segunda-feira, 16 de julho de 2012

O QUE ME DÁ MEDO.


“Minha liberdade esta nas asas que construo com os galhos que retiro do caminho, não tenho medo de deixar uma trilha...”.
(Mayron Engel – facebook 06-7-12) 

Obax anafisa.



Os hippies Diêimis Dim e Marcos giram mundo, não vagam mundo. O primeiro é de Governador Valadares e o outro, do Belém. É vagabundo quem vaga? Olho para o livro “Álvares de Azevedo: Poesia”* e minha mente gira e meus sentimentos vagam enquanto leio.
Ó! Eu me surpreendo por não me surpreender com a surpresa dos que se surpreendem que os homens sejam surpreendentes. Então, ora os ignoro, ora os encaro e ora rio deles.
E rio de mim mesmo. Dentro, tudo gira e vaga.
No Centro Cultural Usiminas o suporte da parede de vidro está carcomido pela ferrugem e as plantas do Jardim Japonês, abertas para a noite, esperam o dia. Identifico-me com o poeta Thiago Domingues, de São Bernardo dos Campos, SP: “É preciso reavivar no homem a relação com os mananciais criativos, inerentes à nossa condição e a Arte é a incubadora desta potência”¹. Sensível à sociedade ele se faz verbo e não perde a humildade. É uma alma de cachinhos dourados num corpo de urso panda. Uarrarrá! É gente boa!
Retirando os olhos do jardim às escuras vejo cinco mulheres em dois grupos chilreantes. Elas me miram e se admiram com meu poncho. Não me incomodo com os seus gorjeios sarcásticos e finjo ignorá-las. Olho para as pedras através da parede e devaneio. Amigo é ser o que se é e sobreviver; não por o dedo na ferida e é dizer o que vai ferir; é ouvir a palavra amarga e envolver com atadura as pústulas do outro. É um ir e vir.
E choro de mim mesmo. Dentro, tudo gira e vaga.
Diêimis Dim e Marcos giram mundo, não vagam. Sempre vão, mas voltam. Nem sempre exatamente para os mesmos lugares. Espero a peça “Para Duas”² começar refletindo no que Luzia me disse uma vez “personalidades que se desajustam pela falta de carinho, pela incompreensão das ações praticadas pelo outro”² e sinto o que me falou Helena “Dores são muitas e, mesmo universais, são singulares a cada ser humano”².
- Seu “café totó”. – Como é assim que chamo o “caffè latte”, a garçonete me entrega a xícara de café expresso com leite. Sorrindo para a delícia vou para um ensinamento que li “Uma simples mudança de ambiente ou mentalizar um pouco que ‘hoje é um bom dia’ não é suficiente. Para mudar a direção da mente, é necessário apreender ‘um raio de luz’ que brilha em nosso cotidiano. Pois nossa vida é criada com o que pensamos a cada momento”³.
- Benito!
- Leonardo! Maximiano! Também vão assistir ao espetáculo? Sentem-se, por favor.
- Que livro é esse? – Mostro e Leonardo continua: Gosto de Álvares de Azevedo, é bom. Vez ou outra eu releio seus poemas. Benito, achei interessante seu comentário no “feicebuque”, mas não concordo que arte é o que se faz pra viver. Arte é a concretização de sentimentos, percepções, impressões, do universo humano que o indivíduo dotado de sensibilidade é incapaz de conter. O que ocorre em torno disso – consumo, profissão, valor monetário sob produtos intelectuais – é mera questão social e política. Quero dizer que o artista não faz arte para viver, ele faz arte porque é inevitável, mas utiliza o produto dela como recurso financeiro. E a isso se infere diversas outras reflexões. Tem gente por ai fazendo “merda” pensando que é arte, e ainda por cima querendo vender... Não rola.
- É uma discussão profunda, Leonardo! Penso parecido, mas não igual, claro. Se pensássemos iguais seríamos não pensantes... – Sorrio. – Eu entendo arte como trabalho. E acho uma – perdão pela má palavra – sacanagem ter que fazer outra coisa para poder sobreviver. O autor do presente cronto que nos tem como personagens e que o leitor(a) esta usufruindo é artista – pelo menos ele se julga tal... Uarrarrá! – artista cênico e, principalmente, literário e ter que fazer bicos ou dar de graça o fruto de seu suor não lhe alegra. Ele ama, muito mesmo, que o leiam, que assistam as peças que dirige e quer também que lhe paguem como pagam os médicos, cozinheiros, advogados, professores e etc. que também gostam que os outros se agradem com o que fazem... Sobre a questão que você disse maravilhosamente “faz arte porque é inevitável” e “Tem gente por ai fazendo ‘merda’ pensando que é arte, e ainda por cima querendo vender”, Rubem fala sempre algo mais ou menos assim: todo artista cênico é ator, mas nem todo ator é artista; todo artista musical é cantor, mas nem todo cantor é artista e o mesmo pode ser dito sobre as variações diretor de teatro, músico instrumental e etc. Ou seja, o artista é um criador e não um imbecil que se acha o tal. E por ser criador, nada mais justo que viva de suas criações. Não sendo apenas homenageado, elogiado e faminto. Viu? Pensamos de modo semelhante.
- Então, Leonardo e Benito, posso dizer que a merda se vende mais que a arte. Outra observação é que os artistas de rua que colocam a arte antes da condição financeira – quando damos dinheiro para um malabarista em um sinal, algum artista que fez seu numero e rodou o chapéu, aquilo não é esmola, pois esmolas damos de graça para alguém... E nossos olhos, ouvidos, tatos, qual seja o sentido, consumiu a arte daquele artista. Exemplo de esmola é o IPVA: damos pro governo, mas as ruas continuam cheias de buraco, as BR perigosas. A diferença entre artista de rua e o pseudo artista é que o primeiro não exclui os que não podem contribuir; este é o valor que a arte tem! E o segundo entulha nossa cabeça de porcaria. Ou tenta atentar...
Risos.
- Penso também parecido com você, Maximiano. Em geral os artistas de rua são artistas mesmo (toda regra tem exceção, claro). Agora nem todos que não vão para rua deixaram de ser artistas por isso. Augusto Boal – terei que pesquisar qual livro, se alguém fizer questão em saber – diz e eu concordo com ele que o artista pode por a vida em serviço da arte, mas que prefere – e eu também – aqueles que põem a arte em serviço da vida. Cada um vive como pode. Alguns indo para as ruas e outros não, mas todos vendendo seus serviços – observação: venda de seus trabalhos-produtos e não suas vidas nem suas artes. – Eu vendo meu trabalho, mas escrevo e dirijo teatro por amor e por ser incapaz de não criar.
- Epa! Primeiro sinal. Vamos? – Diz Leonardo. Pago a conta, levantamo-nos e penso “São tantas sombras e tantas luzes. Aonde ir?”.



Ofereço como presente de aniversário à
João F.B. Araújo, Carla A. Weber, Rochelli Anício, Piria Sindipa, Marcos Teixeira, Luiz Poeta.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 07 e 16 de julho de 2012.

* AZEVEDO, Álvares de – Álvares de Azevedo: poesia \ Maria José da Trindade Negrão – 6ª edição – Rio de Janeiro: Agir, 1984.
² Folder do Espetáculo Para Duas (de Ipatinga MG) – ficha técnica:
    Marcos Loureiro (direção); Ed Anderson Mascarenhas (texto); Luzia di Resende e Helena Santos (atrizes); Leandro Calisto (iluminação); Pedro Bastos (trilha original e design gráfico); Jamil Boali (figurino e cenário); Rubens Sarnento e Márcio Martins (confecções de cenário); Perna de Palco (produção).
³ TANIGUCHI, Junko – Revista Pomba Branca, nº 324, julho 2012 – São Paulo: Seicho-No-Ie, páginas 10 e 11.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

MONTURO


Obax anafisa.


Saio com Haicai, Decidido e Vitório. Ainda trancando o portão: Um poste marca fronteira na escuridão da madrugada. Entre os dois uma chuva verde quase toca um pequeno monturo preto. Mal presto atenção e vou indo com meus cachorrinhos. Do cruzamento entre Uberaba e Sabará
- Dormi gostoso e agora estou pronta para o dia. – A garota envelhecida com um lençol cobrindo cabeça, ombros e tronco fala para seus colegas de vício. – Estava com Juliano.
- Que Juliano? – Questiona uma mulher do grupo envolta por um cobertor marrom.
- O Atleticano. Meninas, e que galo ele tem...
- Huum! Então agora é minha vez de dormi bem.
- Querida! Cama melhor que eu não tem.
Rindo para mim da conversa, continuo meu percurso diário. Vinte minutos depois volto com meus cachorrinhos e o poste ainda marca fronteira na escuridão da madrugada. Entre os dois uma chuva verde quase toca um pequeno monturo preto. Olhando melhor vejo que o monturo debaixo do chorão é um pneu e, dentro, o que deve ser alguém acocorado, envolto completamente por uma escura roupa de frio.
Em verdade eu sou inconstante. Num sol de quase julho atravesso o espaço para parques e circos em Ipatinga. Na rua Araxá, quando eu ia pegar a Uberaba, um desconhecido me chama. Ignoro. Chama outra vez, faço “não” com a mão e sigo. O rapaz vai ao meu encontro numa perpendicular. Caminhamos em silêncio. Eu ouvindo meu mp qualquer número e ele ao meu lado.
- Deixa eu ouvir o que cê tá escutano.
Acho graça e lhe dou um dos fones.
- Quem é?
- Gal Costa.
Silêncio.
- Cê vai querer quantas? Duas!
- Não, obrigado! Não uso.
- Então tá. Cê mora aqui?
- Sim!
- Então tá. – Devolve-me o fone e sigo achando graça. Não deveria.



Ofereço como presente a Wenderson Godoi e Luciano Botelho pelas Bodas de Marfim.
E como presente de aniversário à
Fran Reis, Tania Ribas, Rosangela Santos, Luciana C. Aguiar, Solange Maria, Jean Nascimento e Rosi Sabino.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 29 de junho e 09 de julho de 2012.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

O QUE VALERÁ


Obax anafisa.


“No amor basta uma noite para fazer de um homem um Deus”.
(AZEVEDO, 1984)



No escuro o silêncio, um existir com jeito de não existência. Até que gritos violentos de dois traficantezinhos e viciados em craque brigando pelo cachimbo. As ameaças de morte, o ódio nas vozes e os ataques físicos quebram o silêncio tirando-me da inexistência do sono e enricando-me de adrenalina.
Sem poder dormir me levanto para encerrar a madrugada com minhas preces e começar a manhã com meus trabalhos de faculdade. Ó céus! A internete está fora do ar. Ligo então para a Oi Velox. Gravação chata, clicar número, mais gravação, clicar outro número e assim indo até que
- Bom dia! Sou Fulana. Com quem falo?
- Benito!
- O que o senhor deseja?
Resumindo o diálogo: a garota me afirmou “em três dias o problema estará resolvido”. No quarto dia ligo outra vez e Beltrano afirma “o problema está na Central e será preciso mais três dias”. E pelo que vejo hoje será a missa de sétimo dia... E foi! Só me resta o procon. Será que valerá alguma coisa?
Nesse meio tempo, sem internete em casa tenho ido ao Pq. Ipanema. Na volta, os cabelos negros em um corpo moreno deitado sobre a grama sob as árvores. Belo corpo. Seu rosto voltado para o lado contrário de onde venho se mostra refletivo ou vazio. À medida que me aproximo seus olhos se encontram com os meus. Sorri para mim e eu lhe cumprimento. Ao passar-lhe sua voz me pergunta:
- O senhor tem um real?
- Devo ter umas moedas no bolso, não sei.
- Moro em Fabriciano. Estou com preguiça de ir a pé e estou com fome.
- É! Já são mais de onze horas. Estou indo para minha casa fazer meu almoço. Se quiser, venha comigo.
Ante sua hesitação (ou será outra coisa?) explico
- Não estou vendendo comida ou comprando sexo. É apenas convite para almoçar.
- A gente não se conhece...
- Você que sabe. Somos adultos e é só convite para almoçar. Mais nada.
Em meu apartamentinho
- Nó! Quanto livro... O senhor deve gostar de ler.
- Prefiro que me trate por você.
- Posso pegar neles? – Aponta para meus livros.
- Sim, pode.
Escolhe um e lê “minhas professoras co-costumavam passar exercícios de redação. Cada um de nós tinha de escrever uma carta, narrar um passeio, coisas assim. Criei gosto por esse dever, que me permitia aplicar para determinado fim o conhecimento que ia ad-adquirindo do poder da expressão contido nos sinais reunidos em palavras. Daí por diante as experiências foram-se acumulando, sem que eu percebesse que estava descobrindo a literatura”².
- Você tem boa leitura.
- É! Eu também gosto de ler. Mas não tenho uma biblioteca, muito menos uma assim, feito a sua.
- Obrigado!
Arroz branco, feijão preto, carne cozida, salada colorida e retiro sua persistente dúvida afirmando “Sexo só faço com quem quero e com quem me quer”. O que você acha V ou F a minha afirmação? Gostaria que você me falasse o que sua imaginação lhe diz. À noite, porém, mais uma vez sozinho e no escuro o silêncio, um existir com jeito de não existência.
- Não me deixe. Eu tinhaaaaaaamooo. – Voz de mulher, nasal, ridícula.
- Para cum issu, mulé!
- Ai, eu tinhaaamoo.
- Para cum issu. Uzomi vão vir aqui.
- Num mimporta. Eu tinhaaamoo. Ai, Deus!
- Vai acordar usvizinhu e ozumi vão vir.
- Num mimporta. Eu quero morrer. Deeeus! Me mata, Deus! Socê num fica cum eu então mi mata. Eu tinhaaaaamooo. Eu quero morrê, Deus! Socê nunqué ficá cum eu então mi mata.– Tum. – Aiiê!
Concomitantemente da janela de meu quarto grito: Vá cantar “nemaquitepá”, peste. Mas bem longe.



Ofereço como presente de aniversário à
Cláudia Turatti, Luiz O. Ferreira, Alano O. Barbosa, Sueli M.B. Silva, Ronalla Kelly, Rita E. Rocha.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 24 de junho e 02 de julho de 2012.

¹ AZEVEDO, Álvaro de – Poesia / Maria José da Trindade Negrão – 6ª edição – Rio de Janeiro: Agir, 1984 (Nossos Clássicos), página 41.
² ANDRADE, Carlos Drummond – Para Gostar de Ler: crônicas, vol. 04 (diversos autores) – São Paulo: Ática, 1979, página 07.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

ALIMENTO DA ALMA


Obax anafisa.



Eram quatro horas de uma madrugada enluarada no Centro de “Ipatinga, cidade jardim” de concreto, ferro e, agora, menos árvores. Rua do alojamento remanescente da fábrica, de uma escola-creche e do alistamento militar.
Atrás de mim, uma luz braseira aviva o vermelho do muro do Corpo de Bombeiro à minha frente. Finjo ignorar sem esconder meu sorriso, que nem você nem eles conseguiriam ver mesmo sob a luz. Principalmente à luz do dia. Rarrá!
- Você!
Sorrindo, paro! Com rosto sério, me viro. A luz sanguínea da rádio patrulha não me incomoda como atrapalharia você.
- Quecetá fazeno aessora?
Em sua velocidade me aproximei da porta do motorista.
- Andando.
- Andanoé? À toa? Como cechama?
Pegando na janelinha.
- Sou Guino. Estou com apetite e procuro o que comer.
Do outro lado um policial diz
- Com fome, é? Aqui no Centro num tem nada aessora. Cê vaitê quisperá o dia amanhecê.
Segurando a janelinha do carona eu respondo me divertindo com a surpresa deles de como cheguei lá.
- É que estou sem me alimentar desde ontem.
- Issu num é hora de trabalhadô tá na rua. – Fala o terceiro policial. Noto um certo... temor respeitoso. Adoro!
- Não acho que eu seja um... trabalhador comum, seu guarda. Sou um caçador. – Falo mostrando meus dentes, meus olhos brilhantes enquanto começo a me enevoar. O carro arranca. Depois que viraram a esquina digo do banco de trás – Aonde nós vamos com tanta pressa?
O que aconteceu com os policiais? Um mora comigo e lhe ensino a falar melhor, a pensar melhor, dando livros para ele ler. – Basílio da Gama, Fernando (Sabino e Pessoa), Nena de Castro, Machado de Assis, Marília Siqueira, Lima Barreto, ... – “Mórbida languidez me banha os olhos, \ Ardem sem sono as pálpebras doridas, \ Convulsivo tremor meu corpo vibra: Quanto sofro por ti! Nas longas noites \ Adoeço de amor e de desejos \ E nos meus sonhos desmaiando passa \ A imagem voluptuosa da ventura... \ Eu sinto-a de paixão encher a brisa, \ Embalsamar a noite e o céu sem nuvens,”¹. E quanto aos outros? Não se preocupe com eles. É você que me interessa agora.



Ofereço como presente de aniversário à
Ray Lavigne, Emi Eidi, Elaine Lima.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 03 e 25 de junho de 2012.

“Ipatinga, cidade jardim” é referência ao título do livro homônimo, de José Augusto de Moraes, publicado em 2009.
¹ AZEVEDO, Alves – Poesia / Maria José da Trindade Negrão – 6ª edição – Rio de Janeiro: Agir, 1984 (Nossos Clássicos), página 41.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

PEDRA RARA DA BOA


Obax anafisa.

Eu sou um cacto.
Conforme você os veja
verá a mim.


15 de junho de 2012 – passamento de
Zélia Olguin para o mundo espiritual.
Que Terpsícore a tenha em seu palco.
Assim seja, assim é.

“... fatos ocorrem, mas não acontecem; as novidades se verificam, mas não acontecem; as operações policiais se efetuam, mas não acontecem; nosso diálogo poderá suceder, mas não poderá acontecer”. – Aqui, na última afirmação da personagem, acrescento uma interrogação. Aguardo resposta.

LOBATO, Manuel – jornal Super Notícia, segunda-feira, 04 de junho de 2012 – Em busca de socorro para contar caso, pág. 02.



São quase cinco da manhã e apesar do ar frio sinto calorzinho. Não, dois! Pelo moletom de dormir e no coração. Já passeei com meus cachorrinhos e agora eles estão em casa. Em tal hora não gosto de ir ao cruzamento das ruas Sabará e Uberaba, no Centro de Ipatinga, porque os “the walking dead” estão transitando abatidos. Mas fui para ver se encontro um cachorrinho de rua, que chamo de Confiante. É que lhe dou comida todas as manhãs. Hoje quando estava com minhas “crianças” o “the good dog” nos acompanhou, mas os “the stray dogs” deram um “chega pra lá” nele.
Pois bem, os “the walking dead” extraordinariamente estão um pouco afastados no momento. Um motoqueiro pára e faz um “psiu”. Finjo não perceber, ele insiste e então olho e penso ser Estabileno. O que me surpreende, afinal, pelo que eu saiba, o ator não costuma vir para essas bandas de madrugada e nem tem motivos para isso. Mas era outro conhecido meu, também muito querido. Enquanto me aproximo o rapaz brinca “Viadinho! Viadinho! Viadinho!” e continua “Eu faço ‘psiu’ e você vem rapinho”. – E ri. Rimos os dois. O garotão me conta sobre os problemas que a moto está tendo e me diz “Benito, olha! Num vem praqui nesse horário, não. Pode acontecê coisas ruim procê”. Agradeço sua preocupação. E ele sabe do que está falando, já que é na rua de baixo que pega sua pedra de cada dia para abater sua necessidade abatizante.
Volto para casa, faço minhas preces, tomo meu café e vou ao Cemitério pensativo, quase abatido, por estar super chateado. Em Ipatinga, as artes e a cultura estão tendo uma perda atrás da outra. Poucos dias atrás morreu Darci di Mônaco, o mais antigo ator em atividade do município. Hoje, enterro de Zélia Olguin, a “mãe” de todos os artistas da dança do Vale do Aço. Mas político mesmo que é bom não morre nenhum... E para piorar, tinham dois lá e nenhum para fazer a gentileza...
De novo em casa, e no Onorino, meu notebuque, dois trabalhos da faculdade para entregar e dois crontos para encerrar. Olho para a tela e o que vejo? A semântica trabalha significados, sejam de palavras ou de textos, além de estar ligada a diversas áreas acadêmicas. Mas é importante entender que os significados das palavras se encontram na frase a qual pertence e estas, por sua vez, têm seus significados encontrados principalmente, mas não somente, num discurso (texto). Porque geralmente uma mesma palavra pode ter sentido distintos dependendo do contexto onde está inserida. A isso se dá o nome de polissemia. Ou seja, polissemia é os diversos significados de uma palavra. Abater, por exemplo, nas vezes que a utilizo no cronto tem sentidos diferentes, adequado ao contexto do momento. Interessante, né? Mas não é o que anima meu dia. O que haverá no “feicebuque”? Huuum! O jeito é voltar para meus livros.
Veio a tarde e um agiota aparece em minha casa. Minha cara está pétrea, o sujeito também não me cumprimenta e não me desagrada o troço saber que não vou muito com ele. Mas o que a coisa queria? Uma visita social para matar a saudade! Pode? Mesmo estando com a dívida totalmente abatida não me sinto bem com visitas corteses de usurários. É melhor voltar para o que estava lendo ou então olhar para meus cactos, pensar em pessoas pedras raras e esperar a noite para dormir. Enquanto isso, para você que me lê, obax anafisa.



Ofereço como presente de aniversário à
Will Sabino, Ton Xavier, Alexandre Rodrigues, Lígia Schmidt, André Q. Silva, Rinaldo A. Gomes.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 31 de maio e 17 de junho de 2012.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

RÊ NASCIMENTO


Obax anafisa.

Eu sou um cacto.
Conforme você os veja
verá a mim.

É véspera do Dia dos Namorados. E antevéspera de Santo Antônio de Pádua, exemplo a ser seguido.
E a pergunta que não quer calar é
Até quando haverá militantes da infelicidade alheia?
Pessoas que dizem como o outro deve ser, o que o outro deve fazer; que mais investem em impedir os outros de ser feliz do que em ser, eles próprios, felizes.
Meu cronto é uma súplica a tais militantes: vivam e deixem viver. É uma exortação aos que buscam ser felizes: vivam e deixem viver.
E para todas as pessoas digo:
Música desnuda bajo la luz del sol, ninguna palabra, sólo un aullido final”¹.
Digo também para todos – militantes ou não:
Queres ter sempre Deus no coração? Vigia sobre ti mesmo. (...) Não te queira fazer outro diferente daquele que Ele mesmo criou e, desta forma, terás sempre a Deus no coração”².



- Bom noite, amor!
- Para com isso.
- Como?
- Para de me chamar de amor em público. Já disse que não gosto.
- Mas a gente se gost...
- É... Não... Isso é, não dá, cara. Não dá.
- Que é isso? Vamos conversar. Tenho algumas coisas para dizer que...
- Não tem conversa. Não está certo. É! Não tá certo. Não quero levar essa vida... Virar piadinha.
- Por que está dizendo isso? A gente se dá bem.
- Não damos não. E tem mais, estou saindo com Meirezinha e é com ela que vou ficar. Estou trabalhando e você? Só estudando. Eu não, eu quero um futuro de sucesso e com você não será possível. Francamente!
- Por que não? Eu tenho algo para lhe dizer que...
- Não tem conversa, já falei. Tive um dia duro na Usina e agora quero me relaxar. Estou indo para casa da minha namorada. Então não me procure mais, Rê. Se me vir na rua, finja que não me conhece porque eu não te conheço.
Enquanto a sombra se afasta, nos olhos, uma lágrima teimosa e no coração, uma ferida besta.
Ainda olhando para o nada, pouco percebe quatro pessoas sentadas na esquina fumando pedras. Na outra esquina, atrás de um tronco morto de uma árvore, escorado no muro, um rapaz sentado com pernas arreganhadas, joelhos dobrados, cabeça baixa. Sua pedra é um sinal de vida morta.
- É claro que você é vencedô. Jesus é a vitória que Deus te mandô. – Canta uma mulher num vestido rosa com estampa de rosas brancas saindo da esquina do rapaz sentado e virando na esquina do grupinho.
Em algum ponto entre as esquinas um homem de cabeça baixa, ora balança-a, ora não. Agora não. Seu ombro direito escorado no portão laranja, barriga estufada, bundinha bem feita, pé direito levemente à frente do outro, perna esquerda esticada, joelho direito flexionado. Imóvel. Um minuto. Dois minutos. Cinco. Mais.
- Óóóóóóóóó! Échi úmachi dechigráchia, Basil. Óóóóóóóóó! Échi uncho chofripento. Échitacabando ôchi Echatado Junido. Óóóóóóóóó!
Um motoqueiro passa, ouve espantado os lamúrios gritados do homem e continua indo.
- Óóóóóóó! Pai é mãããe. Êêêêê. Pai é mãããêêêêê. Pai é mããããe. Óóóóóóó!
- Jesus é bão e o diabo não. Tô cum Deus. Tô cum Deus. Tô cum Deus, mermão. – Canta a mulher saindo da esquina do grupinho e voltando para onde veio.
Rê levanta os olhos e com o pouco que percebe caminha para a casa. – Tenho trabalho da faculdade para entregar. – Balbucia várias vezes, sem pensar. Sua vida continua. Igual a todos, ele tem momentos bons e ruins. Mas não falemos sobre isso. O que eu tinha para contar já foi dito. Eim? Se você chegou até aqui é porque não desistiu da leitura e está querendo saber mais? Ok, ok! Façamos assim, não vou dizer nada sobre Rê Nascimento, além de que ele se formou, montou com dificuldade um escritório de engenharia, encontrou alguém e se casaram no civil. Ah! Agora você quer saber sobre o cara que lhe deu o fora? Casou-se com Meire, tiveram três filhos, engordaram, se enfastiaram, divorciaram. Ela assistente de enfermagem e ele pião na fábrica. Já se passaram quase vinte anos e três ou quatro vezes se toparam na rua. Rerrê! O outro puxou conversa uma vez e Rê, espantado, educado e desinteressado, lhe respondeu. Nas demais, passou direto, quase sem percebê-lo.



Ofereço como presente de aniversário à
Fabi Dolabela, Ana P.P. Bejar, Mª Lurdes Carvalho e Lorena Rodrigues.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 24 de maio e 11 de junho de 2012.

¹ Alejandro Vera – músico do Uruguai – escreveu numa madrugada e postou no meu facebook.
² Frei PILONETTO, Adelino G. (organização) – Santo Antônio de Pádua: homem do Evangelho, confidente do povo – Petrópolis: O mensageiro de Santo Antônio, 1995 – FFB, nº 2.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

SETE CASCAS, MAIS OU MENOS


Obax anafisa.

Eu sou um cacto.
Conforme você os veja
verá a mim.



Terceiro domingo de maio no Pq. Ipanema com a boa companhia de um livro. E para brincar, um desenho de uma trepadeira sete cascas. Rapazes treinam “isleique laine” (slackline) entre o teatro de arena e o caramanchão, onde estou. Sento meio de lado da sete cascas, olho e, não digo retratá-la porque além de não saber desenhar quero apenas me inspirar e brincar.
- Benito! A gente se encotrô de novo. Legal!
Falam-me os irmãos Augusto e Guilherme e então conversamos sobre livros e desenhos. Que gostariam de desenhar como eu; que não gostam de ler. E eu repito o que falei semana passada “Basta desenhar pela diversão e pegarem em livros para descobriram o prazer da leitura”. Os garotos se entreolham duvidando.
- Pensem só. Vocês estão sem nada para fazer. Peguem uma revistinha da Turma da Mônica e se divirtam. Com o tempo procurem também outros tipos de leitura.
- É, Mônica eu gosto.
- Pois então. Leia e se divirta, Augusto.
- Revistinha tudo bem. Mas livros... Acho chato e difícil entender.
- Já ouviram falar no poema Ismália, de Alphonsus de Guimaraens? Vejam só uns pedacinhos “Quando Ismália enlouqueceu, pôs-se na torre a sonhar. Viu uma lua no céu, viu uma lua no mar. As asas que Deus lhe deu ruflaram de par em par. Sua alma subiu ao céu, seu corpo desceu ao mar”¹. Viram a imagem? Entenderam a história?
- Não... – Augusto falou meio indeciso, feito um aluno sabatinado pelo professor.
- Pensem bem. O que Ismália viu no céu?
- A lua. – Fala Guilherme
- E ela não viu mais nada?
- Viu outra lua na água. – Diz Augusto.
- O que ela fez?
- Pulou?
- Sim, Guilherme. Por que a louca fez isso e o que aconteceu?
- Ela queria a lua, mas acabou morrendo. – Responde depressa Augusto.
- Viram? Vocês entenderam! Não é um poema bonito? Triste, mas bonito.
Vou juntando minhas coisas, eles vão se levantando e então nos despedimos.
Sete rapazes treinam “isleique laine” ao pé do morrinho do teatro de arena. Um deles, mais gordinho, pisca para mim. Acho interessante o esporte e me abrigo à sombra de uma árvore. Entre leitura do conto “O que faz um escritor” e evolução do esporte cai uma chuva. Eles não desistem e eu me levanto diminuindo a possibilidade de me molhar. Ir embora? Parece ser dessas chuvas passageiras. Penso, então fico olhando e lendo. Agora são nove pessoas e o que me cumprimentou me dirige a palavra
- O que tá lendo?
- O Gato Sou Eu, de Fernando Sabino. Conhece?
- Não! Ele é de onde?
- É mineiro. Acho que foi um dos “Quatro Cavaleiros do Apocalipse”². Já ouviu falar?
- Não! O livro é bom?
Leio um trecho do conto Uma noite inesquecível “Eu estava perdido: a veneziana deixava passar riscas de luz, zebrando meu corpo nu de cima a baixo. Eu me sentia como se estivesse em exibição numa jaula. Espremido atrás da porta, mal conseguia respirar. Não era só o medo que me arrepiava a pele: era a humilhação de ser apanhado de calça na mão”.
- Puxa! – Sorri para meu sorriso. – Que legal. Posso pegar?
Entrego-lhe o livro. O rapaz folheia e lê umas páginas enquanto seus colegas caminham. Então lê para mim, olhando para mim, sorrindo para mim, as últimas linhas de Apenas um sorriso diferente “ao se pentear diante do espelho, notou que expressão surpreendida pelo marido em seu rosto já não lhe parecia tão estranha, como se agora fizesse parte de sua natureza: não apenas um sorriso diferente, mas, a ele acrescentado por antecipação, um ar de indefinível volúpia”.




Ofereço como presente de aniversário à
Bruno Grossi, Isa Zeff, Carlos G. Hidalgo, Adriana Garcia, Leandro Silva, Lua Salles, Amanda Vita.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 27 de maio e 04 de junho de 2012.

SABINO, Fernando – O Gato Sou Eu – Rio de Janeiro: Record, 1984