domingo, 3 de março de 2019

E AGEM



Vai ao Parque Ipanema com Jessé e Noam.
Atrás deles a calçada de bloquete cinza está salpicada de flores róseas. À direita, o som do trânsito e, acima, pássaros.
Pessoas em grupos pouco ou nada falam. Ainda são sete horas de uma manhã de sexta-feira a iniciar o fim do primeiro trimestre. As pessoas estão silenciosas em boca e cérebro. As pessoas estão entorpecidas pela hora e pelo tempo.
Eles, ali sentados em um banco de cimento com uma descascada tartaruga pintada, olham ao redor para ver as pessoas, ouvem os pássaros para escutar as pessoas e mantêm-se em silêncio enquanto dialogam com os próprios cérebros.
Jessé abre mão de sua quietude para compartilhar ideias sobre os conflitos de classes do Brasil Moderno¹.
- Comumente as classes sociais são vistas como condições econômicas; sendo que, em verdade, é o poder de dominação de uns sobre outros que separam os seres humanos em classes. O poder econômico e a corrupção são apenas disfarces desse fato.
Noam² aquiesce com a cabeça e acrescenta:
- Esses ‘uns dominando os demais’ partem do conceito dogmático de “tudo para nós e nada para os outros”.
Já são oito da manhã e agora as pessoas matraqueiam. Enquanto os três conservam o silêncio para pensar. Após alguns minutos Jessé conclui seu raciocínio:
- Percepção de classes sociais só é possível ao mudar a visão de poder econômico por dominação; e só assim será possível lutar contra as desigualdades sociais. Não é o dinheiro e sim o poder de dominação que nos separa em classes.
- Não digo, e creio que Jessé também não,      que algum dia todos terão as mesmas coisas, como se fosse uniformizado. – Ele contribui. – Creio que bem estar social será para todos; mesmo que os recursos financeiros sejam distintos, de acordo com o esforço pessoal, as habilidades e aptidões de cada um. Todos nascem iguais, mas as escolhas são diferentes, resultando coisas distintas³; mas sem o egoísmo, pai da miséria.
- É... But, from the looks of it*, esse “algum dia” vai demorar bastante. – Diz Noam e antes de continuar dá outra pausa para os pensamentos fluírem. – Quando a classe operária se une através da solidariedade e do auxílio mútuo a classe dominante a derruba através da violência. Mas a classe operária se levanta outra vez mais. Os dominantes, por sua vez, apelam para incutir tanto na mente coletiva quanto na opinião pública o seu dogma através das escolas, ainda mais através das mídias e, muito mais, através das igrejas. E outra vez a classe operária se reergue...
O chão continua enfeitando-se através de chuvas de flores. Enquanto correm pelo parque as pessoas muito falam e ouvem. Enquanto correm por Ipatinga as pessoas pouco escutam e dizem.
Em quase duas horas os três pouco falam, escutam muito e pensam. Ah! O tanto que pensam.


Ofereço como presente à aniversariante Elmina Ferreira.
Ofereço também à Ronnaldo Andrade e Cassia Tavora.

Recomendo a leitura de:
“Uma Criança Morre”, de Caio Riter:
“Curriculum Vitae”, de António MR Martins:

¹ SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017. P. 84.
² CHOMSKY, Noam. Nada Para os Outros: lutas de classes nos Estados Unidos da américa. Quem Manda no Mundo?. Renato Marques [trad.]. São Paulo: Planeta, 2017.
³ AMIGOS DA LUZ. Desigualdade Social (Humor e Espiritismo). Disponível https://www.youtube.com/watch?v=wIZtMxg2pYI . Acesso 03 Mar 2019.
* “Mas, pelo que parece” é a tradução literal, mas tem sentido equivalente ao brasileiro ‘pelo andar da carruagem...’.

Dizer = proferir, pronunciar, afirmar, asseverar, significar.
Falar = comentar.
Escutar = prestar atenção (ao que ouve).
Ouvir = ter o sentido da audição,

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Chão de flores: foto de Vinícius Siman.
Foto de um texto de Girvany de Morais.

Escrito entre os dias 01 e 03 de março de 2019.

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