quinta-feira, 15 de outubro de 2009

PAPÉIS


Rubem Leite – 07-09\10\09

É tudo um silêncio. Nada mais além do silêncio.

Às seis horas da tarde um garotinho de bermuda verde e camisa vermelha brinca sorrindo pelo Parque Ipanema. Do nada no ar desce uma folha de papel verde. Um minuto. Outra folha desce sobre o menino.

Às seis horas da tarde no Centro de Ipatinga as pessoas vão encerrando suas atividades. Do ar no nada descem folhas verdes de papel sobre a mutidão.

Às seis horas da tarde no Vale do Aço milhões de folhas verdes caem sobre cidadãos que não vêem de onde estão vindo.

É tudo um silêncio. Nada mais além do silêncio. Ninguém fala nada. Pasmos? Surreal!

Um carro para no Parque Ipanema. Quatro homens algemados em duplas saem do seu interior indo para a criança.

Um ônibus para na praça 1º de Maio. Dezenas de pessoas algemadas em pares saem do seu interior cercando a multidão.

Um comboio para na Região Metropolitana. Centenas de pessoas algemadas saem do seu interior fechando as cidades.

É tudo um silêncio. As árvores não dançam ao assobio do vento. Os carros não zunem a toda. As cigarras dormem em pleno verão. Nada mais além do silêncio.

Os homens vestidos de cinza andam em filas. Sentido ante-horário.

As mulheres vestidas de marrom andam em filas. Sentido horário.

Os idosos vestidos de roxo andam em filas. Sentido de uma reta.

As crianças vestidas de azul-marinho não andam.

É tudo um silêncio. Canhotos algemados pelo punho esquerdo. Destros algemados pelo punho direito. Sem perguntas. Sem respostas. Sem orientações. Sem dúvidas. O sol se põe com todos nas ruas. O sol nasce com todos em seus lares. Nada mais além do silêncio.

Pedro não está algemado a ninguém. Ninguém está algemado a Pedro. Ele entra em sua casa. Só. Não há sensações em Pedro. Ninguém tem sensações. Nenhuma emoção.

- Atenção! Emissora sintonizada com o mundo inteiro. Quem puder trabalhar, trabalhe. Quem não pode, deve se desativar. A ordem deve prevalecer.

Pedro diz para o rádio. Do silêncio do rádio ouve-se:

- Da Terra tudo acontece para o nexo. Do mundo dos espíritos para a Terra: Está na hora do mal e do bem fundirem-se. De Óberon em Andrômeda para Terra na Via Lacta: O caos corrige a desordem da ordem. Acate todas as ordens do ordeiro caos.

Ao invés de responder Pedro pensa: Conhecer alguém é difícil. Não conheço nem a mim quanto mais Sofia. Eu a quero... Será? É para sempre enquanto durar? É para sempre até o fim? Já quis Carla. Já quis Maria Flor, Eunice, Marina, Martha. Já quis Resende Junior. E com Márcia tive filhas... Filhas que morreram. Não tenho idade para sequer me conhecer quanto mais conhecer os outros. Mas acho que dessa vez é para valer.

- Olá, computador! Sua programação o faz trabalhar para mim. É preciso funcionar. Da tv saem tais palavras.

É tudo um silêncio. Canhotos algemados pelo punho esquerdo. Destros algemados pelo punho direito. Sem perguntas. Sem respostas. Sem orientações. Sem dúvidas. O sol se põe com todos nas ruas. O sol nasce com todos em seus lares. Nada mais além do silêncio.

Um som na lagoa do parque. Um nado no Ribeirão Ipanema. Uma onda no Rio Piracicaba. O sol se põe com todos em seus lares. Nenhum carro. Nenhum ônibus. Nenhum comboio. O sol nasce com todos na rua. Seis horas da manhã os cidadão vão trabalhar no Vale do Aço. Meio dia as pessoas exercem suas atividades em Ipatinga. Seis horas da tarde um garotinho de bermuda vermelha e camisa verde anda pelo Parque Ipanema.

É tudo sonoro. Nada mais além de sons.

Nenhum comentário: