domingo, 23 de maio de 2021

O PERAMBULAR PELAS SOMBRAS


Em português

 

Fui a casa de meu neto segurando o livro que ele me presenteou quase vinte anos atrás. Presente comprado com a grana que nos separou. Ainda hoje não aceito nada do narcotráfico. Mas a morte se aproxima e quero ir em paz.

Nervosa, li o que escrevera no livro:

Para minha avozinha:

Daqui até a eternidade te desejo o melhor em tua vida.

Cuida-te muitíssimo e sempre que necessite da mão de um amigo pense em mim.

Nícolas

22 de setembro de 2000.

Apertei o botão da campainha. Barulho na rua e silêncio na casa. Apertei outra vez a campainha. Silêncio na casa. Pressionei e silêncio. Tentei olhar pela janela, mas a cortina impedia. Toquei a maçaneta e a girei. A porta se abriu. – Nícolas! – Olhei lá dentro, mas estava escura. – Nícolas! – Entrei e caminhei pela sala e cheguei à cozinha um pouco menos escura. – Nícolas! – E só havia um cachorro numa cadeira velha e estragada. 

O cachorro na cadeira olha atrás de mim. Não, na verdade não era mais um cão. Não um vivo. Sua pele cobria só ossos. Enquanto seus vítreos olhos viam o sujeito atrás de mim.

Mas eu percebia nada além do cadáver do animal. Não até a hora que a mão gelada e pétrea do morto tocou meu ombro.

O medo me abraçou fria e pétrea como a do morto. Dois? Não, três segundos e vi sangue escorrer em meu braço. Ia gritar, mas já era tarde. Agora meu corpo anda pelas ruas e minha alma perambula nas sombras pela eternidade; com meu neto.

O medo ataca o Brasil com mão fria e pétrea.

Tendo o Capitão da Morte como bastião, cinquenta e sete milhões de mortos-vivos devoraram meio milhão de brasileiros. Talvez poucos mortos-mortos em comparação com o número de mortos-vivos... Mas esse número pequeno é mérito da ciência tão combatida. Porém, em contrapartida, não se tem ainda a estimativa das almas a virem a penar.

 

 

En español

 

EL DEAMBULAR POR LAS SOMBRAS

 

 

Entré en la casa de mi nieto sustentando el libro que él me regaló a casi veinte años. Regalo comprado con la plata que nos separó. Todavía hoy no acepto nada del narcotráfico. Pero la muerte se acerca y quiero ir en paz.

Nerviosa, leí lo que escribiera en el libro:

Para la abuelita:

De acá hasta la eternizas te deseo lo mejor en tu vida.

Cuídate muchísimo y siempre que necesites la mano de un amigo pensé en mí.

Nícolas

Sep. 22’2000

Presioné el botón de la campanilla. Alboroto en la calle y silencio en la casa. Presioné otra vez la campanilla. Silencio en la casa. Presioné y silencio. Intenté mirar por la ventana, pero la cortina me impedía. Toqué la manzana y la giré. La puerta se abrió. – ¡Nícolas! – Miré a dentro, pero estaba oscura. – ¡Nícolas! – Entre y caminé por la sala y llegué a la cocina un poco menos oscura. – ¡Nícolas! – Y solo había un perro en una cadera vieja y rota. 

El perro en la silla mira tras mí. No, en verdad no era más un perro. No uno vivo. Su piel cubría solo huesos. Todavía sus vítreos ojos veían al tipo tras mí.

Pero yo percibía nada más allá del cadáver del animal. No hasta la hora que la mano helada y pétrea del muerto me tocó el umbro.

El miedo me abrazó fría y pétrea como la del muerto. ¿Dos? No, tres segundos y vi sangre escurrir en mi brazo. Iba a gritar, pero ya era tarde. Ahora mi cuerpo anda por las calles y mi alma deambula en las sombras por la eternidad; con mi nieto.

El miedo ataca a Brasil con mano fría y pétrea.

Con el Capitán de la Muerte como bastión, cincuenta y siete millones de muertos-vivos devoran medio millón de brasileños. Quizás unos pocos muertos-muertos en comparación con el número de muertos vivientes… Pero ese pequeño número es mérito de la ciencia tan combatida. Sin embargo, por otro lado, todavía no hay una estimación de las almas que han de sufrir.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Varlei Castro, Elisio ElijArts, Herbert Gabriel, Danielle Grego e Joey Garcia.

 

Recomendo a leitura de:

“O Chamado do Monstro”, de Patrick Ness; editora Ática.

“Promessas Azuis”, haicais de Goretti de Freitas: Pix – chave: (31)993426003

“Assassinato no Centro Cultural do Shopping” e “O Melhor Brinde”, ambos de Glaussim:

https://www.recantodasletras.com.br/contos-de-aventura/7238010

https://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/7259399

 

Diquinha de português:

Crase e a palavra “casa”.

Lembrando: crase não é acento grave. O acento é indicador de crase, mas não crase. Crase ocorre quando há o artigo feminino “a” mais a preposição “a”.

A palavra “casa” pode significar muitas coisas diferentes e por isso ela tem regras próprias para o uso ou não de acento grave.

Sem a presença de crase => casa com sentido de lar, residência: Voltarei a casa quando a reforma estiver pronta.

Uma informação pertinente sobre o exemplo acima: verbos “ir” e “voltar” exigem o artigo (quem vai, vai a algum lugar e quem volta, volta a algum lugar), então a impressão que fica deveria crasear. Então, porque não ocorre crase? Porque casa com sentido de lar é um substantivo que não admite artigo porque se pressupõe que já esteja definida. Assim se diz: Volto para casa ou cheguei em casa (sem artigo).

Com a presença de crase => casa com sentido de prédio, construção: Por favor, dirija se à casa ao lado.

Outra informação pertinente: casa associada a adjunto adnominal a crase é obrigatória, mesmo quando casa for sinônimo de lar, residência. Pois a casa estará especificada de algum modo (adjunto adnominal): A proposta é que voltemos à casa de Tiago. [... casa é a residência, mas o adjunto adnominal “de Tiago” exige a crase]. Não é uma casa qualquer, mas foi especificada como de uma pessoa.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens:

Vitório: meu cachorrinho poucas semanas antes de morrer velhinho; foto tirada pela artesã e fotógrafa Erika Aviles;

Do autor pelo autor.


Manuscrito originariamente en español en la tarde de 29 de julio de 2020. Trabajado entre los días 08 de abril y 23 de mayo de 2021. 

2 comentários:

MM disse...

muito triste😔😢

Sacerdotisa das Estrelas disse...

Lindo texto, parabéns!