domingo, 23 de fevereiro de 2020

MOTIVOS



Família são umas pessoas que se amam sem procurar motivo.”¹.
Familia son personas que se aman sin buscar una razón.”.
(Traducción libre del autor).

O que acreditei não creio mais e o que duvidava continuo descrendo.
Ah! pretérito perfeito que me deixou cético e pretérito imperfeito que me plantou amargura.
Foram os erros dos outros que mexeram comigo, mudando as coisas de lugar e matando outras. Como o fruto do meio. Ah, verbos.
Ou foram os erros meus que sedimentaram, desabando coisas e repudiando outras. Não como o fruto do meio. Ah, advérbios.
Dentre as dúvidas uma certeza. Pouco fiz, pouco valho. Medo nunca me faltou, mas nunca me paralisou por ser de matéria fina as minhas ideias.
- Falou bonito, Benito. Até parece político em período eleitoral. Vai tomar no cú, filho da puta.
- Meu amigo Seinômi, tomar no cu, sem acento porque monossílabo tônico terminado em “u” não é acentuado, e filho da puta não são xingamentos; ao contrário, são formas de dominações. No primeiro há tentativa de rebaixar os homoafetivos e no segundo de impedir às mulheres de terem vida sexual plena e de qualidade, não apenas conforme a vontade de seu dono, digo, marido.
- Tá dizendo que marido num presta?
- Não, Seinômi. Digo que até hoje a sociedade vê o casamento assim. E combato, ou tento, os preconceit…
- Credo. Tudo agora é ofensa. Aff.

- Sim, muita coisa que antes era normal hoje é ofensa. Na década de vinte do século XX era normal chamar alguém de alguém de macaco, criolo, urubu. Mesmo os eufemismos de Didi Mocó…
- Renato Aragão?
- Sim. Mesmo os eufemismos “grande pássaro” para Mussum ou “rapaz alegre” para Dedé não são poéticos ou engraçados para quem os sofre. Ainda no século XX foi reconhecido como ofensa e até crime contra o negro. Desde o século passado há gente lutando contra as ofensas à população LGBTQI+. Junte-se a nós.
- Nó. Do jeito que fala parece que só bicha faz sexo anal?
- Sua linguagem é muito de direita. Parece com “E o Lula?” ou “Petêêê”. Quando se manda alguém tomar no cu não está pensando em mulher, mas sim em homoafetivos. E mesmo se tivesse a elaboração de pensar “mulher também pode fazer sexo anal” teria por trás disso a ideia de quem é coitado não é coitador.
- Não entendi.
- Se pensar compreenderá.
- Ah, Benito. Me poupe de seus mimimis. Tem outras lutas de igualdade que devem vir pra pauta.
- Não te poupo não. Nem vou tirar da pauta a luta LGBTQI+. Se para você isso é uma questão menor vá para os braços do Jair. Porque vou gritar sempre.
- Benito, os maus caráter ainda não se ligaram que o politicamente correto veio pra ficar. – Diz o professor Rômulo Gomes. – Eles podem discutir conosco ou reclamar em redes sociais. Mas vão ter que se enquadrar ou terão muitos problemas. Geralmente que reclama do politicamente correto é um misógino, racista, homofóbico. Então ou ele retornam para as “sombras da insignificância” deles ou terão que engolir a seco. O que o senhor me diz?
- Digo tantas coisas e será num poema:
Na BR o trânsito passa lento
Se atropelado, só escoriamento
Continuar aqui
Devagar passa a vida
Dores de Khalo Frida.
No Brasil
Tenho uma eterna presidente
Já o que aí se encontra
É besta, quadrúpede
Mas não é anta, uma doce anta.
Não passa de tosco bilontra.
Em Brasília
Há Marreco de Maringá
E há um cérebro-saco de *ostas
Este abre a boca pra *agá
E o “juiz” pra justiça dá as costas.
Mais uma terça
O tempo
– Vida ou dinheiro –
Em nós exerça
O ideal de um templo.
Estou passando pelos dias
Como páginas de um livro ao vento
Vendo as humanas perfídias
Mas não vendo meu alento.



Ofereço como presente aos aniversariantes:
Kadosh Miranda, Christina D.P, Sathler, Josiane Hungria, Tiago Gonçalves, Gineraldo Adão e Cida Pinho.

Recomendo a leitura de:
“Sangue de Tinta”, de Cornelia Funke; pela Companhia das Letras: www.seguinte.com.br ou contato@seguinte.com.br
“Escravidão”, vol. 1, de Laurentino Gomes; pela Globo Livros: www.globolivros.com.br
“O macaco que se fez homem”, de Monteiro Lobato; pela Globo: www.globolivros.com.br
“Tudo que você precisou desaprender para virar um idiota”, de Meteoro Brasil; pela Planeta do Brasil: www.planetadelivros.com.br ou faleconosco@editoraplaneta.com.br

¹ Põe na Roda: https://poenaroda.com.br/diversidade/em-hq-com-casal-gay-chico-bento-ensina-o-conceito-de-familia-leia-na-integra/?fbclid=IwAR1Ac-_IKvNDeWmgY29Puta-ZY2jbMxsZK0Q3SNHCBATeEKPO1VyYqX1GFA

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Chico Bento: ver acima: Põe na Roda;
Humildade: colhida do fb;
Pé na estrada: foto do autor.

Manuscrito em 22 de junho de 2019. Trabalhado entre os dias 21 e 26 de janeiro e 18 a 23 de fevereiro de 2020.

2 comentários:

Josiane Hungria disse...

Estupendo em cada palavra!! Um beijo!

Menezes disse...

Mestre dos diálogos! Genial!