Vai ao Parque Ipanema com Jessé e Noam.
Atrás deles a calçada de bloquete cinza está
salpicada de flores róseas. À direita, o som do trânsito e, acima, pássaros.
Pessoas em grupos pouco ou nada falam. Ainda são sete
horas de uma manhã de sexta-feira a iniciar o fim do primeiro trimestre. As pessoas
estão silenciosas em boca e cérebro. As pessoas estão entorpecidas pela hora e
pelo tempo.
Eles, ali sentados em um banco de cimento com uma
descascada tartaruga pintada, olham ao redor para ver as pessoas, ouvem os
pássaros para escutar as pessoas e mantêm-se em silêncio enquanto dialogam com os
próprios cérebros.
Jessé abre mão de sua quietude para compartilhar
ideias sobre os conflitos de classes do Brasil Moderno¹.
- Comumente as classes sociais são vistas como
condições econômicas; sendo que, em verdade, é o poder de dominação de uns
sobre outros que separam os seres humanos em classes. O poder econômico e a
corrupção são apenas disfarces desse fato.
Noam² aquiesce com a cabeça e acrescenta:
- Esses ‘uns dominando os demais’ partem do conceito dogmático
de “tudo para nós e nada para os outros”.
Já são oito da manhã e agora as pessoas matraqueiam. Enquanto
os três conservam o silêncio para pensar. Após alguns minutos Jessé conclui seu
raciocínio:
- Percepção de classes sociais só é possível ao mudar
a visão de poder econômico por dominação; e só assim será possível lutar contra
as desigualdades sociais. Não é o dinheiro e sim o poder de dominação que nos
separa em classes.
- Não digo, e creio que Jessé também não, que algum dia todos terão as mesmas coisas,
como se fosse uniformizado. – Ele contribui. – Creio que bem estar social será
para todos; mesmo que os recursos financeiros sejam distintos, de acordo com o
esforço pessoal, as habilidades e aptidões de cada um. Todos nascem iguais, mas
as escolhas são diferentes, resultando coisas distintas³; mas sem o egoísmo,
pai da miséria.
- É... But, from the looks of it*, esse “algum dia”
vai demorar bastante. – Diz Noam e antes de continuar dá outra pausa para os pensamentos
fluírem. – Quando a classe operária se une através da solidariedade e do auxílio
mútuo a classe dominante a derruba através da violência. Mas a classe operária
se levanta outra vez mais. Os dominantes, por sua vez, apelam para incutir
tanto na mente coletiva quanto na opinião pública o seu dogma através das
escolas, ainda mais através das mídias e, muito mais, através das igrejas. E outra
vez a classe operária se reergue...
O chão continua enfeitando-se através de chuvas de
flores. Enquanto correm pelo parque as pessoas muito falam e ouvem. Enquanto correm
por Ipatinga as pessoas pouco escutam e dizem.
Em quase duas horas os três pouco falam, escutam
muito e pensam. Ah! O tanto que pensam.
Ofereço como presente à aniversariante Elmina Ferreira.
Ofereço também à Ronnaldo Andrade e Cassia Tavora.
Recomendo a leitura de:
“Uma Criança Morre”, de Caio Riter:
“Curriculum Vitae”, de António MR Martins:
¹ SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: da escravidão à Lava
Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017. P. 84.
² CHOMSKY, Noam. Nada Para os Outros: lutas de classes nos
Estados Unidos da américa. Quem Manda no
Mundo?. Renato Marques [trad.]. São Paulo: Planeta, 2017.
³ AMIGOS DA LUZ. Desigualdade
Social (Humor e Espiritismo). Disponível https://www.youtube.com/watch?v=wIZtMxg2pYI
. Acesso 03 Mar 2019.
* “Mas, pelo que parece” é a tradução literal, mas tem
sentido equivalente ao brasileiro ‘pelo andar da carruagem...’.
Dizer = proferir, pronunciar, afirmar, asseverar,
significar.
Falar = comentar.
Escutar = prestar atenção (ao que ouve).
Ouvir = ter o sentido da audição,
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo
domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura,
Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em
“Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”,
“Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor
dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”,
“Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua
Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do
Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões,
Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Chão de flores: foto de Vinícius Siman.
Foto de um texto de Girvany de Morais.
Escrito entre os dias 01 e 03 de março de 2019.
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