“O pomo já
está maduro, colhe-o já, senão apodrece”.
(Princesa Regente
Leopoldina)
Em um sol distante a duas da tarde aproximam-se do
Feirarte escutando uma voz desafinada; não se sabe se masculina ou feminina a
esganiçar algo dito sertanejo.
Escolhem uma mesa. Da Cervejaria Artesanal Off Road,
Benito compra uma red e desfruta do amargo e força da bebida. Girvany de Morais
prefere uma pilsen. Mas pela voz tão agonizante quanto o que esganiça pedem pra
sair. Pagam a conta e se levantam.
Antes, porém, quem desencanta passa o microfone para
uma que se diz poetiza... E concordo. Poetiza soa como produtora de poema
menor; como se o gênero definisse a qualidade. Poeta não tem gênero e, pela falta
de qualidade, poeta ela não é.
Mas como dizia, antes de irem pararam para ouvir a
poetiza e esta disse: A aranha anda na areia / A aranha arranha a rata / A rata
arranca o arame / O arame amarra a aranha.
Girvany assume a voz de Émile Faguet¹:
- O leitor dos poetas é quase sempre um versificador,
ou já foi. Sente-se com isso pertencente a uma classe um pouco superior ao
resto da humanidade por ser conhecedor, ou assim crer, conhecer o código
literário-poético.
Nem terminara a fala quando chegou o jovem poeta
Gabriel Miguel com um cigarro nos lábios e nos brinda com “Ela voltou para o ex
e eu para o cigarro. Mas, acreditem, quem voltou para as drogas não fui eu.” E
enquanto sugere, bebe do mesmo copo que Benito.
- Vamos para outro lugar para podermos conversar
melhor.
Compram mais cervejas; os dois pedem o mesmo que já
estavam tomando e Gabriel pega uma ipa. Vão para a casa deste que vos fala. Antes,
porém, sentam gramado entre o Novo Cruzeiro e o Centro. Alojados debaixo de uma
árvore de pequena e florida copa, Gabriel diz:
- Boçalnato falou que o Exército matou ninguém
naquelas mais de duas centenas de balas em uma família. Ele disse a verdade. O
fato é que a sociedade vê o preto como ninguém. Esses dias um adolescente negro
e morador de rua foi despido, amarrado e chicoteado por roubar um chocolate. – Falar o quê diante de fatos? Então todos se
calam para pensar. Instantes depois, Gabriel continua: O que vocês acharam do
Desfile de ontem?
- Bem, eu não vi o de Ipatinga, pois trabalho em
Timóteo. O de lá foi bonito. – Diz Benito e Girvany conclui: O daqui também foi
bonito.
- O machismo nacional diz que a Independência foi no
dia sete de setembro, sendo que na verdade foi cinco dias antes... Pela, então,
Princesa Leopoldina. Mulher com maior formação cultural e intelectual que o
marido.
Benito se apropria da fala de Gabriel:
- Em 1820 Dom João VI retornou a Portugal e deixou do
Pedro como Príncipe-Regente do Brasil. Nos dois anos seguintes ocorreram muitos
grupos separatistas e a Princesa era favorável à independência brasileira.
- Talvez por aspirar-se Imperatriz. Talvez por amor
ao Brasil. – Diz Girvany deixando ideias no ar. – Vá saber.
- Dom Pedro viaja até São Paulo objetivando apaziguar
os paulistas. Nisso, chega de Portugal uma carta exigindo o retorno de Dom
Pedro em uma óbvia manobra para fazer do Brasil outra vez colônia. – Continua
Benito. – Enquanto Regente Interina, Dona Leopoldina preside o Conselho de
Estado e assina o Decreto da Independência no dia dois de setembro de 1822.
Junto com José Bonifácio envia uma carta a Dom Pedro e este repete as palavras
da esposa acrescentando “Independência ou Morte”.
- Tanta coisa acontecendo... Poeta ou poetiza, Sete
de Setembro, Boçalnato... – Diz Girvany deixando nas entrelinhas seus
conhecimentos e pensametos.
- E o que isso tudo tem a ver conosco? – Pergunta-nos
o ipê e ele responde: Negro e mulher contam tanto quanto a natureza.
Ofereço como presente aos aniversariantes:
Suzana
Brito, Ricardo Alves e Tiago Bastos.
BEZERRA, Juliana. Imperatriz
Leopoldina. Disponível https://www.todamateria.com.br/imperatriz-leopoldina/
. Acesso 08 Set 2019.
FAGUET, Émile. A Arte
de Ler. Adriano Lisboa [trad.]. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2009.
Rubem Leite
é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário:
aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em
“Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”,
“Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o
Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo –
Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”,
“Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de
Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em
Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Pequeno ipê florido – foto do autor;
Foto do autor – Girvany de Morais.
Manuscrito no fim da tarde e início da noite de 14 de
abril. Digitado no dia seguinte e trabalhado no dia 14 de julho e depois no dia
08 de setembro. Tudo em 2019.
Um comentário:
Acho que conheço Benito e amigos,gostei da historia.❤
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