domingo, 27 de janeiro de 2019

DAS VANTAGENS DE SER HOMEM – parte 02


ou ES-BARRAGEM


O calor está pouco suportável; assim foram janeiro e fevereiro. E veja que os anos anteriores foram ainda piores. Pela janela, Adulto vê o vermelho do sol nascente prometendo uma boa sexta-feira; sorri, levanta-se e o telefone toca. Nena de Castro com voz destroçada recita sua quadra recém-composta:
Na partida minério x mineiros
quem ganha é a morte!
mineiro sem sorte!
cobiça forte!
A olhar pela varandícula pensa em Brumadinho, em seus desaparecidos, em seus mortos humanos e animais mortos e nos prejuízos pelo rompimento da barragem. Contempla o céu imaginando o que seria um chão coberto por chuva de flores: 

Suspira e vai a cozinha fazer o café para depois comprar pão, comer, lavar o banheiro, lavar roupas e preparar o almoço.
Porém ficam as vasilhas para serem lavadas pelo companheiro.
Mas voltemos um pouco no tempo.
- Já que estamos morando juntos será bom que me ajude na casa. Despesas, limpezas etc.
- Ah... Ok! Mas você sabe que sou livre.
- Sei, Moço. E eu também sou.
- Estou sempre de viagem; me fritando em raves.
- E eu a estudar e trabalhar. Mas enquanto estiver aqui, ajude-me em uma coisa ou outra.
- Ah... Ok!
Mas avencemos um pouquinho no tempo.
- Cara! Vou por seu nome como meu companheiro no meu plano de saúde.
- Ok, obrigado!
- Você terá que levar cópia de seus documentos para oficializar.
- Ok, obrigado!
Assim um fez, mas não o outro.
Voltando ao tempo atual e nele avancemos pouco a pouco.
Ficam na espera as vasilhas para serem lavadas pelo parceiro.
- Não gosto de ser cobrado, Adulto. Minha família me irritava porque me cobrava serviços e por isso saí de casa.
- Uai! Então faça sua parte para não ser cobrado.
- Eu já ia fazer...
- É? Quando? Passou-se a tarde de sexta, passaram-se o sábado e o domingo. Só não passou de hoje porque não esperei mais; lavei-as!
- É? Eu já ia lavar.
A semana correu tranquila. Principalmente porque Adulto ficou só em casa; com seus livros e visitas esporádicas do Girvany de Morais, Vinícius Siman e Xúnior Matraga. Estes recitam seus poemas e os discutimos:
RÉQUIEM PARA O MONSTRO
A quantas tragédias o Capitalismo ainda irá anunciar?
Sinto muito em te dizer: muitas ainda,
Porque é desprovido de compaixão,
Vendem nas bolsas de valores os seus cadáveres,
Nem se comoverá com o choro das viúvas e órfãos.
Anunciará um banquete para bendizer a sua usura,
E nada lhe interessa,
A não ser o famigerado lucro.
Primeiro discutimos a peça Lama-Sal, de Vinícius; depois, através de Réquiem para o Monstro, Girvany partilhou suas angústias e por fim Xúnior compartilhou seu amargor através da aldravia:
lama
homicida
quanto


uma
vida
O mês e o bimestre seguinte correram tranquilos, apesar do crime Ambiental em Brumadinho. Principalmente porque Adulto em casa ficou sozinho com seus livros e visitas esporádicas de amigos. Enquanto o Moço estava a fritar-se...
Mas como dizem: não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe.
Moço voltou de viagem. Cansado, chapado, adoçado... Dormiu toda a noite e a manhã quase inteira. Pela tarde saiu para fazer malabares nos semáforos. De noite Adulto tenta uma conversa.
- Está sabendo que Jean Wyllis está sendo ameaçado de morte e por isso está saindo do país?
- Quem?
- Jean Wyllys, o Deputado Federal...
- Ah! Um viadinho...
- Ei! Você também é viado.
- Mas não fico me expondo.
- Expondo? Ele está simplesmente sendo o que é. – Uns segundos se olhando e continua: Bem, ele está sendo ameaçado de morte.
- Aposto que é frescura dele. Exagero.
- Moço, ele tem recebido mensagens como “Vou te matar com explosivos”, “Vou estuprar a sua mãe antes de matá-la”, “Já pensou em ver seus familiares estuprados e sem cabeça?”, “Aquelas câmaras de segurança que você colocou não fazem diferença”.
Mas a bicha homofóbica não compreende os fatos. Melhor dormir. Na cama se esbarraram e tiveram um sexo bom. Quer dizer, nem tanto assim. Dormir seria melhor; e foi.
Pela janela, Adulto vê o vermelho do sol nascente prometendo uma boa quarta-feira; sorri e levanta-se. Faz o café, compra pão, come, lava o banheiro, lava a roupa e prepara o almoço.
Ficam as vasilhas para serem lavadas pelo companheiro; que mais uma vez as ignora. Com bom humor aquele publica no Caralivro:

- Rerrirrê. Fato. – Comenta a postagem. – Rirrirri. E o pior comediante é aquele que conta piada no momento errado. Rerrirrê.
A noite vem. E com sua mochila nas costas, contendo todas as suas coisas:
- Vou embora.
- Para onde?
- Por aqui mesmo, no Vale do Aço. Sabe que sou maluco. Quando me dá gana, eu me perco no mundo.
- Tchau. Que você se encontre. Adeus.
Suas ideias nunca se esbarraram. O coração, sim. Mas por curto momento. Porém, o importante é: Ô noite mais bem dormida aquela.
Mas não há bem que nunca acabe nem mal que sempre dure ou que não volte a ocorrer. Outros crimes ambientais continuam a acontecer no Brasil e outras barragens se rompem em Minas.


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Thais L. Macedo, Ginimar De Letras e Isaac Andrade.

Recomendo a leitura de:
“Simulada Sagração”, de António MR Martins:

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo no seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Chão de Flores – foto do autor
Rubem dando Bandeira – foto do Vinícius Siman.

História pensada em 2017. Mas escrita somente em 26 de abril de 2018; quase que em um só fôlego, mas em alguns momentos da manhã. Trabalhada entre os dias 14 e 27 de janeiro de 2019.

domingo, 20 de janeiro de 2019

DAS VANTAGENS DE SER HOMEM – parte 01


ou ALMA BRASILEIRA


 
- Que árvore é aquela?
- Hum. Parece sibipiruna, mas não é. Seu tronco é branco.
Marcelo e sua esposa fazem drinques enquanto observamos o mundo.
- Por que fascista não gosta de arte? – Muda drasticamente o assunto.
- O artista se põe na pele do outro, enquanto o fascista pensa em eliminar o outro.
- Algo escorpião...
- O animal?
- O signo. – Ri.
- Há realmente fascistas no Brasil?
- Através de outras palavras Jessé Souza diz que a história brasileira é feita sem união contributiva entre o que chamávamos de raças. A branca dominava as demais, reduzindo drasticamente as ‘contribuições’ dessas. Então me diga se historicamente o brasileiro tem empatia? É simpático?
- Em sua aparência!
- O Brasil e todo o continente americano, como bons descendentes de europeus, visam a eliminar os outros.
- O que bebe? – Outra vez muda de assunto.
- Não sei, bicho. Tem tequila, hortelã, morango e ficou bom pra caralho.
- Olha, não se ofenda. – Curiosamente, quando alguém diz isso é porque vai falar algo ofensivo... – Vejo você com muito tempo livre... E quem não trabalha encontra tempo suficiente para pensar coisas feias e realizá-las.
- Meu tempo não é tão livre assim. Veja que não encontro tempo para ficar vendo o que os outros fazem ou deixam de fazer... Não discuto que a desocupação pode dar tempo para pensar e fazer o que não se deve. Mas o ócio tem o bom costume de ser criativo; a dar tempo suficiente para pensar em coisas boas e belas assim como para realizá-las. – E diz um poemeto que cria na hora:
El cansancio anestesia
A quien no se pone en inercia.
Pero a mirar el nada
La mente se hace sagrada.
Outra vez muda de assunto:
- Janice voltou para onde veio?
- Não. Está viajando pelo Brasil, mas deve voltar.
- Vai continuar com ela?
- Nunca ficamos.
- Sei. Você, um libriano... E ela na sua casa...
- Na minha casa; não na minha cama.
- Que isso, véi. Você não é bobo; é de Libra. Tá sempre com uma listinha...
Não responde. Olha para a árvore e bebe um gole. A música ao vivo no Feirarte, os rapazes e crianças empinando papagaios mais o sol forte entram em seus pensamentos.
- Com quem está dormindo?
- Comigo.
- Rirri. Está em posição de aproveitar-se dela.
- Aproveitar não é deleitar.
- Mas é deitar.
Não responde; olha para a árvore e bebe um gole enquanto um pássaro voa. Sente saudade de seus livros que dizem mais que muitos.


“NÃO SE ACABA AMIZADE POR POLÍTICA,  /  Mas se você concorda que os portugueses não pisaram na África e que os próprios negros enviaram seus irmãos pra nos servir, a amizade pode acabar por você desconhecer de HISTÓRIA;  /  Se você concorda que o alto índice de mortalidade infantil tem mais a ver com o número de nascimentos prematuros ou, com falta de higiene bucal das mães, a amizade pode acabar por você desconhecer de CIÊNCIA;  /  Se você concorda que Carlos Brilhante Ustra não foi um torturador e que merece ter suas práticas exaltadas, a amizade pode acabar por falta de CARÁTER;  /  Se você concorda que não temos dívida social com um povo que foi arrancado de seu mundo para ser escravizado por outro e que diferenças de tratamento étnico-racial é historinha e mimimi de coitadinho, a amizade pode acabar porque isso é RACISMO;  /  Se você concorda que as mulheres devem ganhar menos por gerar vidas, que são frutos de 'fraquejadas' ou que merecem ser estupradas de acordo com sua aparência, a amizade pode acabar porque isso é MISOGINIA;  /  Se você concorda que não há possibilidade das pessoas viverem sua sexualidade livremente, com direitos e deveres como qualquer cidadão ou cidadã, mas que devam apanhar para aprender o 'certo', a amizade pode acabar porque isso é HOMOFOBIA;  /  Como pode ver, não se acaba amizade por política, mas por ser difícil se relacionar com quem apoia truculência, ignorância e desrespeito e, acha que tais 'conceitos' devem compor uma base política.  /  O fascismo não se discute, se combate.”.
Texto de Valéria Barros que recebi de Wenderson Godoi
por watzap na manhã de 03 de setembro de 2018.

Ofereço como presente aos aniversariantes:
Emilio Bigote, José C. Pinho, Jonhathan Pérez, Elizamara Freitas.

Ofereço aos mais recentes contatos que fiz no facebook:
Pierre André, Julio Cabral, João R. Laque, Sandra O. Silva, Estaylon Bandeira e Fernando Freitas.

Recomendo:
A leitura de “Vou lhe mostrar o medo”, de Nikolaj Frobenius, pela Geração Editorial. "Ela move os lábios, como uma bela máquina humana que ele, com uma ligeira pressão, pode manipular na cama como desejar. Ele..." Quer saber o que Poe fez? Bastar ler o livro.
A leitura de Pedro e os Lobos", de João Roberto Laque, pela Ava Editorial. "Depois desse curioso diálogo entre um piedoso carrasco-mor e sua vítima em frangalhos, o prisioneiro é levado a...". Quer saber aonde? Basta ler o livro.
Assistir:

SOUZA, Jessé. Sobrados e mucambos ou o campo na cidade. A Elite do Atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
O tronco – Foto do autor.
Rubem dando bandeira – Foto de Vinícius Siman.

Escrito entre os dias 14 e 20 de janeiro de 2019.

domingo, 13 de janeiro de 2019

JANELA PARA AS NUVENS



En el mundo de los libros de lectura […] las mayorías de las veces el pobre aparece solo para que sea afirmada en voz alta su condición privilegiada, su serena felicidad, su proximidad a Dios. (BONAZZI, ECO, 1974)


Da paisagem vista pela janela, metade da parte superior é perdida pelo toldo cinza; um terço da parte de baixo é o telhado da vizinha; e um quarto da visão lateral esquerda é a parede de outro vizinho. Tudo em sujos tons de cinza, marrom e vermelho. E do que sobra, hoje se vê nuvens claras em um céu azul esbranquiçado.
Vozes da casa do vizinho chegam altas, mas incompreensíveis.
Pensa no que disse ontem: Quem quer ser famoso não consegue porque investe na forma, na propaganda; não no conteúdo, na qualidade.
Mas ele próprio quer reconhecimento. Reconhecimento e respeito em vida; não depois de morto... Reconhecimento, respeito e dinheiro vindo de seu trabalho. Por isso investe mais na qualidade do que na propaganda. Crê no que diz. Incomoda-lhe a injustiça de outros se fartarem do esforço do artista.
- E o que tem de mal em seus parentes lucrarem? Ele é um egoísta, isso sim.
- Parentes que quase sempre nunca lhe apoiaram e mais comumente ainda lhe criticaram, agrediram, prejudicaram, zombaram.
- Parente é tudo; não importa se apoia. A utilidade do artista é dar satisfação; seja ao público, seja aos parentes... Não importa a quem.
- Parente não é família e familiar não é sangue.
- Mas é como o pobre, cuja utilidade é permitir a caridade que satisfaz os em melhor posição... Políticas públicas impedem o bem estar das elites em sentir-se o quão boas são. Já que os artistas só têm para vender a sua arte e os pobres, os seus braços, que aceitem então o intelecto de quem possui mais.
- Suas ideias são acéfalas. O topo da elite sabe que a “função” do pobre não é essa, mas sim mantê-la. Contudo, essa é a ideia que passam para classe média, que não passa de pobre iludido, achando ser elite. Mas os artistas – os artistas de verdade – não se deixam enganar e proclamam em suas escritas, pinturas, danças.
Os interlocutores em sua cabeça discutem enquanto ele olha pela janela a ver as nuvens.


Ofereço aos meus mais recentes contatos no caralivro:
Jacomar A. Braulio, Alcides Ramos, João Gabriel, Tiago Bastos, Ju Ferraz, João R. Laque.

Recomendo a leitura:
“Tipos de Escritores: os ensimesmados e os conversadores”, de Caio Riter:

BONAZZI, Marisa; ECO, Humberto. Los Pobres. Las Verdades que Mienten. Buenos Ayres: Editorial Tiempo Contemporaneo, 1974. P. 21-22.

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Janela toldo paredes – Foto do autor.
Rubem dando bandeira – Foto de Vinícius Siman.

Manuscrito em 31 de agosto de 2018. Digitado dois depois; trabalhado nas duas línguas entre os dias 07 e 13 de janeiro de 2019.

domingo, 6 de janeiro de 2019

DISFEMIAS



Sugiro a leitura deste cronto ouvindo a música
“1965 (Duas Tribos)”, do Legião Urbana:

A tarde no Parque Ipanema está quente, mas debaixo destes pés de eugênia parecem vir uma suave salvação. Menos acalorados, Benito Bardo Junior, Girvany de Morais, Lizardo de Assis, Julian Cabral e Vinícius Siman discutem a sociedade.
- Estudiosos da Bíblia usam de eufemismo ao se referirem a certos trechos delas. – Diz Benito. – Como chamar de “serva” a escrava de Sara que fora violada por Abraão. Afinal, ‘escrava’ mostra melhor que ela fora estuprada, enquanto ‘serva’ sugere que Agar dormira com ele porque quis...
- O mesmo se pode dizer das nações. Os países, principalmente os mais poderosos, usam de eufemismo quando mencionam seus erros ou malfeitos; diz Chomsky. E usam disfemia quando mencionam os erros ou malfeitos contra eles. – Girvany partilha suas ideias. – O mesmo fazem os indivíduos. E quanto mais poderosa é a pessoa, mas a culpa recai sobre o outro. Para a elite o bom inimigo é a que lhe dá lucro. Entenda quem tem cérebro.
Benito e Girvany discutem enquanto Vinícius, Lizardo e Julian refletem.
- O que as nações comemoram é amostra do que provavelmente virá a ocorrer. O que se semeia germina quando dela se cuida. – Interpõe Vinícius. – Estados Unidos, por exemplo, comemora o Pearl Harbor, mas “esquece” o que fez com a Indochina, Vietnã do Norte, Camboja e o Vietnã do Sul; e este último, mesmo passado cinquenta anos, ainda tem perdas de vida provocadas pelos cancerígenos lançados por USA.
Julian modifica levemente o assunto ao falar da força do corpo em relação à ética, à educação e à moral:
- El cuerpo humano, como torrente colina abajo, despeña semen y óvulo. Quiero decir, el poder del sexo es el poder de la carencia física y esta es destructiva.
- Eufemismo... Como lembrou Vinícius, transformamos em datas comemorativas os dias horríveis. Sobre o pretexto de relembrar para não repetir. Talvez tenha sido esse o objetivo de alguns dos muitos que criam tais datas. Mas não é o que o ser humano faz na prática do cotidiano. O oito de março é um exemplo mundial. O dezesseis de agosto é um exemplo Latino-americano. E o vinte e um de abril é um exemplo brasileiro.
- Día de los Niños en Paraguay… En el año de 1869 la Guerra del Paraguay estaba cerca del fin; lo sabemos hoy. En aquél 16 de agosto el ejército brasileño asesinó tres mil quinientos niños paraguayos. Y el Tiradentes es solo para divertir y no para hacer de Brasil la gran nación que idealizó.
- Triste o motivo de um país ter como data comemorativa um mal feito brasileiro. Partindo disso e pensando no que Julian falou sobre sexualidade, mudo um pouco o assunto. Falarei sobre a violência de gênero na adolescência. – Lizardo não mais mantém para si seus raciocínios. – O jovem tenta desempenhar alguns papéis sociais para construir sua identidade, mas quando não consegue bom desempenho fica confuso em sua identidade. Assim, o estresse, por ser inevitável, afeta a maneira como o adolescente enfrentará sua compreensão do mundo, como reagirá ao outro e...
- Que livro é esse?
Um menino interrompe a conversa. Ele vira a capa do livro “A Lógica dos Devassos”, de Ezio Flavio Bozzo e ficou curioso. Por ser ele muito pequeno Benito recorre também a um eufemismo... A questão que me surge é: o propósito deste eufemismo e dos acima discutidos são os mesmo?
- Este livro fala do que não se deve fazer com as crianças. Este outro, que se chama Pedagogía del Oprimido, ensina como um professor deve ensinar para que os alunos se tornem pessoas melhores e livres de verdade. Os outros dois são Quem Manda no Mundo? E Um Norte para a Psicologia.
- Como você se chama?
- Sou Benito, e estes são Julian, Vinícius, Girvany e Lizardo. E qual é o seu nome?
- Arthur, com dois “r”, um no início e outro no fim; mais um “h” no meio do “t” e do “u”...
A mãe do garoto o chama para irem a algum lugar que não interessa a essa história e que para aqui porque a vida continua e cada qual tem que pensar e agir.


Ofereço aos meus mais recentes contatos no “caralivro”:
Adinagruber C. Lima, Wilson Filho, Bárbara Brasil e Marcus Stymest.

Fontes de informação para este cronto:
CHOMSKY, Noam. Quem Manda no Mundo?. Renato Marques (trad.). São Paulo: Planeta, 2017.
FREIRE, Paulo. Pedagogía del Oprimido. 3ª ed. Buenos Ayres: Siglo Veintiuno Editores Argentina, 2009.
LIZARDO DE ASSIS, Cleber. “Entre Tapas e Beijos”: representações sociais sobre a violência de gênero entre adolescentes. Um Norte para a Psicologia: estudos psicossociais na Amazônia Ocidental. Organização: Cleber Lizardo de Assis. Curitiba: Editora Prismas, 2018.

“Essa música que a gente vai tocar agora é do Quatro Estações, se chama 1965 – Duas Tribos e assim, eu nunca vi ninguém falando sobre essa música, mas, basicamente, a música é sobre o um momento no nosso país que de repente fechou tudo.  /  E eu acho sempre importante lembrar, eu pelo menos gosto sempre de me lembrar que hoje a situação pode tá difícil pra caramba mas, temos uma coisa muito preciosa que é liberdade, então, eu posso vir aqui cantar, vocês podem vir aqui, vocês podem fazer a pergunta que quiserem. Isso eu acho uma coisa muito, muito importante, por que a gente se esquece que até pouco tempo atrás, de repente dependendo das ideias que seu pai tivesse, seu irmão, sabe, seu namorado, iam bater na sua casa, eles iam pegar essa pessoa e você nunca mais ia saber o que tinha acontecido com essa pessoa e ficou por isso mesmo, e não se fala nisso. É uma coisa muito perigosa de tipo assim: ‘não, a gente era feliz naquela época.’  /  Gente, eu não me lembro de ser feliz naquela época, não. Fazer redação dizendo que o presidente é maravilhoso, quando muito tempo depois, a gente descobre que pessoas estavam sendo mortas em nome de uma grande coisa que não se sabe o que é, então eu acho isso muito péssimo. E a música é sobre isso.  /  A música fala especificamente de tortura e fala dessa ideia toda do Brasil ser um país do futuro. E é sobre como seria legal se a gente encaminhasse o Brasil pra ser um lance legal por que chega de ser o país do futuro! A gente tem que ser o país do presente! Temos que viver agora.”
Blog de Geografia. Renato Russo fala sobre a música 1965 (Duas tribos) e a ditadura militar. Disponível https://suburbanodigital.blogspot.com/2018/04/renato-russo-fala-sobre-musica-1965-duas-tribos-e-a-ditadura-militar.html?m=1 . Acesso 31 Ago 2018.
Blog de Geografia. Exercícios, atividades, mapas, vídeos, reportagens e dicas educacionais. Este é um blog geográfico de divulgação do conhecimento e de ideias. Texto postado em 30 de abril de 2018. O discurso de Renato Russo foi feito na década de 1990, no entanto, ainda e infelizmente, bem atual.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Eugênia Sombrosa – foto do autor.
Vendo-me Além da Janela  – foto de GirvOli.

Manuscrito na manhã de 03 de setembro de 2018 e digitado no início da tarde daquele mesmo dia. Trabalhado entre os dias 31 de dezembro e 06 de janeiro de 2019.

domingo, 30 de dezembro de 2018

TUDO FALA. NADA FAZ.


Gostaria de desejar um feliz e próspero ano novo a cada leitor. Mas tenho minhas dúvidas se isso será possível devido às escolhas eleitorais brasileiras. Contudo, a esperança é a última que morre; assim:

Feliz e próspero 2019!
Força e coragem pra chegarmos a 2023.



Apaga as letras
o carvão do lápis,
não o nome.¹

Em português:
All that breathes is gone. Or not.

Pega o celular e olhando o telhado sob o céu nublado.
- Filho, amanhã terei que ir ao banco resolver algumas coisas. Fique com sua avó pra mim.
- Não posso.
- Mas amanhã é sua folga...
- Cuidarei do bebê.
- Traga a criança, uai.
- Não posso tomar conta de dois.
- Filho...
- Chama o seu irmão que vive com o dinheiro que deveria ser seu para cuidar dela.
- Não fale assim com a mãe. E você tem que ajudar sim. É o único que não colabora.
- Não sou obrigado a nada. E que cada um cuide de sua vida.

O fraco sol do fim da madrugada mal atravessara as nuvens escuras quando:
- Ranrã.
Olha para trás a ver quem o chamara. Continua sem sorrir ao reconhecer o sobrinho agressivo, mas lhe oferece a mão para um aperto enquanto ouve:
- Sacando uma graninha?
- Não. – Volta para o caixa eletrônico enquanto fala: só olhando o saldo.
Talvez pelo desinteresse do tio ou talvez pelo semblante sério e tranquilo, o sobrinho se desmotiva, por hora, a encrencar. E se vai.
Não se despedem.
Fora do banco, senta em um banco da praça a ler o livro “Quem Manda no Mundo?”, de Noam Chomsky; traduzido por Renato Marques e publicado pela editora Planeta. Depois da leitura do prefácio vai a casa preparar o almoço antes de ir ao Feirarte.

Marcelo traz pro protagonista coquetel com maracujá e limão. Aos demais, coquetel sem limão para um, coquetel com tequila para outro e cerveja para o terceiro.

- Águas Vivas Mortas é um experimento. Não uma obra para ser prima. Apenas uma visita às periferias do que me agrada. – Bebe um pouco do coquetel sem limão. – Veja: “um mar de montanhas morde sem alarde > a ferida arde as montanhas.”²
- Comprendo tus lucubraciones, Siman. También tengo las mías. Yo… Quiero caminar; volando me caí muchas veces. – Dá uma risadinha, bebe um trago do coquetel com tequila e continua: Conflictos mentales… No sabemos vivir. Por eso, digo a mi corazón: lo que no tiene remedio, sino lo cura el vino lo hará el entierro.
- Eu gosto de crianças. – O quarto amigo muda de assunto. – Crianças atraem mulheres; mulheres atraem homens...
Sem saber se ri ou condena, o quarto amigo se cala para ouvir quem canta hoje no Feirarte.
Esse que “gosta” de crianças... viajou muito em uma época em que ele contava alguma coisa. E nunca esquecera a pergunta do entrevistador sobre a forma que ele cantava em inglês e respondera: “My perfect English is British. My accent is to be elegant and erotic.”. O entrevistador, por sua vez, falou que não entende inglês. “Peça a alguém para traduzir minha resposta.” Respondeu encerrando a entrevista.
Mas agora, quem se lembra dele? Quem ouve sua bela voz? Contudo eu digo pensando na sociedade apontada por Chomsky:
Balamoeda
Morterriqueza
Menina
Bem-te-vi
Olhos
Tapados...
- Não compreendi esse bando de palavras desconexas. – Comenta o sobrinho que acaba de chegar do nada e pega a conversa no meio. – Quero falar com você.
- Ah... As palavras para você desconexas são uma aldravia. Mas a conversa será em outro momento porque agora estou entre amigos.
E assim a tarde vai como tudo que respira; ou não.

A segunda feira começou e avançou chuvosa mesmo depois do celular tocar.
- ... fico perplexa com a hipocrisia dele. Esteve aqui ontem de noite para falar pra mãe que te flagrou tirando dinheiro do caixa eletrônico. Dinheiro que deveria ser só dela, já que está cuidando da mãe de vocês dois e te ajudando a cuidar do irmão. E mais, já declarou que não vai ajudar a mãe, pois tem a própria vida pra cuidar e que cada um cuide de sua casa. Mas critica quem pouco ou muito faz o que ele não faz.
- Que desagradável.
- Não tem tempo para ajudar, mas para fazer fofoca o tempo sobra.
E assim o dia vai como tudo que respira.


En español:

TODO HABLA. NADA HACE.

Everything that breathes is gone. Or not.

Agarra el celular mirando el tejado bajo al cielo nublado:
- Hijo, mañana tendré que ir al banco resolver unas cosas. Necesito que te quede con su abuela.
- No podré.
- Pero, mañana tú no trabajas…
- Cuidaré del nene.
- Venga con el niño, oye.
- No puedo cuidar de dos.
- Hijo…
- Llama a tu hermano que vive con dinero que debería ser tuyo para cuidar de ella.
- No hables así con mamá. Y tienes que ayudar sí. Es el único que no colabora.
- No soy obligado a nada. No más, que cada cual cuide del tuyo.

El débil sol del fin de la madrugada mal atraviesa las nubes oscuras cuando:
- Janján.
Mira atrás a ver quién lo llamara. Continúa sin sonreír al reconocer el sobrino agresivo, pero le ofrece la mano para un apretó mientras escucha:
- ¿Sacando una platita?
- No. – Vuelve al cajero automático mientras habla: solo viendo el saldo.
Tal vez por el desinterese del tío o tal vez por el semblante serio y tranquilo, el sobrino se desmotiva, por ahora, a pelear. Y se va.
No se despiden.
Fuera del banco, sienta en un banco de la plaza a leer el libro “Who rules the world?”, de Noam Chomsky. Después de la lectura del prefacio va a casa preparar el almuerzo antes de ir al Feirarte.

Marcelo trae al protagonista coctel con maracuyá y citrón. A los demás, coctel sin limón para uno, coctel con tequila para otro y cerveza para el tercer.
- Medusas Muertas es un experimento. No una obra para ser prima. Solamente una visita a las periferias de que me gusta. – Bebe un poco del coctel sin limón. – Ve: “un mar de montañas muerde sin alarde; la herida arde las montañas.”²
- Compreendo suas lucubrações, Siman. Também tenho algumas. Eu... Quero caminhar; voando caí muitas vezes. – Reír, bebe un traguito del coctel con tequila y continúa: Conflitos mentais... A gente não sabe viver. Por isso digo ao meu coração: O que não tem remédio, se o vinho não cura, o enterro assim fará.
- Me gustan los niños. – Habla el cuarto amigo cambiando el asunto. – Niños atraen mujeres; mujeres atraen hombres…
Sin saber se reí o lo condena, el protagonista se calla para oír quien canta hoy en el Feirarte.
Ese que “gustan” niños… Viajó mucho en una época en que él cantaba alguna cosa. Y nunca se olvidara de la pregunta de un entrevistador sobre la forma que él cantaba en inglés y responderá: “My perfect English is British. My accent is to be elegant and erotic.” El periodista, a su vez, habló que no comprende inglés. “Pida a alguien para traducirte mi respuesta.” Contestó encerrando la entrevista.
Pero ahora, ¿quién se recuerda de él? ¿Quién oye su bella voz? Pero, digo pensando en la sociedad apuntada por Chomsky:
Balamoneda
Muerterriqueza
Niña
Bienteveo
Ojos
Tapados…
- No comprendí esa gavilla de palabras desarticuladas. – Comenta el sobrino que de pronto llega del nada. – Te quiero hablarte.
- Ah… Las palabras para ti desarticuladas son una aldravía. Pero la conversa será en otro momento porque ahora estoy entre amigos.
Y así la tarde se va como todo que respira; o no.

El lunes empezó y avanzó lluvioso hasta el celular sonar.
- … me quedo perpleja con la hipocresía de él. Estuvo aquí anoche para hablar para nuestra madre que te flagró sacando dinero del cajero electrónico. Dinero que debería ser solamente de ella, ya que está cuidando de la madre de ustedes dos y te ayudando a cuidar del hermano. Y más, ya declaró que no va a ayudar mamá, pues tiene la propia vida para cuidar y que cada uno cuide de su casa. Pero critica quien poco o mucho hace lo que él no hace.
- Muy desagradable.
- No hay tiempo para ayudar, pero para chismorrear el tiempo sobra.
Y así el día se va como todo que respira.


Recomendo a leitura de:
“Uma Palavrinha Sobre Utopia”, de Sued:

¹ MELO NETO, João Cabral de. O Funcionário. Poesia Completa e Prosa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. P. 51.
² SIMAN, Vinícius. Mil Coisas. Águas Vivas Mortas. São Paulo: Clube dos Autores, 2018. P. 19. Traducción libre de Rubem Leite.

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Telhado sob chuva (fotos 01 e 02) – foto do autor.
Será Ele?  foto do autor.
Vinícios e Girvany – foto de VinSim.
El Ratón Tarado – foto de JuliCab.
Rubem dando bandeira – foto de VinSim.

Manuscrito domingo, dia quinze de abril de 2018. Digitado em 25 de maio; trabalhado entre os dias 26 e 30 de dezembro do mesmo ano.