domingo, 28 de março de 2021

CARTA AOS QUERIDOS


 Ipatinga, dd de mm de 2021


J.G.,

 

Sem nenhuma brincadeira. Eu te acho lindo, iluminante como o sol. Realmente! Sua presença é muito afável. Tenho uma imensa satisfação toda vez que você está aqui.

Apesar de meu marasmo, do meu querer ficar quieto; não querer sair, ficar quietinho... Sinto-me satisfeito com sua presença. Quando você está aqui é tão agradável. Tão agradável quanto ter um livro.

Uma pessoa que conhecemos e gostamos postou no Caralivro um meme, acho, de dois coelhos. Um diz “Eu me apaixono fácil” e o outro responde “Você é carente”. No início compreendi carente como insatisfeito e a pessoa insatisfeita é a única que nunca pode ser ajudada, pois nada nem ninguém lhe satisfaz. Depois entendi carente como carente mesmo. Rerrê. E escrevi na postagem:

O carente é difícil para alguém poder satisfazer. Se conseguir sentir-se bem consigo mesmo é o melhor caminho. Ser misantropo é outro caminho, mas não é bom.

O que não disse é que sou ou estou misantropo. Não foi totalmente uma escolha direta, mas uma série de pequenas observações sobre o mundo e uma série de pequenas escolhas de como reagir somada a outra série de pequenas contrarreações me conduziram à aversão à sociedade. E consequentemente à melancolia. Pois a misantropismo é isso: melancolia e querer distância do ser humano. Ou será melancolia por querer distância das outras pessoas? Não sei. Não sei. Mas estou desanimado com a civilização.

Emília e Visconde de Sabugosa têm uma discussão sobre a redução no tamanho das pessoas no capítulo Revelações do livro A Chave do Tamanho, de Monteiro Lobato.

A “Humanidade clássica”, como disse Visconde, construiu a civilização. Ou seja, “casas, máquinas, estradas, veículos, ideias” e tudo isso se perde com a redução no tamanho dos humanos. Na guerra na Rússia muitos soldados morreram congelados, mas Emília não se horrorizou com essas mortes, pois já estavam matando-se. “Os homens não viam outra solução além da guerra – isto é, matar, matar, matar, destruir todas as coisas criadas pela própria civilização. [...] Essa tal civilização havia falhado. Havia enveredado por um beco sem saída – e a saída que achava qual era? Suicidar-se a tiros de canhão.”.

Sabe, um livro, pra mim, é uma das coisas mais maravilhosas. Mesmo que ele esteja fechado, ao meu lado. A presença do livro me dá uma tranquilidade. Produz-me percepções e sensações sobre a vida. Como esse poema de Fernando Pessoa:

O que há em mim é sobretudo cansaço

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo.

Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis

As paixões violentas por coisa nenhuma

Os amores intensos por o suposto em alguém.

Essas coisas todas –

Essas e o que falta nelas eternamente –.

Tudo isso faz um cansaço.

Este cansaço.

Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada –

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles.

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossivelmente o possível,

Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser.

Ou até se não puder ser...

E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,

Um supremíssimo cansaço

Íssimo, íssimo, íssimo,

Cansaço.

Não me sinto cansado. Sinto desânimo. Disse alguns dias atrás o que venho pensando há meses. Para me sentir cansado deveria ter feito muito mais. Tenho desânimo porque minhas façanhas não podem ser chamadas de muitas; e são tão infecundas quanto a satisfação pelo cansaço de Pessoa. E neste momento que estou tratando-me de depressão, de ansiedade e de covid às vezes não consigo ler; não tenho energia para ler. Mas ele, o livro, está ali; dá-me um relaxamento.

Ou quando olho para eles na prateleira sinto-me renovado. Não sei explicar. É algo semelhante aos cachorrinhos, à gatinha e aos antúrios que tenho em casa. Eles dão um ânimo novo pra gente... Uma força!

A pessoa está tão desgastada e olha para um livro e ele te energiza. Se fechado o livro já faz assim, imagine aberto... Lendo!

 

Abraços!

 

RL

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Julian A. Cabral, Girvany de Morais e João F. Alcino.

 

Recomendo a leitura do livro e do poema indicado no texto.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

 

Escrito no início da linda manhã de sábado do dia 30 de janeiro de 2021. Trabalhado entre os dias 20 e 28 de março do mesmo ano.

3 comentários:

Josiane Hungria disse...

Tenho meus momentos de misantropia. O mundo está difícil de digerir nestes tempos atuais por isso fujo prps livros por que a realidade está dpida e doída.
Como sempre, um texto impecável. Abraços, Josiane Hungria.

Unknown disse...

Muito obrigado terno amigo, por nós presentear com a sua amizade e seus textos maravilhosos.

MM disse...

Simplesmente maravilhoso o que você escreveu Rubem, mais entendo o seu cansaço de contar o que acontece no mundo agora.Mas você fez muitas coisas lindas pelo ser humano, tenho certeza disso.