domingo, 8 de novembro de 2020

MARCO DO SANEAMENTO

 A eleição "amelricana"

É a sensação contemporânea.


- Cidadão tem a ver com cidade -


Nossas eleições municipais

Não têm espaço nos jornais.



O final do ano de 2035 tem o céu particularmente cinza. Não tanto pelas nuvens do período de calor, mas principalmente pela poluição da Usiminas,  da Cenibra e da Arcilor Mittal.

O Leste mineiro não é a exceção à regra nacional, mas é excelente marcador da política instaurada em 2016, agravada entre 2019 e 2022 e continuada - sempre com o avanço das regressões - desde então.


Três noites sem dormir.

Quinta-feira o marido foi manifestar em frente a prefeitura Municipal de Ipatinga.

Poucos voltaram para casa. E o marido dela é um dos desaparecidos.

Nos telejornais e "feiqueneus":

"Baderneiros terroristas...".


Duas noites insones. No sábado Carolina Maria de Jesus levantou cedo como sempre. Foi ao balde aliviar-se e, sem poder lavar-se, fez o café ralo e acordou os filhos.

- Tem pão, mãe?

Perguntou a caçula.

- Não! Quatro pães custa dois mil dólares.

Em 2025 a moeda nacional passou a chamar-se dolar brasileiro. E na resposta à filha a umidade dos olhos enganou sem disfarçar a amargura dos olhos.

- Tomem o café pra gente estudar.

Até a adolescência de Carolina a educação podia ser pública. Ao contrário da mãe, os filhos não têm acesso à escola. Isso é só pra quem pode pagar e menos da metade da população atinge o patamar mínimo para luxos como educação, médicos, remédios, água limpa e saneamento.

E um dos fatores essenciais para chegar a esse nível está no nível de melanina.


Ah! Quantes acreditaram no discurso:

"Só saúde e educação não podem ser privatizados. Mas podem ser subsidiados. Prestam o serviço e recebem do governo, que as garantirá ao povo.".

Disseram Boçalnato, Zemagogo e outros governadores, deputados; e repetiram muites otáries.


Zemagogo conseguiu privatizar a CEMIG - agora Customig - na noite de 31 de dezembro de 2020.

O Cruzeiro indo pra série C era algo muito presente na cabeça de Atleticanes, cruzeirenses, nos demais torcedores mineires e fãs do futebol no Brasil inteiro.

No Brasil as eleições municipais de 2020 foram eclipsadas pela eleição para presidente nos Estados Unidos. O queridinho do Boçalnato, os Republicanos (extrema direita), ou os Democratas (uma esquerda de direita).

Ganhou o Democrata, mas como o argentino Daniel Paz mostrou em uma de suas charges, a diferença entre esses dois partidos é:

Los dos te bombardean igual, pero los demócratas después se sienten un poco mal.

Em Ipatinga a esquerda dispunha de Robinson Ayres (PSOL), Diego Arthur (PCdoB) e João Magno (PT) como candidatos a prefeito. E para Vereadores, Maura Gerbi, Lene Teixeira, Gabriel Miguel e Daniel Cristiano.

E no município deste cronto, quem foi eleito? Algum da esquerda ou algum da direita?

Se foi a esquerda teve que enfrentar o Poder Econômico internacional.

Se foi a direita entregou a cidade a esse mesmo Poder Econômico. Mas, verdade seja dita, não entregou de graça. Ganhou bastante pra isso. Ganhou muito dos centavos destinados ao "South American trash".

A COPASA fora privatizada em novembro de 2021. Agora seu nome é Copossepaga. Para isso, Zemagogo se aproveitou da preocupação do povo em ver o Atlético ir da primeira posição para a terceira na reta final do Campeonato Brasileiro.

Naquela época e hoje, o povo com os olhos no pão das festas e no circo do esporte não viu nem vê as coisas acontecerem.


Carolina é exceção. Todes preocupados em conseguir comida e água não se preocupam com a falta de escolas e assim que fazem cinco anos põem os filhes para trabalhar de sete as dezessete; não mais jovens nem por mais tempo porque é só o que permite a legislação brasileira.

Ela só os deixa na parte da tarde.

"Vocês têm que saber ler, escrever e calcular para saírem daqui. Literatura e História permitem pensar e ver. Conhecimento possibilita agir e não apenas reagir.".

Esse é o resumo do longo discurso que repete sempre. Um detalhe é o amargo que sente quando fala 'literatura' porque a literatura brasileira deixou de ser impressa e publicada antes de seu casamento. Só se permite o que se produz nos Estados Unidos. E História, assim como tudo o mais que ensina, é o que aprendeu na escola e tem nos cadernos que, felizmente, guardou.

A propósito, Carolina se casou não por vontade, mas para proteger-se dos estupros culposos, como reza a Nova Constituição Brasileira. Onde o homem é a vítima e a mulher é a criminosa.

Mas ela teve sorte. O marido não era violento e, para gosto dela, era ativista. E no momento principal deste cronto o medo e o orgulho pelo marido estão presente.

Por regra do casal ambes se alternam para segurança dos filhos. Quando é a vez dele ir a protesto ela fica.


- Mãe!

Disse o mais velho.

- O novo patrão me falou hoje que se a partir da semana que vem eu não for de manhã também não precisarei ir a tarde...

Quando na noite de sexta-feira Carolina foi dormir ela não se deitara só. Sem o marido na cama teve - como péssimos amantes - o desaparecimento do marido mais essa declaração.


E agora? Carolina sabe que o cansaço do primogênito será tanto que o garoto não aguentará estudar.

E há o poderoso discurso recorrente: estudar é só para gente.

Algo que o imaginário popular fixou foi "pobre não é gente; é bicho. E para comer que ainda se tem dente.".

Ela sente que o filho já se entregara a essa corrente.

E o filho do meio, doente?

E como conseguir um pouco mais de água para o luxo de três banhos por semana?


Comida, água limpa e remédio no barraco de zinco é o que precisam.


Agora é com você, que está a ler.

Estando na posição de Carolina Maria de Jesus, seu filho estudaria ou trabalharia? E por quê?



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Rubem Leite

Manuscrito na manhã de 06/11/20 e trabalhado até o meio da manhã de 08/11/20.

Imagem:

https://sindservsbc.org.br/noticias/voz-do-trabalhador/quando-tudo-for-privado-seremos-privados-de-tudo/

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Ofereço o cronto como presente aos aniversariantes:

Martha Gonzáles, Diego Arthur, Paola S. Charquero, Onofre J. Lima, Mirta Meza e Arline Salazar.


Recomendo a leitura de:

"Aviso no Muro", de Glaussim:

https://www.recantodasletras.com.br/contos/7105637

Do livro de antologia "Versos Acidos do Vale do Aço", pre venda com Roberta Rocha:

+553189865821

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Agradeço ao boçalnariano que me ofereceu o mote ao questionar-me "por que a esquerda votou contra o Marco do Saneamento?". Algo que eu ignorava completamente o que seria. E que as mídias não nos comunicaram. Falando quase exclusivamente da eleição dos gringos...

Agradeço muito mais a Girvany de Moraes e Carlos Glauss. Estes dois foram essenciais para minha compressão do horror que é a Lei 14.026/2020 que visa privatizar a água e o saneamento no Brasil.

Essa fatídica lei (14.026) foi aprovada pelo atual presidente do Brasil.

A privatização da água aconteceu na Colômbia e em alguns países europeus. Em todos esses lugares funciona a regra "Tem dinheiro tem direito!". E em todos esses países a água não está sendo devidamente tratada e nem o saneamento básico está acontecendo. Exceto para os com muito, mas muito dinheiro.

No Amapá a indústria fornecedora de energia elétrica é parcialmente privada. Quase metade pertence a uma empresa europeia.

O estado ficou quase em sua totalidade sem energia, água e combustível por 72 horas. O governo do Amapá está buscando estatatizá-la para resolver o problema. Veja:

https://monitormercantil.com.br/amapa-estatal-eletrobras-consertara-apagao-de-empresa-privatizada

https://www.sinprodf.org.br/empresa-privada-que-administra-energia-eletrica-deixa-amapa-no-apagao/

https://www.google.com.br/amp/s/epbr.com.br/eletrobras-assume-suprimento-emergencial-de-energia-no-amapa/

3 comentários:

Unknown disse...

Gostei do que li. Parabéns pela iniciativa!

Josiane Hungria disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Josiane Hungria disse...

E vamos contando e contando as mazelas brasileiras...haja estômago! Parabéns pelo trabalho.