quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

SAUDAÇÕES DA MARGEM DA VIDA*

O vento baila as árvores lá longe. Olhando pela parede de vidro do sétimo andar do que já foi a Prefeitura Municipal de Ipatinga. Não! O que você está lendo e o que doravante ouvirá não é uma obra apocalíptica. Estamos no fim de uma indigestão política que ameaça perseverar por mais quatro anos, impedindo por questões políticas (leia corrupção) que os Eleitos não assumam o posto que o povo lhe deu.
Agora eu me levanto para trabalhar. Tenho que limpar os três últimos andares da ex-prefeitura. Limpo ruas e limpo a prefeitura. Trabalho nas ruas, estou contratado para as ruas, mas fico aqui... Sem melhora no salário e mais trabalho.
Engraçado! Passaram por mim jovens, adultos e idosos. Passou o im-prefeito. Passaram “tunfe”. Ah! O “tunfe” foi o som do esbarrão que um homem me deu. Uai! Cadê ele? Continuando, passaram dois religiosos cristãos e um pisou no meu pé.
Ninguém me cumprimentou nem sorriram e nem se desculparam. Não é engraçado.
Quem sou eu? Sou Benito Bardo Junior, um seu criado. Sou universitário. Estudo Letras. E para pagar a Faculdade faço limpeza pública.
...
- A Secretaria de Saúde não me ajuda em nada.
- Somos cidadão, né! Estudantes! Deveríamos ser respeitados e eles não ...
O fragmentos de conversa acima eu peguei semana passada. Alvim e Kenim. Dois colegas. Quando os vi parei a limpeza, não sei pra que. Escorei na ponta do cabo de vassoura e sorri para eles e mesmo com menos de um metro de distância eu perdi suas falas ao passarem pela porta.
Bem, volto para o tempo presente. Tenho muito o que limpar.
Por que tanto papel no chão se o que não falta são lixeiras? Não pensam nos limpadores. Não pensam no povo que passa. Como diz a Seicho-No-Ie “O meio ambiente tem alma como a gente”. Esquecem do meio ambiente. Tudo bem que o Autoritário é lixo, mas não justifica o povo emporcalhar tudo.
Mais uma vez, vamos ao meu passado? Um passado próximo.
- Benito! Vamos fazer um churrasquinho lá em casa, sábado. Quer ir? É a americana. Não vai faltar gata.
- Oba! To indo. Quero dizer: to dentro, to fora. To dentro, to fora.
- Então, até lá.
- Inté!
- Oh, véio!
- Alvim, malandro.
- Ce que saca de português. Explica isso para mim.
- Agora?
Voltemos ao serviço. Quer me ajudar? Pegue aquela vassoura ali. Termino o meu trabalho e vou estudar. Curso noturno. De tarde, limpando as ruas ou a ex-prefeitura. De manhã, sou voluntário do GASP no Arrastão Solidário com Marcela, Sindi e Julierme. Onde investimos em crianças em situação de risco para que tenham como resolver as violências que vivenciam\sofrem (Sobre o GASP veja 031-3822-4565 ou http://ppgasp.blogspot.com).
- O que você sonha?
- Não responde não porque eles são do conselho tutelar e vai te levar para a cadeinha.
- Não somos não. Somos do GASP.
- Vou responder sim. Eu sonho em ser feliz e ter família.
- Nóó!
- Ah! Tem mais uma coisa. Sonho também com uma bicicleta.
- O zoiudo. Ce quer tudo.
É tarde. Estou terminando a limpeza. Como estou atrasado vou de uniforme mesmo. Vem comigo? Vamos na minha moto. A Possante Engasgante. Cabei.
Chegamos na faculdade. Passamos por Marcos, Lídia, Davi. Passamos por Kenim. Passamos por dois professores. Ali está o Alvim. Passamos por mais colegas. Chegamos. Aqui é o banheiro. Tiro o uniforme, limpo-me. Fique aí e veja. Saio.
- Boa noite, Benito. Diz Kenim.
- Boa noite!
- Entendeu a matéria? Pergunta Lídia e o grupinho olha para mim. Tapinhas nas costas. É o Alvim me cumprimentando.



* Título retirado de uma frase do livro FIRMIN, de Sam Savage, Edt. Planeta do Brasil Ltda, cap. 06

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