terça-feira, 9 de setembro de 2008

aRTISTA e aRTEIRO

Rubem Leite – 05 a 09 de setembro de 2008

arterubemleite@gmail.com


“De repente – não, não de repente, nada é de repente nela, tudo parece uma continuação do silêncio”.

“E meus dedos não são frágeis. Eu tenho uma força, eu sei. E minha força está na suavidade de meus dedos frágeis e delicados”.

“Há um grande silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras. E do silêncio tem vindo o que é mais precioso que tudo: o próprio silêncio”.
(Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo – Editora Rocco)


Benito. Ingênuo Benito. Que quer ser artista. Que pensar ser poeta.
Com sua mochilinha de lado, roupas largas, cabelos grandes, barba.
Olhando. Vendo. Escutando. Ouvindo. Pensando. Sentindo. Sentindo. Sente indo.
Lendo, Escrevendo. Escrevendo. Lendo. Escrevendo. Escrevendo. Lendo.

- Você gosta de poesia?
- Gosto!
- Para que serve a poesia?
- ...
- Vai encher sua barriga? Pagar suas contas?
- Ah, não!
- Daí se percebe o quanto ela é inútil.
- Ah, não!
- Como não?
- ...

Na conversa entre o intelectolóide e o vigia da faculdade chega o nosso Benito.

- Concordo que a poesia é inútil.
- Você concorda Benito?
- Sim, Uálassi. Concordo. E digo mais. Nenhuma arte é útil. Todas as manifestações artísticas são inúteis.
- Também as acho fúteis.
- Dá lincença que vou voltar pro trabalho.
- Uai! Pensava que você gostasse de poesia.
- Particularmente, não conheço nada mais útil que uma privada. Mas fútil nenhuma arte é... Por que que toda vez que entra um Governo Ditatorial a primeira coisa que faz é eliminar ou limitar as manifestações culturais?
- ...
- Porque arte e cultura formam e informam.
- Ah! Sabia que de você, um zero a esquerda...
- Zero de esquerda, faça o favor.
- ... de um zero não poderia sair coisa que presta. Sai da minha frente que vou embora.
- Bem Benito, eu gosto de poesia.
Somente sorrisos sem nenhuma palavra.




Com sua mochilinha de lado, roupas largas, cabelos grandes, barba.
Lendo, Escrevendo. Escrevendo. Lendo. Escrevendo. Escrevendo. Lendo.

- Bom dia, mãe! Bênça!
- Bom dia? Bom dia? Que Mane bom dia!
- ...
- Onde você vai, menino?
- Encontrar uns amigos.
- Fazer o quê?
- Ler uns livros. Estudar.
- Ler! Ler! Ler! Vai trabalhar, vagabundo!
- Estou trabalhando mãe. Estou escrevendo um livro. Montando uma peça...
Ela entra pra dentro deixando Benito falando só e volta:
- Procura aqui! Vamos! Procura aqui. – Joga um montão de jornais velhos no chão. – Vamos ver se acha emprego para poeta? Mostre onde tem trabalho. Ta ouvindo? Trabalho que dê dinheiro. Que encha a barriga. Que pague as contas para artista.



Olhando. Vendo. Escutando. Ouvindo. Pensando. Sentindo. Sentindo. Sente indo.
Benito. Ingênuo Benito. Que quer ser artista. Que pensar ser poeta.


- Benito? Bom dia!
- Bom dia, Géraldi! A ligação ta ruim.
- É o seguinte. A Kaísha Coconômica está precisando de artista para um trabalho teatral. Aí eu indiquei você.
- Legal, cara. Obrigado!
- Marquei um encontro para você hoje às 16h. Dá procê ir?
- É claro que dá.
- Então até.
- Inté!

Depois de um trabalhão montando seu currículo em páuer pôinti...

- Boa tarde!
- Boa tarde!
- Você é Zé Malandrim? O Géraldi me mandou procurá-lo.
- Sim sou eu.
- Eu trouxe meu currículo – entrega o cd – trouxe uma proposta de trabalho, mas preciso saber exatamente o que a Caixa precisa.
- A Escola Recreação Recreativa quer que a gente conte a história do dinheiro. Daí pensamos em convidar um artista para brincar com eles.
- Interessante.
- Queremos que você vá de segunda a sexta, de manhã, de tarde e de noite.
- Você quer uma estória ou uma apresentação teatral? Porque se for uma estória é só a mim que terá que pagar. Agora se for uma apresentação teatral, penso em mais duas pessoas.
- É? Tenho que pagar? Quanto?
- Só eu? Tenho que pesquisar para criar a estória e mais quinze apresentações... R$3.500,00 no total. Agora, se quer uma apresentação com três pessoas... Deixe ver... Pesquisa, criação e apresentações: R$10.000,00.
- ...
- Ta estranhando os valores? Você pode até encontrar gente que cobre menos, mas alguém com minha qualidade...
- É que pensamos em R$50,00 por todo o serviço...
- ??????? Bem, o meu preço é esse.
- Ah ta! Bem, vamos examinar e depois te daremos resposta.
- Então, até mais.




- Cara! É verdade o que escreveu sobre o mosquito Geraldo? É sobre o Geraldo que a gente conhece?
- Sim!
- Ele passou por tudo aquilo?
- Mais ou menos... Uma parte é ficção...
- As Moscas Zunem é ótimo!
- Ela se vingou dele mesmo?
- Não, aí foi viagem minha. Mas ele realmente é assim mesmo.
- E aí! E o teatro?
- Estou com um trabalho ótimo. Bom cachê... e o melhor. Estou falando daquilo que acredito.

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