terça-feira, 2 de setembro de 2008

CONTO FANTÁSTICO

Rubem Leite

Estou lendo desde sábado Contos Fantásticos, de Ryûnosuke Akutagawa (editora Z) e O Mensageiro da Concha, de Chitra B. Divakaruni (editora Objetivos), que estou amando mais que o primeiro e ambos são ótimos.
Talvez as aventuras dos dois livros me fizeram aventurar.
Eu, com barba feia me vejo em Istambul sem nenhum dinheiro, sem falar a língua local e com mendigas roupas ocidentais de um país tropical.
Com medo do que poderia me acontecer.
Com fome.
Querendo falar com alguém que me ouvisse e entendesse.
Querendo saber como cheguei em Istambul.
Como estava daquele jeito.
Como voltar para casa.
Andando pelas ruas tentando conversar com as pessoas nos bares (estava com fome, não apetite). Brasil, dizia, apontando para meu peito com as duas mãos. Entende minhas palavras? Em geral só olhavam para mim. Uns com cara feia. Outros, rindo. E a maioria sem expressão ou com cara de “não to entendendo nada”.
Olhava esperançoso para as comidas.
E seus olhares continuavam.
Eu com medo de pedir.
E não me olhavam mais.
Eu era ninguém.
Perambulando de rua em rua parei em bares, restaurantes e rodoviária.
Brasil, apontava para mim. Entende minhas palavras?
Uma mulher olhou para mim e apontou com a cabeça as duas funcionárias da rodoviária.
Elas me entendiam.
Deram-me uma passagem.
Puseram-me num ônibus.
Estou em Ipatinga (MG).
Vejo Nena correndo pelas ruas do Imbaúbas, descendo seus morros e se escondendo em suas casas. Os enfermeiros com camisas de força vão atrás dela. Eu também.
Ouço no vento que está louca. O vento me diz coisas.
Em seu prontuário o Atestado de Loucura começa com uns versos, seus versos. Depois vem o laudo médico. Quatro parágrafos. Em belas, empoladas, enroladas palavras dizendo sempre que ela está louca.
Eu a encontro.
Seu olhar é pânico.
Meus olhos pedem silêncio.
Penso como ela está conseguindo corre com seus pés doentes.
Escondo-me com ela numa vasta moita num jardim doméstico.
Como entramos no jardim?
Vamos descer e ir até minha casa.
Atentos.
Lentos.
Depois, eu sei, não sei como eu sei, a próxima será Cida.
E depois?
Marília? Magali? Aroldo? Romero?

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