvi:
- Desse jeito vou ter que te matar. Não quero fazer isso. Eu gosto de você, caralho. Mas vou mandar te matar.
- Por que Jesus deixou ele entrar e sair assim, se Ele é que é dono de meu espírito?
- Como vou saber? O que sei é que gosto de você. Não, porra! Eu te amo. Mas se fizer outra vez vou ter que mandar te matar.
Abraçados, os dois irmãos passam, suas sombras se fundem à madrugada e suas vozes escoam no silêncio.
Minutos depois o sol brilha.



Ofereço aos aniversariantes.
Wantuil J. Sousa, Jamilboali Mattar, Jeferson Santos, William Garcia e Alessandro Assunção.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 01 e 10 de setembro de 2012.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

DOIS MUNDOS


Obax anafisa.


Benito A
E
Benito B
Tum tum tum.
- Ai! Deixa eu entrar. Deixa entrar.
Tum tum tum.

Benito A
E
Benito B
Tum tum tum.
O portão não abre. A garagem escura. Ninguém aparece.
Tum tum tum.

Benito A
Tum tum tum.
- Tô com medo. – Chora e implora para entrar. – Deixa eu entrar. – Ninguém aparece.
Tum tum tum.

Benito B
Tum tum tum.
- Tô com medo. – Chora, suspira, olha para dentro e sai pela a rua.
Silêncio.

Benito A
Tum tum tum.
- Deixa eu entrar.
Chora e implora para entrar. Finalmente alguém aparece. Abertura triunfante do portão e entrada lacrimejante.
A vida familiar nunca mais foi a mesma.

Benito B
Silêncio.
Deita sob uma árvore quando o sol subia.
A família o encontra. Briga com ele, o abraça. Voltam para casa.
A vida familiar nunca mais foi a mesma.



Ofereço aos aniversariantes.
Carla Paoliello, Cleverton Nunes, Chrika de Oliveira, Lourenço Godoi, Maxwell Pego, Monica Novaes e Emilia Domingues.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 27 de agosto e 03 de setembro de 2012.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ALVARINA(S)


Obax anafisa.



Tal qual donzela de Álvares de Azevedo estava encolhida sobre a grama, debaixo de uma dama da noite, protegida por um lençol branco, sujo, florido, sob o manto negro que escorre pelo sumo da laranja que desponta.
Assim é a nossa protagonista. Mas ela não é uma, é muitas. Muita gente será descrita através de nossa donzela azevediana; algumas mais claramente. Mas não acredito que ela seja donzela e por não saber seu nome vamos chamá-la de Alvarina.
- Bebê! Que Deus abençoe seu dia. – Acordada pela Piaf, a cadelinha de rua que estou cuidando em parceria com Aparecida, minha vizinha, e com Marcony (já falei dele no cronto Travestido, aqui no blogue. Se não leu, aproveite a dica. Se leu, recomendo que volte lá para pegar mais informações sobre o trabalho maravilhoso do cara). Alvarina me diz e acrescenta: depois vonassua casa tomá café.
De uma das pessoas representadas aqui por Alvarina já falei no cronto Anjinho da Clarineta, também publicado no aRTISTA e aRTEIRO (abril 2012). É ela que tem um escravo. Chocou-se, ficou curioso? Pois é! Vá lá dar uma lidinha.
- Viu como a rua está, Benito? Viu como ficou?
- Realmente, Aparecida! Quinta você varreu tudo, de uma esquina à outra, e já está imunda de novo.
- Foram as Alvarina!
Rindo para não chorarmos:
- As nossas vizinhas. As moradoras “da” rua.
- As inquilinas.
Mas a vida, assim como o dia, não pára. E pela manhã fui ao GASP¹ para o Dia V. De lá terei que ir ao bairro Nova Esperança trabalhar. Fui! Foi uma manhã boa. Ninguém comigo, mas até que não é de todo ruim. As crianças queriam que queriam que eu lhes desse preservativo. Não entreguei. Outras crianças, as menores, muito me ajudaram a organizar os “quites”. E expliquei dst’s para algumas meninas que riam de qualquer coisa e enquanto respondia a pergunta de uma, outra perguntava. Nesse momento, vi mais tarde, os garotos maiores afanaram uma caixa, distribuíram uns para os outros e fizeram balões. Ais meus sais. Uarrarrá!
Para mim, um Pastor pregou “Camisinha é do diabo”; pregou “Viado é o diabo”; pregou “O ‘homossexualismo’ é doença”; pregou “As ‘doença venera’ – venera? – são castigos de Deus”. Só lhe dei meu olhar de tédio e refleti: Esse Pastor prega Jesus na Cruz com seus ódios e orgulho; ele “venera” por onde passa.
De volta ao lar.
- Nossa! Que monte de gente suja é essa na rua?
Perguntou-me a motorista que me levou e trouxe.
- São as Alvarina!
- É Morte e vida Alvarina².
- Suas vidas são Memórias do Cárcere em corpos de Vidas Secas².
- É triste! Muito triste.
Entro para casa e almoço.



Ofereço aos aniversariantes
Mª Amélia Oliveira, Hildete Teixeira, Luana Rodrigues, Michel Ferrabbiamo, Luís F. Rezende e à Escola de Música Tom.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 22 e 27 de agosto de 2012.

¹ GASP ó Grupo de Apoio aos SoroPositivos – 31-3822-4565.
Dia V ó Dia do Voluntário.
² Autores das obras: João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina) e Graciliano Ramos (Memórias do Cárcere e Vidas Secas).

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

VARÕES E VIRAGOS


Obax anafisa.



Manhã indecisa. Não sabe se se ensolara ou se nubleia. Saio do hipermercado comendo uma salada de frutas e quase no seu finzinho, já com os pés na Praça dos Três Poderes, bem de frente ao coreto “Oi! Me dê um pouquinho”. É um rapaz de calção, sem camisa e um troço branco envolta dos lábios. Olho para o que tenho e não dá nem para duas colherinhas. Olho melhor para ele e vejo uma calça vermelha com lista amarela, uma camisa preta e um colete rubro na grama aos seus pés. Um palhaço, um artista.
- Vou lá comprar um para você.
- Oba! Ele vai comprar pranóis.
Algo marrom-terra se mexe. Deve ser um ser humano, talvez um homem, não tenho certeza. Compro duas saladas, dois quibes e entrego para o rapaz que se torna todo sorriso. “Ôôba! Ele trouxe mesmo. Varão! Que Deus lhe abençoe. – Pega a sacolinha. – E tem salgadinho também. Varão, que Deus lhe dê em dobro. Qual é seu nome? Eu sou Guebel Stevanovich. – Pega na minha mão. – E tem pra nós dois. Varão, que o Salmo 73 lhe ilumine. ‘Deus é bom para os puros de coração’.” No chão, ainda deitado e enrolado por sua coberta, um bigode preto numa cara comprida. Agradeço as bênçãos e me afasto tendo em meus pensamentos o termo “varão” e a supervalorização de um gesto simples.
Varão é um modo de designar o homem do gênero masculino. Porém, em meu entendimento é esquisito, mesmo sendo bíblico e tudo mais. E no contexto tinha um quê de elogio por gesto que nada tinha de especial. Interessante mesmo é pensar em Jeová Aguiar, que sozinho e com recursos próprios, escassos, busca a memória de Ipatinga e região, mostrando em suas duas mil peças que apesar da história municipal se confundir com a da Usiminas existe muito mais. Antes já haviam os tropeiros, carvoeiros, ferroviários, índios.
Hoje existem usuários de drogas. Caminho com meus cachorrinhos e um motociclista pára no cruzamento da Uberaba com Sabará e fala “Benito?!”. Levanto a destra em cumprimento, reconheci a voz. Ele se aproxima, abre o capacete e no seu olhar tristeza e dor. Quer parar, mas não consegue. Em seus lábios sorriso por me ver. Em seus ombros meu abraço. Um rapaz bonito que virou, exageros à parte, um homem carcomido.
Hoje existem usuários de craque e políticos. E existem varões e viragos – homens dos dois gêneros – que são piões da Fábrica e há os que resgatam a memória, trabalham arte, educação, cultura, religião. Dos últimos me refiro àqueles que realmente trabalham para Deus. Existem eu, você e outros. E também têm cachorrinhos. Criaturas sempre pré dispostas à curtir a vida; que sabem ser feliz.



Ofereço aos aniversariantes
João V. Maciel, Carlos Glauss, Marilda Lyra, Simone Penna, Guilherme Costa, Rubem Junior, Simone A. Souza.
E ofereço aos jogadores, administradores, funcionários e, principalmente, torcedores do Clube Atlético Mineiro. Viva o GAAALOOOOO! VIIIVAAAAA!
Aliás, no Atlético tem poucos torcedores; o que existe é Atleticano.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 10 e 20 de agosto de 2012.