segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ALVARINA(S)


Obax anafisa.



Tal qual donzela de Álvares de Azevedo estava encolhida sobre a grama, debaixo de uma dama da noite, protegida por um lençol branco, sujo, florido, sob o manto negro que escorre pelo sumo da laranja que desponta.
Assim é a nossa protagonista. Mas ela não é uma, é muitas. Muita gente será descrita através de nossa donzela azevediana; algumas mais claramente. Mas não acredito que ela seja donzela e por não saber seu nome vamos chamá-la de Alvarina.
- Bebê! Que Deus abençoe seu dia. – Acordada pela Piaf, a cadelinha de rua que estou cuidando em parceria com Aparecida, minha vizinha, e com Marcony (já falei dele no cronto Travestido, aqui no blogue. Se não leu, aproveite a dica. Se leu, recomendo que volte lá para pegar mais informações sobre o trabalho maravilhoso do cara). Alvarina me diz e acrescenta: depois vonassua casa tomá café.
De uma das pessoas representadas aqui por Alvarina já falei no cronto Anjinho da Clarineta, também publicado no aRTISTA e aRTEIRO (abril 2012). É ela que tem um escravo. Chocou-se, ficou curioso? Pois é! Vá lá dar uma lidinha.
- Viu como a rua está, Benito? Viu como ficou?
- Realmente, Aparecida! Quinta você varreu tudo, de uma esquina à outra, e já está imunda de novo.
- Foram as Alvarina!
Rindo para não chorarmos:
- As nossas vizinhas. As moradoras “da” rua.
- As inquilinas.
Mas a vida, assim como o dia, não pára. E pela manhã fui ao GASP¹ para o Dia V. De lá terei que ir ao bairro Nova Esperança trabalhar. Fui! Foi uma manhã boa. Ninguém comigo, mas até que não é de todo ruim. As crianças queriam que queriam que eu lhes desse preservativo. Não entreguei. Outras crianças, as menores, muito me ajudaram a organizar os “quites”. E expliquei dst’s para algumas meninas que riam de qualquer coisa e enquanto respondia a pergunta de uma, outra perguntava. Nesse momento, vi mais tarde, os garotos maiores afanaram uma caixa, distribuíram uns para os outros e fizeram balões. Ais meus sais. Uarrarrá!
Para mim, um Pastor pregou “Camisinha é do diabo”; pregou “Viado é o diabo”; pregou “O ‘homossexualismo’ é doença”; pregou “As ‘doença venera’ – venera? – são castigos de Deus”. Só lhe dei meu olhar de tédio e refleti: Esse Pastor prega Jesus na Cruz com seus ódios e orgulho; ele “venera” por onde passa.
De volta ao lar.
- Nossa! Que monte de gente suja é essa na rua?
Perguntou-me a motorista que me levou e trouxe.
- São as Alvarina!
- É Morte e vida Alvarina².
- Suas vidas são Memórias do Cárcere em corpos de Vidas Secas².
- É triste! Muito triste.
Entro para casa e almoço.



Ofereço aos aniversariantes
Mª Amélia Oliveira, Hildete Teixeira, Luana Rodrigues, Michel Ferrabbiamo, Luís F. Rezende e à Escola de Música Tom.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 22 e 27 de agosto de 2012.

¹ GASP ó Grupo de Apoio aos SoroPositivos – 31-3822-4565.
Dia V ó Dia do Voluntário.
² Autores das obras: João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina) e Graciliano Ramos (Memórias do Cárcere e Vidas Secas).

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

VARÕES E VIRAGOS


Obax anafisa.



Manhã indecisa. Não sabe se se ensolara ou se nubleia. Saio do hipermercado comendo uma salada de frutas e quase no seu finzinho, já com os pés na Praça dos Três Poderes, bem de frente ao coreto “Oi! Me dê um pouquinho”. É um rapaz de calção, sem camisa e um troço branco envolta dos lábios. Olho para o que tenho e não dá nem para duas colherinhas. Olho melhor para ele e vejo uma calça vermelha com lista amarela, uma camisa preta e um colete rubro na grama aos seus pés. Um palhaço, um artista.
- Vou lá comprar um para você.
- Oba! Ele vai comprar pranóis.
Algo marrom-terra se mexe. Deve ser um ser humano, talvez um homem, não tenho certeza. Compro duas saladas, dois quibes e entrego para o rapaz que se torna todo sorriso. “Ôôba! Ele trouxe mesmo. Varão! Que Deus lhe abençoe. – Pega a sacolinha. – E tem salgadinho também. Varão, que Deus lhe dê em dobro. Qual é seu nome? Eu sou Guebel Stevanovich. – Pega na minha mão. – E tem pra nós dois. Varão, que o Salmo 73 lhe ilumine. ‘Deus é bom para os puros de coração’.” No chão, ainda deitado e enrolado por sua coberta, um bigode preto numa cara comprida. Agradeço as bênçãos e me afasto tendo em meus pensamentos o termo “varão” e a supervalorização de um gesto simples.
Varão é um modo de designar o homem do gênero masculino. Porém, em meu entendimento é esquisito, mesmo sendo bíblico e tudo mais. E no contexto tinha um quê de elogio por gesto que nada tinha de especial. Interessante mesmo é pensar em Jeová Aguiar, que sozinho e com recursos próprios, escassos, busca a memória de Ipatinga e região, mostrando em suas duas mil peças que apesar da história municipal se confundir com a da Usiminas existe muito mais. Antes já haviam os tropeiros, carvoeiros, ferroviários, índios.
Hoje existem usuários de drogas. Caminho com meus cachorrinhos e um motociclista pára no cruzamento da Uberaba com Sabará e fala “Benito?!”. Levanto a destra em cumprimento, reconheci a voz. Ele se aproxima, abre o capacete e no seu olhar tristeza e dor. Quer parar, mas não consegue. Em seus lábios sorriso por me ver. Em seus ombros meu abraço. Um rapaz bonito que virou, exageros à parte, um homem carcomido.
Hoje existem usuários de craque e políticos. E existem varões e viragos – homens dos dois gêneros – que são piões da Fábrica e há os que resgatam a memória, trabalham arte, educação, cultura, religião. Dos últimos me refiro àqueles que realmente trabalham para Deus. Existem eu, você e outros. E também têm cachorrinhos. Criaturas sempre pré dispostas à curtir a vida; que sabem ser feliz.



Ofereço aos aniversariantes
João V. Maciel, Carlos Glauss, Marilda Lyra, Simone Penna, Guilherme Costa, Rubem Junior, Simone A. Souza.
E ofereço aos jogadores, administradores, funcionários e, principalmente, torcedores do Clube Atlético Mineiro. Viva o GAAALOOOOO! VIIIVAAAAA!
Aliás, no Atlético tem poucos torcedores; o que existe é Atleticano.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 10 e 20 de agosto de 2012.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

TRAVESTIDO

Em grande parte escrevo ouvindo Bachiana nº 5, de Villa Lobos.


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Guilherme A.L. Macedo, Nelma Medeiros, Dilton B. Silva.¹
Ofereço também a todos os participantes da Festa do Conselho Municipal de Cultura de Ipatinga: Santo de Casa Também Faz Milagre (ver imagem). Em especial ofereço: Vitória Soares, Fernando Malaka, Alisson Enner e Gabriel Peixoto.¹

Obax anafisa.



- Essa vai ser na cabeça.
Olho para a voz e vejo uma lâmpada fosforescente e um pedaço de pau nas mãos do sujeito que passa por mim.
Ignoro o homem enquanto um pensamento horrível me invade “Desde que não seja nos meus cachorrinhos...”. Balanço a cabeça espantando tal ideia. Todo ser merece respeito, até os humanos.
Continuo meu passeio matinal e vejo um cachorrinho branco com manchas marrons. Noto que ele manca e depois percebo que é ela. A cadelinha está indecisa se vem até mim ou se deve fugir. Descubro que indo para casa, mas chamando, ela me segue. Por ver suas costelas, dou apenas leite para não forçar seu estômago desacostumado.
Depois faço minhas preces matinais, saio para comprar pão e trabalho no projeto para Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Finalmente começo a lidar com a parte financeira.
Horas mais tarde, quando desço à rua, uma pessoa cuida da cadelinha. Seu nome, fico sabendo naquele instante, é Marcony. Também descubro que é irmão de Vera Tufik, agente cultural em Ipatinga. Ele cuida com custos próprios de diversos cachorros abandonados, inclusive de Ouro e Grandão. O homem nunca viu amizade assim; nem entre seres humanos nem entre cachorros.
- Ôôô!Ôôô! Ôôô! Ôôô! – Uma suave voz aguda canta num galho de árvore. É uma jovem que brinca com os passarinhos. O vento martela um galho num vidro de janela na parede. Tum tum tuum. Tum tuum tum. E as avezinhas: Uuuu! Uum! Uuuu! A mocinha, o vento e os passarinhos cantam Bachiana. Ah! A natureza se rende à bela arte(ficial). Rita Eneida me disse que a história da música registra que Villa Lobos fez a série como uma homenagem a Bach. “São um conjunto de nove obras. Falando de modo simplificado, o compositor buscou uma síntese entre a música brasileira e a estética de Bach. A nº1 foi escrita para orquestra de violoncelos; as números 2, 7 e 8, para orquestra; a nº3 para piano e orquestra; a nº4 em versão pianística e orquestral; a nº 5, a mais famosa, para sopranos e violoncelos; a nº6 para flauta e fagote; e a nº9 para coro a ‘capella’ ou orquestra de cordas”. Nas palavras de Rita repercutindo em mim ouço Bidu Sayão “Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente. \ Sobre o espaço, sonhadora e bela! \ Surge no infinito a lua docemente, \ Enfeitando a tarde, qual meiga donzela \ Que se apresta e a linda sonhadoramente, \ Em anseios d’alma para ficar bela \ Grita ao céu e a terra toda a natureza!”². Quem? Quem sabe que Bidu cantou na Casa Branca para o Presidente e esposa? E que ele, fascinado por sua voz, lhe ofereceu a cidadania estadunidense? Quem sabe que mesmo tendo sido vaiada em seu país natal, recusou o convite dizendo “No Brasil eu nasci e no Brasil morrerei”. Sonho que não se realizou.
Com tudo isso, sento num banco de praça à espera de ônibus. Sem opção ouço duas mulheres conversando. Uma vai para Santa Catarina e sua mãe quer ir junto, mas recusa que seja de avião e nem aceita que levem uma só mala para as duas passarem três dias. Conversa vai, conversa vem e estou ficando com ódio da véia... Uarrarrá! Indo de ônibus a viagem levará várias horas e o preço vai custar três vezes mais. As duas se levantam e o sol me bate desconfortável. Que pena que se foram.
Cumpri o que tinha que fazer. Anoiteceu. Deitei e dormi. Amanheceu.
Susi Piaf, mancando, vem se encontrar comigo e com Haicai, Decidido e Vitório – meus cachorrinhos –. Já não mais temerosa mordisca as mangas de minha blusa. Logo mais Marcony trará remédio para tratá-la. Ficarei sabendo que ele encontrou um cão atropelado repleto de berne nas feridas, mas que, tratado, já abana o rabinho quando o vê. Quando eu souber, sorrirei. E você, sorri lendo isso?
Mudemos de assunto e encerremos nossa conversa.
Que legal! À porta do banco um mendigo pedia esmolas com a mão direita e na esquerda sua latinha de cerveja matinal. E durante o dia, Dalila, a cabeleireira, foi velada. Tão conhecida e muita gente no cemitério, mas poucos para ela.



IMPORTANTE:
Marcony aceita e precisa de colaboradores.
Quem puder lhe ajudar a adquirir rações ou queira adotar Susi Piaf (ou outro cachorrinho) pode procurá-lo: 31-8509-7471

¹ Aos aniversariantes, além do cronto, ofereço também a seguinte mensagem: “Trabalho sempre pensando que é Deus que está trabalhando”.
FUJIWARA, Toshiyuki – Você Será Salvo Infalivelmente – 1ª edição – São Paulo, SP: Seicho-No-Ie, 2005, pág. 204.

¹ Ofereço também a todos os participantes da Festa do Conselho Municipal de Cultura de Ipatinga: Santo de Casa Também Faz Milagre (autoria da imagem: Freddy Cosme). Na festa, uma jovem me pediu que eu desenhasse algo para ela – fui confundido com algum desenhista ou pintor –. Depois de esclarecido, a garota pediu que eu escrevesse algo naquele momento. Mas como escrever exige muito de mim... Disse-lhe “o que eu postar na próxima segunda será seu”. Os amigos que lhe acompanhavam pediram que eu os presenteasse também. Então registro aqui que o cronto pertence aos aniversariantes acima e, igualmente, aos participantes da festa.


Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 04 e 13 de agosto de 2012.

Bachiana, ouvida na manhã de 07 de agosto nos seguintes endereços:
Sobre Bidu Sayão:

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

NÃO OLHA! SE NÃO VOCÊ SE VÊ


Escrevi em grande parte ouvindo “largo ma non tanto”, de Bach.

Obax anafisa.



O mundo é tão interessante. O mundo é tão insignificante. O mundo é tão cheio de insignificâncias, que em nada mudam nossa vida, mas que são interessantes.
Um homem de certa idade acima da minha anda numa bicicleta azul, ou verde ou outra cor qualquer. O interessante é os pedais estarem envoltos por grossas espumas. É significante saber o por quê? Se ele sofre de dor nos pés, se é porque suas pernas são pequenas e ele precisa de um calço para movimentar a bicicleta, se é de outra pessoa.
- Ai! – Quase fui atropelado por um pássaro apressado. Que desviou de meu rosto no último instante e desapareceu nas verdes árvores sujas de pó cinza.
Um homem de certa idade abaixo da minha conduz um carrinho ou carroça. É interessante saber que ele é negro, que não é feio? É significante saber o por quê? Se para encher de papel, latas, garrafas plásticas.
Alguém toca não sei onde Chão de Estrelas num cavaquinho. Ah! Tenho que parar para ouvir. Mas que saco! Tinha que perceber a música justamente no meio da avenida movimentada?
Um homem de certa idade semelhante à minha entra na fila duas pessoas atrás de mim. Há algum interesse em saber que, com gestos e palavras apressadas, ele fura a fila, entrega o dinheiro para a caixa alegando ter deixado o carro no meio da pista e desaparece? Existe alguma significância nele irritar a funcionária por ter deixado R$2,50 para um produto que custava mais de três; se foi engano ou safadeza dele?
É! As coisas que acontecem nas nossas vidas são estranhas. Em Ai de ti, Copacabana, de Rubem Braga, minhas caraminholas se confirmam. Quer ver? Dê uma lida em “Visita de uma senhora do bairro” ou em “A Deus e ao diabo também”. Veja o livro todo, que é bom. É da editora Record. As coisas esquisitas que nos acontecem dão crontos interessantes ou se perderão no nada.



Ofereço como presente de aniversário à
Alline Mota, Pricilla P. Leite, Vladimir Q. Sejas, Letícia S. Bastos, Douglas Oliveira, Junior Ferreira, Luciana Barbosa, Juninho Led Zeff, Vera Tufik e Teuler Guimarães.

O título eu vi escrito, mas com discordância verbo-numeral, num muro cinza e sujo no Centro de Ipatinga.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 30 de julho e 06 agosto de 2012.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

O FILHOTE DE TICO-TICO


Obax anafisa.




Era uma tarde de primavera linda e bonita. Os passarinhos cantavam e voavam. As borboletas voavam e enfeitavam o céu e no alto de uma árvore nasceu um filhote de tico-tico. Era uma primavera muito mais que as outras. Sabe por quê? Porque nasceu o nosso herói, o filhote de tico-tico que foi batizado Tiquim.
Tiquim era um desses filhotes possuídos pelo desejo de que o mundo seja exatamente como eles querem¹. Era, enfim, um filhote metido a filósofo e ficava sofismando sobre a primavera, os pássaros, as borboletas, as árvores. E se julgando, pela imaturidade, sempre certo e criticando os “errados”.
Ao nascer o sol nem procurava se alimentar para poder questionar o mundo por mais tempo. Mas não fazia assim por real preocupação, e sim por ser metido a intelectual, por achar bonito ser um mártir social. Ele não se preocupava em perder a refeição porque sabia que sua mãe logo-logo o “obrigaria” a tomar seu café da manhã.
Foi crescendo até se tornar um bonito tico-tico da taquara, meio magrinho porque acreditava no estereótipo de que “nerde” tem que ser magro. Mas até que não era bobo o nosso amiguinho, pois estava sempre namorando. Se falava sobre os poetas brasileiros e pensadores estrangeiros falava também o que as “tica-ticas” queriam ouvir. Era bom de bico. Aliás, era não, é bom de bico porque Tiquim está vivo até hoje e passa bem de saúde, obrigado!
Durante a noite sonha em ser famoso e rico. E durante o dia voa de árvore em árvore pensando pseudas intelectualidades ou então comendo ou ainda cantando e conquistando.
Mas antes de ser um conquistador foi um cdf padrão. Levou tanta porrada dos pássaros grandões que aprendeu a ser dissimulado. Tomar jeito mesmo que bom, nada. Para você ter uma ideia, um dia falando com empáfia sobre Marx, Descartes e outros, um joão-de-barro e um melro o bicaram tanto e ele só não morreu porque as outras aves seguraram o galo-do-mato que também queria entrar na briga e a turma do deixa-disso conseguiu tirá-lo de lá. E Tiquim se emendou? Não! Continuou um chato. Só que de tanto apanhar dos pássaros grandões e de não pegar nenhuma passarinha acabou mudando o comportamento. E se corrigir mesmo que é bom, neca de pitibiriba. E assim o tempo foi passando: sofismando, criticando de modo velado, comendo, cantando, seduzindo, o passarinho foi envelhecendo solitário, sem um amor de sua vida. Ontem, quando eu escrevia o cronto que você lê, o passarinho olhava o por do sol e disse: “‘Está sem ‘tica-tica’, \ Está sem discurso, \ Está sem carinho, \ (...) \ Se você cantasse \ A valsa vienense, \ Se você dormisse, \ Se você cansasse,  \ Se você morresse... \ Mas você não morre, \ Você é duro, Tiquim!’²”. – Estende o olhar por todo o horizonte vermelho, alaranjado e dourado e junto com a última cor, com o último raio de sol disse – “A noite veio. Será que amanhã poderei fazer diferente?”.
Eu creio que Tiquim ainda pode. E você? Por quê?



Ofereço como presente de aniversário à
Victor do Carmo, Monir Charaf, Rogério Pires, Freddy Cosme, Martin Ramirez, Goret Martins e Camile Gracian.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 15 de março e 30 de julho de 2012.

Observação: a ideia central contida no primeiro parágrafo encontrei escrito à caneta num livro que achei nas ruas. Não sei quem a escreveu.

¹ Parodiando: MCEWAN, Ian – Reparação; tradução Paulo H. Britto – São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2002, página 13.
² Parodiando ANDRADE, Carlos Drummond – José – retirada na manhã de 29 de julho de 2012 no endereço: http://www.tanto.com.br/drummond-jose.htm

Imagem: Retirada na manhã de 29 de julho de 2012 no endereço:

segunda-feira, 23 de julho de 2012

A LUA SOBRE A ROSA


Obax anafisa.



Bamboleio meu corpo e escrevo de olhos fechados o que você lê e consigo acertar a ortografia. Virginia Rodriguez canta no computador, alguém dança na rua e todos interpretamos na vida.
A mulher que mais desejei também desejava. Eu só queria seu coração, mas não recusava seu corpo. Ela só queria o que eu não podia lhe comprar, mas não recusava o que eu podia lhe dar.
Lá fora, em algum lugar longe ou talvez noutro mundo, não sei, a lua brilha solitária sobre uma só rosa branca. Deitando minha cabeça no travesseiro revivo o dia. Da Biblioteca Zumbi dos Palmares sentei na praça diante do Banco do Brasil, de costa para os mototaxistas e de frente para o canteiro seco. Abro ao acaso o livro A Borboleta Amarela e leio “Não posso escrever sobre outra coisa. E não devia escrever nada hoje. Penso um instante no que sentirão os leitores: essa coisa que me emociona de maneira tão profunda, o sonho que ainda me dói no corpo e na alma, será para eles uma história vulgar; pior ainda, precisarei escrever com muito cuidado, para que esse instante de infinita pureza que eu vivi não pareça a outrem, apenas um pequeno trecho de literatura barata”¹. Lendo isso meus olhos se levantam para o céu sujo, como que espelhando o estado que se encontra Ipatinga – Ai! O descaso do Poder Público. – e desvio-os de lá... Não, na verdade cerrei minhas pálpebras e Diana me veio serrar a carteira. Abro-os assustado. É melhor pensar em coisas boas.
- Oi, Benito! O pessoal tem me pedido para você não postar mais nada. É que o assunto do grupo é outro, não literatura.
- Ok! Numa boa.
- Não se ofenda, cara!
- Por que me ofenderia? Você não foi grosseiro.
Curioso e interessado em saber se estou agradando, questiono a cada contato se deseja que eu continue. A maioria responde que sim, que eu não pare.
- Espero que não fique chateado.
- Claro que não. Cada coisa no seu lugar.
É como realmente acredito. E me sinto. Huuum. Melhorou, mas ainda não estão de todo agradáveis minhas reflexões. Sorrindo me levanto com o livro nas mãos. Saio da praça e vou ao trabalho.
E de noite imagino a lua brilhando solitária sobre uma só rosa branca e uma borboleta entre as duas. Dormi assim, sonhando.



Ofereço como presente de aniversário à
Eduardo Barbosa, Richardson Jhones, Ana Pinto, Sandra Gargalhada, Anilton Reis, Márcia Meireles, Almir Napoleão, Pablo R. Kühl, Miee Aoki.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 19 e 23 de julho de 2012.

¹ BRAGA, Rubem – A Borboleta Amarela – 7ª edição – Rio de Janeiro, RJ: Record, 1984 – crônica Um Sonho.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

carta de Thiago para mim


Ofereço a carta que recebi de Thiago Domingues, grande poeta e amigo maior ainda, à Solange Maria, diretora da Agência Oz. A missiva é meu voto de que minha querida agente cultural supere o que nela está doendo...
Mulé, mostre-se resiliente. Afinal, você é “sol dos anjos”.



São Bernardo do Campo, 10 de Julho de 2012

Bom amado professor e poeta Rubem Leite, que imensa satisfação corresponder-me com você!
Estimada referência nesta minha curta trajetória no mundo das letras, felicito-me em trazer neste diálogo um assunto que muito me interessa: a Educação.
Em uma de nossas conversas lembro-me de ter dito o quanto me inspiro naquelas pessoas que pintam o mundo com a cor da renovação e da esperança, e você, além de poeta, é uma dessas pessoas que tem deixado o mundo mais colorido.
Entre tantos modelos educacionais, penso que nós dois entendemos a Educação como ferramenta para a liberdade e autonomia, para o desenvolvimento do espírito crítico e reflexivo; aquela educação que consiste em ler o mundo, para em seguida significar as palavras, como preconizava outra grande inspiração minha: Paulo Freire.
Acabo de ler a reportagem do seu projeto teatral que saiu no site do Jornal do Vale do Aço. Simplesmente inspiradora!  
Penso que a Arte tem uma importância nuclear em nossas vidas. Seja com as crianças ou com qualquer idade. Refiro-me à arte em seu sentido pleno, ou seja, a metamorfose das emoções como linguagem essencialmente humana, o êxtase  das nossas potencialidades criadoras. 
É preciso reavivar no homem a relação com os mananciais criativos, inerentes à nossa condição e a Arte é a encubaroda desta potência.  Identifico-me (intimamente com a linguagem da poesia, pois é ela que, no meu caso, oferece este canal fértil de diálogo e aproximação com estas esferas. É  com a linguagem poética que tenho investido algumas práticas aqui, na biblioteca, meu local de trabalho.
Há em nossa cidade um projeto fascinante e no qual me orgulho de fazer parte. É a concepção REBI (Rede Escolar de Bibliotecas Interativas) de Bibliotecas Escolares, criada muito antes da Lei federal 12.244 que dispoe sobre a obrigatoriedade das bibliotecas nas escolas. É uma Rede que possui uma organização específica, condizente com a realidade escolar e que visa atender à ideia de um ambiente favorável aos diferentes modos de expressão e produção. Estimula-se a busca e a seleção da informação em um espaço de  livre acesso,  ou seja, não há barreiras físicas, tampouco psicológicas, que inviabilizam o acesso aos elementos informacionais (livros, fantoches, CDs, etc.) e o usuário. Há alguns princípios que norteiam a utilização do espaço, rompendo com a ideia de um simples “espaço de livros”. É  possível citar a infoeducação (educar para a informação) a leitura, cultura e memória, em que estimula-se um belíssimo trabalho de resgate e restauração das relações da comunidade e o contexto escolar.  Dito isso, não se faz necessário acentuar o papel importante que a biblioteca desempenha aproximando a comunidade da escola, enaltecendo por sua vez, uma educação para além dos muros da escola, parafraseando o grande filme francês¹.
Atuando como um mediador das ações que podem desenvolver neste espaço atendemos o que chamamos de ensino fundamental I, ou seja, as crianças de primeira à quarta série, aqui em São Bernardo do Campo, além da comunidade local ou não.
Recentemente realizei um trabalho com poesias com as “minhas crianças”.  É interessante observar o quanto a sala de aula “absorve” muito dos conteúdos internos do professor, sua dinâmica subjetiva e aspirações.  Em uma visão psicoanalítica é impossível desconsiderar uma neutralidade na relação professor-aluno, um  amplo espectro de relações inter e intra inconsciente.  Disse isso para frisar o quanto aquele famoso axioma “e quem vai educar os educadores?” tem validade.  Em algumas salas em que o professor sentia-se impaciente ou não nutria qualquer interesse por poesia, a atividade ocorria aos trancos, enquanto naquelas turmas em que o professor tinha uma “afinidade” maior com a linguagem poética, indo além do famoso “poesia é  rima” a atividade fluia com uma leveza encantadora!  Por isso, futuramente, antes de trabalhar com as crianças, vou fazer o percurso inverso e começar com os professores...
A atividade foi realizada na biblioteca e tinha por objetivo o diálogo entre  duas paixões que tenho: Poesia e Hip Hop.
Aproximar as crianças do olhar poético, aquele movimento que rompe com a dicotomia de que há apenas possibilidades restritas, entre o “sim e o não ou bem e mal” foi o meu objetivo maior.  O olhar poético surge para mostrar que a poesia pode ser um mundo de infinitas possibilidades e o encorajamento para a descobrir  o que existe de melhor de si, seja a sua melhor contribuição para o mundo.
 O Hip Hop é a linguagem das ruas que possibilitou aproximar os conteúdos programáticos aos conteúdos internos da história de vida de cada um. O Hip Hop como retomada da oralidade (também trabalhamos com a literatura de cordel, o repente e a embolada) e o uso do corpo dentro da escola (através das danças e movimentos típicos dos B.Boys)  foi o caminho que usamos para concretizar a poesia como linguagem comum entre os “pequenos”.  Para isso, nada melhor do que usar o legado dos nossos grandes “poetas-mestres”  como Pessoa, Neruda, Quintana , Drummond e João Cabral para revelar o potencial de  cada um dos nossos “pequenos” e a partir da aproximação poética, incentivar a criação autoral de cada um em diversas plataformas.
O trabalho foi discriminado por cada ano/ciclo e teve desde a realização de saraus temáticos na biblioteca, passando por mini-eventos de improviso ou freestyle  até a elaboração dos trabalhos dos alunos, expostos aqui na biblioteca em formato de cordel ou impressos. Tivemos também belíssimas apresentações de “poemas pintados”( alguns poemas viraram pintura das crianças ou foram retratados em paineis em foram de grafite) ou declamados à la MC (mestre de cerimônia, figura importante do movimento Hip Hop).
Pois é, meu grande amigo,  sou muito feliz no que faço! Peço todo dia, ao acordar, que  eu tenha sempre inspiração e transpiração de sobra para inovar e acreditar sempre no potencial do ser humano.  Se hoje eu sou o que sou, é pelo fato de ter pessoas que acreditaram em mim.
Castro Alves,  certa vez disse que “é preciso ouvir o gênio que borbulha em cada um de nós”, e é com este espírito que busco  moldar o presente para que o amanhã não seja estreito e repetitivo, e o brilho nos olhos não seja privilégio de poucos... Acreditar não mais pela ingenuidade, mas pela certeza.
Inspirações duradouras,

Thiago Domingues.

¹ Entre os muros da escola (Entre les Murs ) é um filme francês do ano de 2008. O diretor Laurent Cantet retrata a realidade escolar francesa e aborda o impacto do sistema educacional nos alunos. Ao direcionar  as críticas ao sistema de ensino local, encontramos no filme também  muito do que o pensador Michel Foucaul (1926-1984) disse sobre a educação, entre eles o caráter “adestrador” do pensamento e as relações de poder exercida neste espaço.