terça-feira, 13 de outubro de 2009

LIBERDADE ABRE SUAS ASAS SOBRE NÓS


Rubem Leite – 11-10-09

Quando eu era menino meu irmão mais novo soltou um passarinho. Papai diz que o que ele fez foi errado. Não sabemos se o passarinho morreu ou ficou feliz. Meu irmão cresceu feliz. É um artista. Eu mantenho o meu preso até hoje.

O sol nasceu, atravessou o céu e se pôs.

Lua minguante. Lua nova. Lua crescente. Lua cheia.

Uma manhã uma sombra entrou pela porta fechada. Atravessou-a. Na sala os cães viram a sombra, ganiram e se espalharam pelos esconderijos da casa. Na cozinha o gato olhou para sombra e saiu para a rua. Ouvi e vi o gato. Ouvi e vi os cachorrinhos. Nada mais vi. Não ouvi nem o pássaro que sempre canta na gaiola pendurada na janela de meu quarto. Eu e meu pássaro vemos continuamente a aurora vestida e cotidianamente dormimos com a noite nua. Vemos as árvores trocarem de roupas e enfeites para seus diversos bailes. A sombra visitou todos os quartos? Visitou todos os banheiros, todos os cômodos, o quintal? Na rua nenhum som de carro. Nas casas vizinhas nenhum rádio, tv ou voz. Só o silêncio da sombra. Com um caju escorrendo pela boca entro pela cozinha no silêncio da casa. Aí lavo meu rosto, bebo uma água, ponho um vinho seco num cálice e vou para meu quarto. Numa cadeira de madeira que uso como criado mudo deposito o vinho tinto, aconchego em minha cama, pego um dos livros que estou lendo e passo o tempo. E o pássaro em silêncio. Uma sombra se mostra no chão do corredor. – Quem é? – Os mais belos cabelos negros, provavelmente o vento dançou com eles, se mostra. Depois vejo uma das mãos mais brancas. – Quem é? – No umbral uma linda mulher. Que vestido. Azul. Não, vermelho. Não, amarelo. Sim, é branco! Que sorriso. Que olhos.

- Bom dia! – Que voz – Vim conhecer você.

- Você é linda.

Que riso. – Você é galante. – Ela me fala estendendo a mão. – Venha comigo.

- Sim! Para onde?

- Para sua casa.

- Ah! Moro aqui.

Seu sorriso se abre. – Venha!

Levanto e sigo. Os cachorros continuam em silêncio. O gato está longe.

- Espere!

Volto, fecho o livro, colocando-o na cadeira. Sorvo todo o vinho. Abro a portinha da gaiola. O pássaro em silêncio e quieto. Enquanto pego a mão da dama o pássaro voa. Saio da casa enquanto o pássaro canta.

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