“Eu, caçador de mim”. Milton me diz e eu, Benito, só posso falar de mim. Só consigo falar de mim. Estou aqui no meu quarto com o peito opresso não sei por que, mas não me permito sentir pena de mim. Principalmente por algo que nem sei. Mas uma coisa que sei é que amo Lóri que não está aqui, comigo. Há uma vontade imensa de ser “coitadinho”, mas não sou homem de me deixar levar pelas vontades. Prefiro viver o que tiver que viver. Viver o que eu fizer.
Ontem eu fui e voltei para Governador Valadares. Na ida, ainda na rodoviária:
Um sorriso me chamou e eu respondi. Fui comprar uma água tônica, quando voltei o sorriso se aproximou e falamos não sei o que. Depois:
- Qual é a sua poltrona?
- 21 e a sua?
- ...3
- 1, 2, 3 ou 23?
- ...3
Depois dessa me afastei e entrei no ônibus. Sentei e olhei a paisagem da rodoviária – outro ônibus ao lado, o piso preto e o teto enteiado.
- Quer sentar aqui?
Minha vontade era não, Lóri. Mas não vi nada que justificasse a recusa.
- Eu sou Benito e você?
- Marconi.
- Tá indo a passeio?
- Não, moro lá.
- Ah! Tava aqui a passeio?
- Não, moro aqui.
- ...
- Moro lá e moro aqui. Fico nos dois lugares. E você, tá indo trabalhar?
- Vou e volto logo. É só uma reunião.
- E trabalha com o quê?
- Com arte.
- É pintor?
- Não! Falo rindo. Sou poeta e ...
- Verdade? Eu também. Meu sonho é publicar um livro.
- Conte um de seus poemas.
- Escrevo só para mim.
Nada falo, mas se quer publicar um livro como não escreve para os outros? É verdade que um escritor escreve para si. Porque tem que por no papel se não enlouquece. Eu mesmo falo de mim para que o leitor me ame. Ou odeie. Falo o que penso, sinto. Num ponto é sem me importar se gostem ou não. Escrevo por mim. De meu mundo. Para você. Mas um escritor escreve por ter necessidade de expor ao mundo a sua alma.
Alguns segundos e continua:
- Qual é a sua idade?
- Quarenta.
- Sério? Não parece. Eu tenho vinte e dois. E você escreve sobre o quê?
- Assuntos variados. Eróticos...
- É mesmo? Eu gosto de assuntos assim... E sempre embasado em suas experiências pessoais?
- Sempre, mesmo quando mundo uma coisa ou outra para ficar mais universal. Não invento nem aumento. Apenas o torno mais literário.
Marconi sobe na poltrona ficando de frente para meu perfil e segura no braço da poltrona que nos separa.
- São sempre pesados ou mais “laite”?
Enquanto fala suas mãos esbarram na minha cintura.
- Procuro não ser vulgar.
- Legal. Gosto muito de beijar. E de transar. E você?
- Também.
Em meus pensamentos: Meu Deus, esse cara ta quase me agarrando. Não tô a fim. E essa viagem que não termina.
- Você escreve sobre outros assuntos?
- Tenho alguns mais sociais. Outros são contos fantásticos...
- E os eróticos... Fale mais.
Em meus pensamentos: Minha Nossa Senhora, esse cara ta quase pegando no meu pau. Não tô querendo. E olho para o relógio. Estamos ainda na metade da viagem.
- Tenho um personagem, o Rubem. Nele eu coloco as mais variadas situações que vivi e ...
- Você tem um personagem? Eu também. Quando crio estórias infantis. Meus sobrinhos preferem uma sobre um coelhinho.
- Conte para mim.
Marconi esbarra uma das mãos no meu braço. Fica uns segundo e a retira.
- Não sei. Fico sem graça.
- Fala! Quero ouvir.
- É mais ou menos assim...
Marconi esbarra uma das mãos próximo ao meu umbigo. Fica uns segundo e a retira.
Ai! Na próxima vez ele vai colocar a mão é no pinto mesmo. Ele até que é interessante, mas não o quero. Lóri! Onde está você? E Valadares que não chega, meu Deus.
- Legal sua estória. Eu escrevo mais em prosa do que em verso. De poesia eu prefiro haicai. Conhece?
- Não!
- Gosto tanto de haicai que um dos meus cachorrinhos se chama Haicai. Haicai é feito assim: São três versos. O primeiro tem cinco sílabas e nele você lança uma idéia. O segundo verso tem sete sílabas e comenta a idéia. E o último tem cinco sílabas e conclui a idéia, mas deixando margem para a viagem do leitor.
- Legal! Você é tímido?
- Um pouco.
- Estou vendo...
- Ih! Chegamos. Olha. Gostei de conversar com você e talvez a gente possa se encontrar algum dias desses. Se quiser, anote o meu blog e nele você poderá me encontrar. Tial.
- Tial.
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