domingo, 8 de setembro de 2019

O QUE AS COISAS TÊM ENTRE SI?



“O pomo já está maduro, colhe-o já, senão apodrece”.
(Princesa Regente Leopoldina)

Em um sol distante a duas da tarde aproximam-se do Feirarte escutando uma voz desafinada; não se sabe se masculina ou feminina a esganiçar algo dito sertanejo.
Escolhem uma mesa. Da Cervejaria Artesanal Off Road, Benito compra uma red e desfruta do amargo e força da bebida. Girvany de Morais prefere uma pilsen. Mas pela voz tão agonizante quanto o que esganiça pedem pra sair. Pagam a conta e se levantam.
Antes, porém, quem desencanta passa o microfone para uma que se diz poetiza... E concordo. Poetiza soa como produtora de poema menor; como se o gênero definisse a qualidade. Poeta não tem gênero e, pela falta de qualidade, poeta ela não é.
Mas como dizia, antes de irem pararam para ouvir a poetiza e esta disse: A aranha anda na areia / A aranha arranha a rata / A rata arranca o arame / O arame amarra a aranha.
Girvany assume a voz de Émile Faguet¹:
- O leitor dos poetas é quase sempre um versificador, ou já foi. Sente-se com isso pertencente a uma classe um pouco superior ao resto da humanidade por ser conhecedor, ou assim crer, conhecer o código literário-poético.
Nem terminara a fala quando chegou o jovem poeta Gabriel Miguel com um cigarro nos lábios e nos brinda com “Ela voltou para o ex e eu para o cigarro. Mas, acreditem, quem voltou para as drogas não fui eu.” E enquanto sugere, bebe do mesmo copo que Benito.
- Vamos para outro lugar para podermos conversar melhor. 

Compram mais cervejas; os dois pedem o mesmo que já estavam tomando e Gabriel pega uma ipa. Vão para a casa deste que vos fala. Antes, porém, sentam gramado entre o Novo Cruzeiro e o Centro. Alojados debaixo de uma árvore de pequena e florida copa, Gabriel diz:
- Boçalnato falou que o Exército matou ninguém naquelas mais de duas centenas de balas em uma família. Ele disse a verdade. O fato é que a sociedade vê o preto como ninguém. Esses dias um adolescente negro e morador de rua foi despido, amarrado e chicoteado por roubar um chocolate.  – Falar o quê diante de fatos? Então todos se calam para pensar. Instantes depois, Gabriel continua: O que vocês acharam do Desfile de ontem?
- Bem, eu não vi o de Ipatinga, pois trabalho em Timóteo. O de lá foi bonito. – Diz Benito e Girvany conclui: O daqui também foi bonito.
- O machismo nacional diz que a Independência foi no dia sete de setembro, sendo que na verdade foi cinco dias antes... Pela, então, Princesa Leopoldina. Mulher com maior formação cultural e intelectual que o marido.
Benito se apropria da fala de Gabriel:
- Em 1820 Dom João VI retornou a Portugal e deixou do Pedro como Príncipe-Regente do Brasil. Nos dois anos seguintes ocorreram muitos grupos separatistas e a Princesa era favorável à independência brasileira.
- Talvez por aspirar-se Imperatriz. Talvez por amor ao Brasil. – Diz Girvany deixando ideias no ar. – Vá saber.
- Dom Pedro viaja até São Paulo objetivando apaziguar os paulistas. Nisso, chega de Portugal uma carta exigindo o retorno de Dom Pedro em uma óbvia manobra para fazer do Brasil outra vez colônia. – Continua Benito. – Enquanto Regente Interina, Dona Leopoldina preside o Conselho de Estado e assina o Decreto da Independência no dia dois de setembro de 1822. Junto com José Bonifácio envia uma carta a Dom Pedro e este repete as palavras da esposa acrescentando “Independência ou Morte”.
- Tanta coisa acontecendo... Poeta ou poetiza, Sete de Setembro, Boçalnato... – Diz Girvany deixando nas entrelinhas seus conhecimentos e pensametos.
- E o que isso tudo tem a ver conosco? – Pergunta-nos o ipê e ele responde: Negro e mulher contam tanto quanto a natureza.


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Suzana Brito, Ricardo Alves e Tiago Bastos.
BEZERRA, Juliana. Imperatriz Leopoldina. Disponível https://www.todamateria.com.br/imperatriz-leopoldina/ . Acesso 08 Set 2019.
FAGUET, Émile. A Arte de Ler. Adriano Lisboa [trad.]. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Pequeno ipê florido – foto do autor;
Foto do autor – Girvany de Morais.

Manuscrito no fim da tarde e início da noite de 14 de abril. Digitado no dia seguinte e trabalhado no dia 14 de julho e depois no dia 08 de setembro. Tudo em 2019.

Um comentário:

MM disse...

Acho que conheço Benito e amigos,gostei da historia.❤