domingo, 28 de junho de 2020

PACIÊNCIA E RESISTÊNCIA



No Parque Ipanema o cata-vento está parado baixo nuvens cinza. O clima hoje está pesado no tempo escuro.
Caminho entre pessoas. Há quem anda; há quem se exercita; há quem dança. Caminho olhando o cata-vento. Há vento e ele não se move.
O urucum está frutificado. A árvore está de pé. E “a uma pessoa que está de pé falamos mais de perto, mais diretamente, mais intensamente se estamos de pé nós também.”. A árvore está de pé; mais em pé que tantos. 

De pé falo ao urucum que me responde em suas cores: um pouco de rosa esbranquiçado; um muito de verde; e um muito mais de vermelho quase vinho.
 

Olho atrás e o cata-vento... Parado. Mexo-me entre tantas árvores a bailar com o vento. Paro para conversar com o cajueiro que me pede para comunicar: “A você que me feriu: por amor não me agrida! Você com sua faca arrancou minha casca, que é a minha pele. Preciso dela para não morrer. Te dou oxigênio, flores e frutos. Embelezo sua paisagem. Por amor, não me agrida!”.
Fecho os olhos e oro. Em guarani, Calamantã sussurra com sua doce voz de vento nas folhas das árvores: “E ha'arõ kua’ante che mba’e porã.”.
- Por favor, Calamantã, diga-me em português o que falou para o cajueiro.
- Eu disse: “Paciência, minha linda. Paciência.”. Paciência você também, Benito.
Poder ouvir a voz de Calamantã é uma benção.
Olho o cata-vento imóvel e mexo-me entre tantas árvores de pé e ao deitado monumento EU ♥ IPATINGA.
O bem estar popular está no Pq. Ipanema.
Na cidade há o preço da passagem de ônibus, o preço do feijão, do tomate, do gás.
Mas isso foi no ano passado. Neste ano...
O Parque Ipanema está vedado para o povo. O que continua aberto são as grandes lojas, os salões de beleza, as academias de ginástica e as mais rendosas de todas as empresas: as igrejas.
Sento, abro o livro “Riscando Fósforos: contando para manter viva”, de Robinson A. Pimenta e na página quinze me deparo: “... inalienável Direito de Resistência a qualquer forma de opressão. [...] ‘Vivemos tempos em que não temos tempo para cuidar de nós!’.” Fecho os olhos não sei se por segundos ou minutos. Mas ainda percebo Calamantã.
Infelizmente meu celular me chama. Olho o que ele diz em suas muitas falsas notícias, mas a verdade é que vejo os fatos:
Por subnotificação, dia 26 de junho havia no Brasil, pelo covid-19, um milhão e duzentos e setenta e quatro mil e novecentos e setenta quatro (1.274.974) casos confirmados de infectados; e cinquenta e cinco mil e novecentos e sessenta e um (55.961) mortos. Contudo, para tristeza do Boçalnato, a vacina testada no Brasil é a mais avançada contra o covid-19, diz a OMS. Porém, não é criação nossa. Junto com África do Sul somos apenas as cobaias.
Em Ipatinga (MG) no boletim epidemiológico do dia 25 de junho o número de casos confirmados era mil e quinhentos e sessenta e sete (1.567). No dia 27 de junho consta: três mil e oitocentos e oitenta e sete (3.887) casos suspeito mais mil e setecentos e quarenta e nove (1.749) casos confirmados. Em dois dias houve um aumento de cento e oitenta e duas novas infecções. Dessas, trinta casos são crianças de zero a nove anos. A maioria dos casos – quinhentos e vinte e quatro – são de pessoas entre trinta e um a quarenta anos. E pessoas com mais de sessenta anos o número de casos é de duzentos e duas. Pouco mais de mil casos foram tratados, considerados curados e voltaram para suas casas. Já o número de mortos sequer está subnotificado...
- Benito, não diga que as igrejas são empresas. – Tentando desviar-me dos fatos Naná Pedregulho, o prefeito, me fala. – Isso é blasfêmia.
- A Bíblia diz: Um pai pode vender suas filhas. O amor entre dois homens não pode; agora, se duas mulheres se amam isso não é relevante, pois na Bíblia mulher não tem importância. Pode-se assassinar, guerrear e escravizar os demais povos. O racismo está certo e é legalizado. O que não pode é pensar, refletir, protestar.
- Benito, isso é só no Antigo Testamento. – Dizem em uníssono os vereadores Adelson, Ademir, Adiel, Avelino, Cassinha, Fábio, Chiquinho, Gustavo, Rominalda, Márcia, Toninho e os ainda mais calhordas: Ley do Trânsito e Nilsin Transnil. – O Novo Testamento é só sabedoria, amor e vida. Não é capitalismo.
- Jesus se recusou a curar uma mulher por não ser do povo e raça dele. Jesus disse que os que pensam, questionam e protestam não irão ao céu, mas quem aceita tudo passivamente receberá a sua salvação.
Os dois calhordas mor contestam-me: “Mas ele se arrependeu e curou a mulher”.
- Sim, isso é certo. Parabéns, Jesus. Louvo-te por isso. Contudo, será que ele nunca encontrara outros estrangeiros nem pessoas de outras religiões antes dessa mulher? Quantas e quantas gentes ele deixou no sofrimento...
- O passado não importa. Só vale o presente.
- É do pretérito com o presente que nascerá o futuro. Nenhum mal feito jamais será desfeito. E se um dos pais é bom, mas o outro é mau como será o fruto? 

O amor está no Pq. Ipanema, diz o monumento deitado. A vida está nas árvores; mas não é o que dizem os medidores de poluição de ar por toda cidade. Não é o que mostra o comportamento do povo. Não é como agem os políticos, os soldados e os religiosos.
Mas eu escrevo e ensino. E você? Pego o livro "Epifanias", de Gabriel Miguel e caminho lendo:
... o que de fato vemos no externo,
o céu, as estrelas, o vento frio, as galáxias e os mistérios do cosmos...
é o reflexo do que o homem carrega em sem interno.


Ofereço como presente aos aniversariantes da semana:
Daniel Cristiano, Edgar Soares e a Língua Portuguesa (27/6/1214 – documento mais antigo em português).

Recomendo a leitura de:
“Ressuscita-me”, de Javier Villanueva:

CHOMSKY, Noam. Quem Manda no Mundo?. [Trad. Renato Marques]. São Paulo: Planeta, 2017.
FAGUET, Émile. A Arte de Ler. [Trad. Adriana Lisboa]. Rio de Janeiro, 2009. P. 49.
SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso: da escravidão à Lava jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

Fontes dos dados do covid-19:
Brasil => Carta Capital:
Vacina no Brasil => Carta Capital:
Ipatinga => Prefeitura M. Ipatinga:

Juli Cabral traduziu para o guarani a fala de Calamantã.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens: fotos do autor.

Manuscrito na manhã de 09 de maio e trabalhado em setembro de 2019 e depois entre os dias 18 e 28 de junho de 2020.

2 comentários:

Glaussim disse...

"Até quando esperar ? / a Plebe ajoelhar / esperando a ajuda de Deus?"

Musicalizando disse...

Muito bons este é todos os outros "crontos"! Fã de carteirinha! Parabéns!!!��������������������