domingo, 31 de março de 2019

UNIVERSALISMO PROLETÁRIO





Segurança para quem? (...) Segurança para o poder do Estado. (...) Uma das preocupações fundamentais de um governo é garantir a segurança do Estado contra a própria população. (...) O sigilo do governo raramente é motivado por uma genuína necessidade de segurança, mas serve para manter a população desinformada, às escuras.
(CHOMSKY, 2017, p. 198).

O retorno de quem a gente gosta é nuvens escuras. São bonitas. Não sem motivo as chuvas lhe encantam. 

Depois de admirá-las volta à cozinha e despeja água no pó. Alimenta-se pensando nos amigos e parentes que lhe fazem falta. São muitos, mas não tantos assim... Duas horas depois vai ao Parque Ipanema discutir o país.
- Boulos vai processar a juíza que disse que ele seria recebido “a bala”.
- É Artista, só assim pra ele ganhar um troco... – Porque trabalhar que é bom...
- Boulos é professor, senhor Pédi.
Pédi é o apelido do “Pobre de Extrema Direita”.
- Professor comunista e desempregado vagabundo é quase a mesma coisa. – Pédi olha ao redor e continua: Então é aqui que os vermes malditos se organizam pra destruir o país? Né por acaso que têm que cercar o parque; filtrar quem aqui entra. Qualquer um entra... O Pré-fake de Ipatinga e Mark Zuckerberg precisam ser mais seletivos... É assim que nascem ditaduras, com pequenos focos... Estado Islâmico que o diga!
- Senhor Pédi, explica-me, por gentileza, a base racional para comentar ou mesmo crer, que haja sinonímia entre ‘professor com desempregado’ e ‘comunista com vagabundo’? Ou entre ‘professor com comunista’ e ‘desempregado com vagabundo’?
- Escritor, obrigado por tamanha formalidade ao direcionar suas palavras a mim; não sou digno de tanto respeito. Ao senhor respondo que a semelhança entre ‘professor’, ‘comunista’, ‘desempregado’ e ‘vagabundo’ é que estes sobrevivem com desonestidades e mentiras; e consequentemente dão prejuízo ao erário público. No final das contas, lá no último cálculo, quem banca esse tipo de gente é o povo que trabalha duro.
- É, Escritor, juro que também estava tentando entender qual a semelhança entre ‘professor comunista’ e ‘desempregado vagabundo’. – Diz Professor e ironiza: É que ambos sobrevivem com desonestidade e mentiras, e consequentemente dão prejuízo ao erário público. Pédi, o senhor nunca teve professor, só pode. Também não deve ter nenhum professor na família, pois caso contrário saberia que professor trabalha muito duro. Ou então o senhor sofre de alguma deficiência mental. Não dê desgosto a sua família.
- Senhor Pédi, a minha formalidade se embasa em diálogo respeitoso, pois creio que um certo distanciamento permite observar melhor os fatos e diminuir o risco de ofensas ou de falta de argumentos.
- Além do mais. – Intervém o Professor. – Ainda não entendi porque ser de esquerda faz dos professores vagabundos. E ser de esquerda não é necessariamente ser comunista ou pertencer a qualquer partido político. Eu mesmo sou de esquerda sem ter-me filiado a qualquer organização política. Também sou um excelente profissional trabalhador. Até porque o objetivo de qualquer professor, e parto de mim e dos meus colegas para assim afirmar, é formar cidadãos com capacidades de observação, interpretação, expressão e atuação enquanto cidadão e trabalhador.
- É verdade que nem todo professor é comunista e nem todo desempregado é vagabundo. Fui bem específico ao classificar os sujeitos.

Na roda, baixo das árvores do Parque Ipanema, Pédi observa os olhares zombeteiros e volta a falar:
- Escritor e Professor, deixa-me desenhar. O professor comunista ensina ideologias ao invés de preparar os alunos para o futuro e para viver em um mundo capitalista, globalizado e em constante mudança; distorce a verdade; nega os fatos; manipula de acordo com sua preferência política, etc. Como resultado, temos uma geração fraca, sensível, mimada, abalada, anoréxica, gay e aidética. Gente que não presta nem para perturbar a ordem pública, pois não são anarquistas de raiz. E uma geração mesquinha dessa não movimenta a economia o suficiente para que a nação cresça e se autossustente¹. Aí o Estado tem que arcar com os prejuízos, criando programas sociais de combate às drogas e à criminalidade; a violência e a pobreza aumentam. Esse desperdício de dinheiro fragiliza a nação; é assim que uns países dominam outros nos dias atuais. Para cuidar dessa gentinha inútil o país é obrigado a aumentar os impostos para não cair em desgraça ou falir. O Brasil poderia sair de uma vez por todas de sua condição de “país emergente” e se tornar uma grande e rica nação. Mas aqui tem um monte de jumento e antas; é tanto burro junto que dá vontade de colocá-los num paredão e disparar uma rajada de beijos e abraços... Vagabundo Desempregado possui características semelhantes ás do Professor Comunista.
- Pédi, olha com atenção o caminho que o presidente que vocês elegeram tá traçando até agora. – Entra na conversa o até então calado Pope; apelido de “Pobre Pensante”. – E faça uma análise carinhosa aí, meu amigo. Não é possível que você seja assim tão ingênuo, para não dizer ignorante, que não vê a família Boçalnato só falando e fazendo burrice; uma atrás da outra.
- Pope, estamos apenas no terceiro mês de governo. Não consigo fazer nenhuma análise ainda. Só os jornalistas videntes e a galera do Elenão julgam saber o resultado em tão pouco tempo.
- Já se perdeu a conta de quantas decisões imbecis o Imprevidente, digo, o Presidente tomou até agora, Pédi. E você ainda nada viu? – Pope responde. – Veja só algumas das mais recentes: Comemorar o Golpe de 1964. Entende isso? Querer comemorar a ditadura brasileira enquanto diz querer combater a ditadura venezuelana... Todavia, em um ponto você tem razão em achar absurdo que Boçalnato faça algo em menos de um trimestre já que nada fez em vinte e oito anos. Exceto, claro, dar de machão corajoso para voltar atrás quando é chamado para a luta. Assim fez antes de eleito ao fugir dos debates e agora fez ao fugir de umas poucas dezenas de estudantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Além de ser subserviente de EUA; entregando o país a eles. Mas você tem toda a razão, Pédi. Tem toda a razão em nada esperar desse governo.
Ao nosso redor crianças brincam. E uma fala para a outra:
- Mamãe não gosta de unicórnios.
- Por quê? São tão fofinhos.
- É que não são de Deus. E têm muito arco-íris...
- Uai! Quê que tem os arco-íris?
A resposta se perde por voltarmos ao assunto.
- Pope, não viu a explicação que o Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deu na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional? Não houve golpe em 1964, mas sim uma ação civil e militar para que não houvesse ditadura no Brasil*. Estamos em uma democracia e elegemos nossos representantes no Governo. Eu votei no opressor para oprimir. Eu sou só um cidadão comum e espectador apenas. Quero assistir e dar risadas. Só isso. Rarrarri.
- Outra vez continuo sem compreender. – Escritor interpela. – “Votou no opressor para oprimir?”. É muito estranho para mim uma pessoa optar pelo mal; a opressão, por exemplo. Escrevo porque não me posso calar; não me posso omitir². Escrevo para proporcionar maior liberdade ao outro, maior competência profissional e maior participação cidadã.
- Pédi! Como? Também sou pobre igual a você, mas diferentemente penso. Me entristeço² por você amar a violência e ignorância em detrimento do conhecimento e da fraternidade. Lamento mesmo. Pense, irmão. Pense!
- Nós, da extrema direita, não estamos abertos ao diálogo, não estamos dispostos a manter uma relação pacífica com os opositores, não economizamos ofensas; e se houver manifestação na rua, a gente pega no sentido contrário e bate de frente. Vocês mataram a minha geração, e eu não sei nem se existe uma forma de pagarem essa dívida. Lula, seu líder, está preso. E o Brasil está diante de uma oportunidade de ouro. Nossos representantes devem e irão agir de forma democrática e equilibrada, por questões éticas e políticas. Mas o exército das ruas tá com sangue no olho e agonizando de ódio pelo sofrimento que causaram ao nosso país. E essa oportunidade, talvez a única, de dar um pouco de dignidade para o nosso povo sofrido será defendida com unhas e dentes.
- Pédi, não sei o que dizer. Se o senhor não quer diálogo... por que veio para esta roda de conversa? Só pelo prazer de agredir? Ou de discutir? Que tolo. Poxa, o senhor deveria pegar os contos de Machado de Assis, que lhe cairia bem.
Professor ‘pedagogia’ e Pope acrescenta:
- Tenha dó, Pédi! Até parece. Se houver manifestação na rua vocês correm é pro outro lado, isso sim. Exceto, claro, se tiverem em muito maior número ou armados. O único acertado em sua bravata é bater boca; principalmente pela internete. Como o seu tão amado Mitocôndrio cancroso. Que xinga e calunia, mas não parte pra luta. Bater? Nem debater ele tem coragem.
- A pessoa apoia quem xinga os professores, tira médico dos pobres, libera armas para os ricos, diminui o salário mínimo, quer eliminar todos os direitos trabalhistas, além de ansiar por ignorância e pela violência. E nós, os artistas, os professores e os pobres pensantes, é quem somos a destruição não só de uma geração, mas de todo o país e, quiçá, do mundo?
- Foda-se essa oposição fraca de vocês. Dá nada não. Porque a opressão vai rolar solta. Já está rolando. Viva, Ustra! Viva, a democrática ditadura!
Ao redor as crianças continuam a brincar. E não sei o que pensar dos adultos.


Ofereço como presente à aniversariante Juliana Wailer e aos meus mais recentes contatos no fb: Odilón R. Boza e Mila Eduarda.

Recomendo a leitura de:
“Eu + Taquara = Patrono da Feira do Livro”, de Caio Riter:
“Passagem de Peões, Vulgo Passadeiras”, de António MR Martins:

CHOMSKY, Noam. O valor do Sigilo. Segurança para quem? Como Washington protege a si mesmo e ao setor corporativo. Quem Manda no Mundo?. [Trad. Renato Marques]. São Paulo: Planeta, 2017.

¹ Primeira diquinha de Português:
“Auto” e o hífen:
Do segundo elemento, auto se separa por hífen quando aquele começar com “o” ou “h”: auto-observação, auto-oxidante, auto-hipnose, auto-hemoterapia.
Se o segundo elemento iniciar-se com a consoante “s” ou com a consoante “r”, é necessário dobrá-las, mas sem hífen: autorretrato, autosserviço, autossustentável.
Nos demais casos, quando o segundo elemento se inicia por outras consoantes ou vogais, não há hífen e nem, claro, dobra de letras: autoajuda, autobiografia, autocontrole.
Fonte da informação:
SÓ PORTUGUÊS. “Auto” e o hífen. Disponível https://www.soportugues.com.br/secoes/FAQresposta.php?id=105 . Acesso 28 Mar 2019.

² Segunda diquinha de Português
Pronome oblíquo em afirmações negativas.
Existem três modos de posicionar o pronome em uma oração:
Ênclise (O pronome vem depois do verbo; e ela só deveria acontecer quando nem a próclise nem a mesóclise seriam possíveis: Silenciem-se todos); mesóclise (o pronome vem no meio do verbo: Semana que vem realizar-se-á a festa); e, da qual falaremos hoje, a próclise (o pronome vem antes do verbo porque há palavras que o atrai).
O pronome é atraído por palavras de sentido negativo: não, nunca, ninguém, jamais, etc. Reafirmando: na próclise o pronome vem antes do verbo.
Exemplos: Não se esqueça de mim. Ninguém me ama. Jamais nos verá novamente. Nunca te esquecerei.
A próclise ainda ocorre quando há advérbio (Agora se negam a depor); conjunções subordinativas (Sou que me negariam); pronomes relativos (Identificaram duas pessoas que se encontravam desaparecidas.); pronomes indefinidos (Poucos te deram oportunidade); pronomes demonstrativos (Disso me acusaram).
A próclise ocorre ainda em orações iniciadas por palavras interrogativas (Quem te fez a encomenda?). E por orações que exprimem desejo (Que Deus o ajude).
Fonte da informação:
EQUIPE. Colocação Pronominal. Disponível https://www.portugues.com.br/gramatica/colocacao-pronominal-.html Acesso 31 Mar 2019.

* BLOG DA CIDADANIA. Bolsonaro pode perder o cargo se festejar ditadura. Disponível https://www.youtube.com/watch?v=erL5wYE1ULM&feature=share. Ver nos minutos 2:25 a 2:56.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Nascer do sol em minha varandícula – duas fotos do autor;
Céu de árvores – uma foto do autor
Rubem de chapéu – foto de Vinícius Siman.

Escrito e trabalhado entre 19 de janeiro e 31 de março de 2019.

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