segunda-feira, 27 de outubro de 2008

OS PICA-PAUS 2

- Benito!
- Eim? Ah! Brasil, é você?
- Sim.
- Mas meu amiguinho, que tristeza é essa?
- A Diva... Ela... Ela morreu. Chora o pica-pau.
- Que isso? Como?
- Ela pousou no asfalto um minutinho e um carro a pegou.

Minhas lágrima me impedem de falar por quase um minuto.

- Fiquei a noite toda numa árvore chorando. Amanheceu e um motoqueiro a pegou. Ouvi ele dizer que vai aproveitar seu bico para fazer um brinco e de suas penas uns colares. E outros enfeites com seus pezinhos.

Não tenho palavras. Sei que é bom que ela seja útil, mas gostaria que ela não fosse usada para algum ganancioso ganhar dinheiro às suas custas.

- Talvez tenha sido melhor assim, Benito, pois na mata ela seria apenas comida de vermes. Mas agora o seu final não será um fim.
- Brasil. Que bom que pensa assim. Gostaria que vocês tivessem algum ritual religioso... Ou vocês têm e eu não sei?
- Temos não.
- Bem, como eu ia dizendo, o que eu quero dizer, seria bom que a memória dela fosse respeitada pelos outros, como é para nós dois e não apenas mercantilizada. Espero que o sujeito que a pegou não seja mísero mercenário, mas que tenha algum respeito.
- Também espero. No mundo as pessoas acham que o meio ambiente não tem vida ou se tem não vale nada. Sua função é servir ao homem.
- E o homem é apenas uma parte do meio ambiente... E nos achamos o senhor enquanto o meio ambiente é escravo para ser explorado... Ah! Maldita visão cristã. Por isso, digo, Brasil, que tenho tanto amor a Cristo que não posso ser cristão. E olha que tem a visão da Teologia da Libertação que é melhorzinha, melhor mesmo. Mas a “Regressão Antipática Caquética”... Deus os perdoe. É a inquisição, que de santa não tem nada, querendo infernizar a Terra de novo. Com esse tal de Maledito XVI, então? Cê sabia que ele, enquanto Cardeal, já esteve em Ipatinga?
- Não!
- Sim! Ele expulsou um Padre e alguns Frades que trabalhavam pelo povo e não pela escravização humana, como a Igreja sempre fez.
- Benito! Eu sei que eu e Diva somos apenas passarinhos e muitos humanos não nos dão valor. Apenas nos exploram. Mas porque o ser humano é louco no trânsito? E fazem de tudo para acabar com os “pardais”, aquelas máquinas?
- É pela sanha em correr a toda, não se importando com a vida alheia. Eles dizem que o “pardal” cerceia a liberdade deles e os multam injustamente. Mas penso, sem medo de ser feliz, que a liberdade de prejudicar alguém deve ser impedida mesmo. Se eles têm liberdade de correrem a toda sem pensar nos outros nós temos a liberdade de não aceitar e lutar para que eles sejam barrados. E não adiante dizerem que não querem correr, por isso o “pardal” é errado. Se eles tivessem boas intenções não reclamariam por algo que beneficiará a sociedade. A Espanha, que tinha o pior trânsito da Europa, e talvez do mundo, está com um trânsito maravilhoso depois que investiu em multar com milhares de Euros, condenar a prisão e muito mais.
- Ah! Humanos...
- Ou será “desumanos”?
- Desumano não, Benito, que eu não sou humano...
- Mas voltando ao cara que pegou a Diva para fazer artesanato... Temos entre nós a doação de órgãos. Já ouviu falar?
- Já, mas não sei o que é.
- Cê é bem informado, hem? Saber que existe doação de órgãos...

Pau Brasil apenas suspira. Eu suspiro junto e digo:
- Quando uma pessoa tem algum órgão vital comprometido, temos capacidade de aproveitar o mesmo órgão de alguém que acabou de morrer naquele que está precisando. Não são todos os órgãos, mas a maioria.
- Que bom! Aquele que morre continuando a missão de Jesus de dar sua vida por outro... Não sou religioso, Benito, mas penso em algo assim.
- É meu amiguinho. Doar algo é lindo...
E não lhe falo da dificuldade que é convencer os cristãos a amarem e compartilharem o que não lhes farão falta...
- Gostaria que Diva pudesse doar seus órgãos para outros pica-paus... Bem, tial.
- Tial.

E meu coração chora acompanhando seu vôo solitário e pensando em Lóri.

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- Lóri, ta indo pra onde?
- Oi Max. To indo pro Centro.
- Quer carona?
- Quero, mas vou pagar com passe.
- Sobe. Olha o que achei morto logo ali.
- Um pica-pau. E amarelo.
- Ah! É pica-pau? Vou fazer artesanato. Cara, fico triste em ver um bichinho lindo desse morto. O que me consola é que vou fazer algo bonito, quase tão bonito como ele era em vida. Mas sobe.

Subo na moto. Max me dá o pica-pau para levar.
- Que será que Benito vai falar quando eu lhe contar? Penso.
Já no Centro:
- Lóri! Não me lembrava de como era um pica-pau. Já vi quando era criança, mas depois nunca mais vi. Exceto hoje. Morto... Toda vez que assisto aquele desenho, o Pica-Pau, eu rio me lembrando que pica-pai anda daquele jeito. Mas não me lembrava da aparência do bichinho. Se você não tivesse me falado eu não saberia.
- Eu o vi um dia desses. O Benito é que me apresentou a um casal de pica-pau, amigos dele. Falo e entrego o bichinho.
- Será que esse é...?
- Espero que não. Eles são muito simpáticos. Bem vou indo. Quanto é?
- Dois passes ta bom.
- Eparrê, meu pai. Hum huuuum misifi. Eeeparrê, meu pai. Hum huuuum misifi. Tome. Dois passes. Rirri.
- Cê ta muito amigo do Benito. Até aprendeu a brincar feito ele. Rarrá.
Sorrindo pego os passes e os entrego.
- Lóri. Pega aquela sacola pra colocar a ave dentro.
- Que sacola?
Pergunto, procuro com os olhos, acho, pego e entrego para ele guardar.
- Inté.
- Inté.

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