domingo, 22 de agosto de 2021

UXI

OITI, IPÊ, SIBIPIRUNA, PÉ DE VACA

 

 

CASA DOS ARTISTAS MUCHILEIROS

Novo endereço:

Rua Uxi, 144 Limoeiro Novo

35181-415 Timóteo MG

(Para vir de ônibus:

Fabriciano: para Macuco

Timóteo: para Macuco ou para Recanto Verde). 

GUARDA-NOTURNO

(De Girvany de Morais)


A noite é bela,

mas tenho que guardar almas,

as almas são minha missão,

eu preciso dormi-las

no seu justo descanso.

Eu amo a noite que me dá

o sagrado pão,

que me dá a lua e as estrelas,

então tenho que guardá-las,

para que ladrões

não as roubem.

 

Hoje um uxi percebeu que há tristeza boa.

Sempre soube que a tristeza pode ser bonita. Por exemplo, a pintura de um casebre bem pobre ou uma música. Ou a vista da rua onde moro. Pensar no próximo além de si são, entre outras coisas, belas tristezas. 

Para muitos sou uma pessoa, para poucos sou pai, para os demais sou mãe. Mas a tristeza que descobri hoje é que que a ida de meus filhos  não biológicos, mas de verdade – me faz chorar.  Em todos os casos – pássaros filhos e outros pássaros – eles voam do ninho como pássaros que são e árvore que sou.

Estive oiti com o ninho mais duradouro em mim, mas mais de um ano da segunda partida o casal foi morar na cidade vizinha. Amo-os muito. Outros pássaros pousaram e se foram no oiti,

Estive ipê com três Uruguaios. Um inteligente, “na dele”, solidário; outro inteligente, brincalhão, bom coração. E a terceira inteligente e boa pessoa; meu sentimento por ela é de tio. Outros pássaros pousaram e se foram no ipê.

Estive sibipiruna. O segundo a ir-se foi um argentino. Muito gente boa. Sinto muitíssima saudade. Outros pássaros pousaram e se foram na sibipiruna. 

Estou pé de vaca. Hoje tem um ninho com os progenitores e dois filhotes. No parto do caçulinha o pai não pode participar porque perdera os documentos. E eu tive – não como sofrimento, mas como dádiva – participar de todo o trabalho de parto. Fui o primeiro a segurar o bebê no colo e cortei o cordão umbilical. Do casal sou pai real, não biológico, dos filhotes sou um avô verdadeiro. E um dia possivelmente voarão do ninho. Nesse meio tempo outros pássaros pousaram e se foram. Outras mais virão e irão no pé de vaca.

Grandes angústias. E a consternação, nesse caso, é bela.

Árvores ficam; sou uxi. Pássaros voam; abandonam o ninho. E os uxis aguardam numa triste beleza.

Meus filhos, não de sangue, mas de verdade, cometem tantos erros, mas são gente. Não digo homens, mas pessoas. pássaros! É a humanidade sempre está ou deveria estar a progredir. Eles avançam, voam, revoam, avançam.

Seus voos me doem, mas ser pai é libertar os filhos.

Ser árvore é ora sustentar ninhos encantando-se com os alvoroços e ora aguardá-los.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Marcia Regina, Gonzalo Schnieper e Ronal Faria.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens – fotos do autor.

 

Escrito na tarde de 13 de junho de 2021. Trabalhado no mesmo ano, mas entre 15 e 22 de agosto.

domingo, 15 de agosto de 2021

JÁ NÃO SOU MAIS JOVEM PARA ACHAR QUE SEI TUDO DE TUDO

 

Terceiro domingo na casa em Timóteo. Bairro Limoeiro.

 

“Eu já vi crianças tendo de fazer todo tipo de trabalho doméstico”. Os Auditores Fiscais do trabalho veem uma realidade que poucos conseguem ver. Não feche os olhos para isso e apoie nosso trabalho pela erradicação da exploração de crianças e adolescentes. (Sinait – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho). 

- Comecei a trabalhar com sete anos. – Diz SCS. – Até hoje, com setenta e dois anos, trabalho. Defendo meu pão com honra e dignidade

- Parabéns, dona SCS. – Responde Benito. – Trabalhar é bom e gosto. E fico imaginando como seria aos sete anos brincar, ler, estudar. E aos setenta viajar, divertir, novas coisas conhecer. Neste meio tempo, quando jovem e adulto, trabalhar, ler, trabalhar, viajar, trabalhar, estudar, trabalhar, divertir, trabalhar.

- Quando as crianças aprendia trabalhar, tornavam se adultos responsável. – Contesta SM vendo a olhada que recebi de SCS. – Viravam pessoas descente. Agora com essas lei que existe tão se tornando tudo coisas que não vale a pena. A criança que aprende a trabalhar não tem tempo para aprender o que não presta.

- Verdade, SM! – Benito responde. – Criança que trabalha não tem tempo de aprender. Por isso tem tantas igrejas e poucas bibliotecas nos bairros e nas cidades. Ajudar nos serviços da casa, fazer pequenos serviços não é problema e o ECA não só não condena como aprova. Ter que trabalhar pesado quatro, seis, oito, doze horas por dia se foi o seu passado é lamentável, triste. Pena a senhora desejar o mesmo para os outros.

Do salão da igreja algumas pessoas saíam discretamente da palestra. A discussão não interessa; somente a concordância satisfaz...

- Eu tive uma infância feliz. – SM retruca. – Na minha casa somos onze irmãos e aprendemos desde cedo a trabalhar. Viemos de uma família humilde. Meus pais nos ensinou a trabalhar e hoje temos orgulho de tudo que aprendemos.

- Que bom que sua felicidade não lhe impôs o desejo de ler mais, divertir-se mais, estudar mais, posicionar-se no lugar do outro. – Benito intervém outra vez. – Já eu não sou feliz e por isso leio muito, estudo muito, calço o sapato do outro...

- Eu comecei com doze anos e hoje, com cinquenta e sete, estou aposentado e ainda na ativa. – O, até então calado, AB entra na conversa. – Então não me venham falar que trabalho mata. O que mata é o inescrupuloso querer fazer a criança trabalhar acima da sua capacidade física e mental. Fora isso pode sim, mais com todas essas leis erradas, estamos criando uma geração em que tudo está errado.

- AB, sim, verdade. O senhor trabalhou de oito a dez horas por dia nos trabalhos mais pesados e insalubres e ainda estudou bastante... Mas por que perdeu tempo estudando? As quatro horas na escola poderia ser utilizado trabalhando; e assim o senhor teria entre doze e dezesseis horas de utilidade. Mais o tempo que ficou estudando em casa poderia ser utilizado para o benefício da empresa. Então umas dezesseis a vinte horas de valor que o senhor teria.

Benito, o mordaz, volta a falar. E o número de participantes diminui.

- Quando a educação for para todos o espaço político será para poucos. – Pega o livro “Feminismo em Comum: para todas, todes e todos”. – Marcia Tiburi diz “Não há nada mais importante na vida do que aprender a pensar, e não se aprende a pensar sem aprender a perguntar pelas condições e pelos contextos nos quais estão situados os nossos objetos de análise e de interesse”. Não é bonito uma criança vender latinhas para fazer a festa de seu aniversário e não é lição de vida uma senhora de mais de setenta anos entregar lanches para comprar os remédios do marido.

- Condições? Você vem falar de condições!?! As condição é Deus acima de tudo e Brasil acima de todos.

- Não há Deus acima de tudo nem pátria acima de todos se o povo estiver abaixo do nada. Isso é o país em estado de putrefação.

O salão fica somente com Benito e o padre.

- Triste eles não quererem ouvir...

- Tive sorte. Pouco tempo atrás um professor, colega meu, recebeu pedradas por querer ensinar a pensar.

Ao sair da igreja olha para ela e reza o que está na faixa: São Sebastião, homem de fé, protetor do povo. Rogai por nós.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Denise Maria, Sandro P. Dias, Rômulo Gomes, Marilda Lyra, John Alexander, Hugo Victor, Magali Ramos e Carlos Glauss.

 

TIBURI, Marcia. Feminismo em Comum: para todas, todes e todos. 15ª ed. Rio de Janeiro: Rosas do Tempo, 2021. P. 10.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens – fotos do autor.


Escrito na madrugada de 12 de junho e trabalhado na noite de 14 de agosto para ser publicado na manhã seguinte. Tudo em 2021.

domingo, 8 de agosto de 2021

EDUCAR PARA VOAR


Domingo passado não foi publicado texto porque mudei de residência e estava sem internete.

 

Todos os professores da Rede Municipal foram obrigados a deixar de aula para assistir a palestra de Ingrid Vilela. Foi horrível, horrível, horrível. Uma mistura de pregação religiosa com autoajuda e grande desperdício de dinheiro público.

 

- Oi! Eu disse que não iria a palestra, mas o diretor ficou falando que a palestrante é excelente. O que vocês acham? Perdi por não ter ido?

- Professora, a mulher não falou nadica de nada sobre educação. Ficou falando que, com exceção dela, todos os seus familiares têm alta comorbidade. Mas ela teve uma série de desgraceiras doenças únicas ou quase únicas no mundo e sobreviveu a todas.

- Entendi. Ela saiu do objetivo, né?

- Não, ela não saiu do objetivo. Ela não entrou no objetivo. Não falou absolutamente nada sobre educação. Se autopromoveu o tempo todo: como ela se cura; como ela tem inteligência única no mundo; e coisas sem sentido como de alguém que queria suicidar-se pulando de uma janela que ficava sobre o carro dela então orou a Deus para o carro transformar-se num pula-pula ou cama elástica e a pessoa batesse no carro e “pluim”, quicasse. Não entendi se a prece foi atendida ou não. – Risos. – Só sei que nada na palestra era ligado à educação. Então a mulher não fugiu do assunto; ela não entrou no assunto.

- Para mim a palestra teve seus valores. Coisas que vou levar pela vida. Outros pontos penso que poderia ter sido melhor abordados. Mas no geral foi válida.

- Que valores levará contigo? Aquele que ela diz que sente prazer quando ouve os outros gritando desesperadamente de dor? “Fico feliz e alegre quando alguém está sofrendo muito com dor; quando frita de dor. Porque é sinal que a pessoa ainda tem fôlego e está viva para gritar”. E a dita cuja ainda usou como exemplo o sofrimento de pessoas famintas.

- Você não entendeu. A doutora Ingrid falou que fica feliz porque é sinal que a pessoa está viva.

- Tá. Então a pessoa está desesperada de tanto sofrimento e fica contente em manter a pessoa nessa situação insuportável. É isso? Pois segundo o cristianismo o lugar onde as pessoas ficam indefina ou infinitamente em sofrimento insuportável é chamado de inferno.

- E a educação para voar? Só vi uma pomba avoada. – Intervém outro colega. Aproveito este momento assim como a participação de outro colega para olhar pela janela a chuvinha miúda no morro à frente. 

- Mal mal uma galinha grasnante. Aquilo não voa não. Só pula atrapalhada. Não desejo essa palestra para nenhum ser humano. Exceto para Boçalnato, mas Boçalnato não é gente então não tem problema.

- Ô, pessoal! Pega leve...

- Pegar leve?!? – Retomo a palavra. – A sujeita disse: “A pandemia não matou ninguém. Só revelou quem tinha debilidades...” Além de ter sido um negacionismo, uma culpabilização das vítimas. Foi também uma forma de inocentar essa política de extermínio dos governos Federal, Estaduais e Municipais.

- E quem era o merda que ficava dizendo “amém” pra tudo que a pastora, digo, pa-les-tran-te falava?

- Não faço ideia. Mas infelizmente é uma prova que têm professores que não são mais referências de coisa boa, de inteligência, coerência...

- E a palestrante cobra caro e tem gente disposta a pagar para ouvir absurdos e ridiculezas.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Siomar Queiroga, Vera Tufik, Teuler Guimarães, Thieres Ramos e Derick Ândres.

 

Hoje (08/8), 20h lançamento “onláini” de Socos e Alívios, de Girvany de Morais:

https://www.facebook.com/events/563518981343356/?acontext=%7B%22event_action_history%22%3A[%7B%22mechanism%22%3A%22your_upcoming_events_unit%22%2C%22surface%22%3A%22bookmark%22%7D]%2C%22ref_notif_type%22%3Anull%7D

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagem – foto do autor.

 

Escrito entre os dias 06 e 08 de agosto de 2021.

 

domingo, 25 de julho de 2021

SANHA DOS SONHOS

  

Sentado, olho para cima a admirar o ipê rosa e o céu azul pálido. Comigo estão meus pensamento e sentimentos; tristes e agourados. Estão também O Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato mais A Língua de Eulália, de Marcos Bagno para me consolarem e fortalecerem.

Esteve na Praça Primeiro de Maio (Ipatinga) uma barraca para alistar apoiadores para Boçalnato. Uma musiquinha rezava “os comunistas vão fugir, esconder”. Não me passa pela cabeça como alguém possa querer destruir tanto que alguém precise fugir, esconder-se...

Sei que essa é a prática.

É como define Nietzsche (ou como escreverei doravante: Nite) “Ser forte é ser mau. Ser bom é ser fraco”. Partindo do que ainda mais falou Nite no seu livro O Anticristo compreendo: o “deus” no judaísmo, cristianismo e islamismo teve três involuções.

Primeiro era um deus forte e invadiu Canãa e exterminou toda a população. Toda! Homens e mulheres: crianças, jovens, adultos e idosos. Era um deus mal, portanto, forte. Quando o Catolicismo tinha poder usava de violência como bem nos mostra a “santa inquisição” mais a sua ação na América Latina e o protestantismo na América do Norte; como mostra o cristianismo na África, Ásia, Oceania.

Depois tornou-se um Deus praticante do bem e do mal: “Para que se saiba, até ao nascente do sol e até ao poente, que além de mim não há outro; eu sou o Senhor, e não há outro. Eu formo a luz e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas as coisas” (Isaías 45, 06-07). Tornou-se um deus “que rouba, mas faz”, um deus político.

Em sua terceira fase tornou-se apenas bom e o demônio passou a ser algo efetivo: o mau fazedor do mal. Deus tornou-se fraco. Justifica-se que deus permite o diabo para deixar a humanidade livre para escolher o lado que preferir. A verdade, porém, é que ele não teria força de decisão.

As religiões, para justificar sua existência, precisou promover a cisão entre o bem (fraco deus) e o mal (forte diabo). E a força para propagandear é dizer que um deus bom é o que tem de melhor.

Eu não discutiria se isso fosse a verdade: Deus bom é forte e o ideal. A verdade é, diz Nite e quem mais for pensante, que o homem é mau e pratica o mal. Criou as religiões para dar a doce ilusão de um bom futuro no céu se aceitar viver baixo a maldade alheia, pois essa é a garantia de um cantinho no Paraíso.

Dizer “o homem criou as religiões” é dizer “a humanidade criou Deus”? Não discutirei isso; por hora. Discuto as justificativas humanas para o mal; como:

Preto não tem alma. Para não irem pro inferno devem ser escravos aqui e, quando morrerem, os bons pretos merecerão ser escravos no Céu.” Mas se não têm alma, como irão pro inferno? Essa é a ignorância cristã. Não tem lógica, mas tem ganância.

Os “livros sagrados” gritam não pode homem com homem, mas se calam mulher com mulher não pode. Isso porque sexualidade feminina não se considera... O amor entre homens é vedado, mas a prática masculina do incesto, da pedofilia, do estupro, da guerra, da violência e da escravidão são aceitáveis. Por quê? A lógica é procriar mais guerreiros e produzir mais operários sem se importar com quais meios.

Já tive vontade, muita vontade de dar aula de religião:

- Alunes! Nas igrejas vocês encontrarão Satanás. Cuidado ao passarem na frente de uma; é a porta do inferno. Sabe essas cantorias e discursos que se ouvem nas igrejas? São os gemidos de agonia dos torturados no inferno e os palavrões dos demônios. 

Levanto-me e após alguns passos admiro o ipê rosa, outras árvores, a estrada, o céu azul pálido com o sol a pôr-se e os postes apagados. Tenho o que escrever para produzir pensamentos. Tenho que ensinar para promover pensamentos.

- Iguais aos seus?

Perguntaram-me, perguntam-me e hão de perguntar-me.

- Produzir pensamentos e reflexões; não cópias de minhas ideias que não sou de igreja. Produzir pensamentos e reflexões; eis a sanha de meus sonhos.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Emilci R. Martins e Silvia M. Coronel.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens – fotos do autor.

 

Sem anotação de quando comecei a escrever, mas encerrado em 25 de julho de 2021.

domingo, 18 de julho de 2021

CORAÇÕES

Retrato dos corações:

  

PERIGO!

Este cronto é o último de uma novena a pensar criticamente a Bíblia. Se isso te amedronta pare por aqui. Está avisade. Se continuar será por sua conta e risco. Não me responsabilizo pelo desconforto que sentirá, pois é difícil não ser misantropo quando se tem neurônios funcionais.


Se o marido provar que não se casara com uma virgem, levará a jovem até a porta da casa de seu pai e os homens da cidade a apedrejarão até que morra.

(Deuteronômio 22, 20-21)¹

 

 

Dona Júlia é dona de casa. Estudou até o final do ensino médio e quatro anos depois casou-se com Jorge, de trinta e um anos na ocasião. Agora, aos trinta, tem oito anos de casada.

Está a maquiar-se com atenção redobrada no olho esquerdo. Pelo espelho vê a filha sentada na cama:

- Anjinho! – A mãe fala para a menina de cinco anos. – Fecha as pernas porque moça educada não senta de pernas abertas. Isso, querida. Agora fica quietinha enquanto a mamãe pega o lacinho cor de rosa para minha borboletinha.

- Marquinhos! Comporte-se! Ai, não. Você já sujou a camisa! Meninos são tão irrequietos...

- Mamãe! – Diz a filha, Carolina. – Quero a camisa do Pawer Ranger...

- Não, amor. Não é para você.

- Mas Marquinhos usa!?!

- Isso é roupa de menino. Menininhas usam roupas da Barbie.

Rapidinho terminaram de aprontar-se e saíram para a festinha.

- Mamãe, quero fazer xixi.

- Vai ali, atrás da árvore, Marquinhos.

- Também quero fazer xixi, mamãe.

- Espere um instante querida. Em cinco minutos chegamos na casa de Mariana e lá você poderá fazer xixi.

- Mas o Marquinhos pode...

- Marquinhos é menino.

A festa foi divertida. Os meninos correndo uns atrás do outro, derrubando-se uns aos outros no chão e como era uma casa ainda subiram nas árvores. As meninas correram um pouco, mas disseram as mães, isso não é comportamento de mocinhas e foram para a varanda brincarem de bonecas.

O aniversário de quinze anos de Carolina foi muito bonito. Muitas amigas, muitos rapazes, os amigos dos pais.

Já sei que não será estranho o que virá a seguir.

Para burlar a vigilância dos pais de Carolina, Renato subornou Marcos para não contar que ela beberia pela primeira vez e, claro, às escondidas.

Ao fim da festa Carolina voltou para a casa com o namorado, rapaz cinco anos mais velho e de boa família. E todo mundo sabe qual é o verdadeiro sinônimo de boa família...

No carro disse para a garota deixar a janela aberta que o verdadeiro presente seria uma surpresa que ele daria quando estivessem a sós no quarto de Carolina.

Um belo quarto rosado, com ursinhos, bonecas... Uma frescura.

Na porta da pequena mansão, Renato abriu a porta do carro para Carolina descer e Marcos – sem saber dos planos do... digamos cunhado – ajudou rindo a irmã entrar em casa para os pais não virem que estava bêbada.

No quarto, trancou a porta, abriu a janela, tirou a roupa e deitou para dormir. Ela nem pensava no que viria depois. Embriagada, não entendia que aquela noite não mais seria virgem.

O jovem cidadão de bem pulou o muro, brincou com os cachorros, foi à janela da Carolina, entrou, deu um pouco mais de bebida para a namoradinha que se resguardava pelo medo culturado pela família. Sem camisinha fez o que quis e foi embora.

Nove meses depois nasceu Ana.

Mas antes:

No primeiro mês Renato foi perdendo o interesse pela assustada Carolina: Sexo fora do casamento? Puta!

No terceiro mês ele terminou com a apavorada Carolina.

No quinto mês não tinha mais como esconder a barriga de sua família. Na mesma semana Renato foi para Estados Unidos. Por que será?

O pai comprou um apartamento de dois quartos em outra cidade, bem longe. Para a Vergonha parir e cuidar da criança sem ficar expondo a cria para todo mundo.

Dona Júlia mandava uma mesada para a Vergonha e sua cria não passarem necessidade... Amorosa! Assim se sentia quando ajoelhava para rezar.

Sem ingressar na faculdade, apesar de terminar o ensino médio, Carolina tornou-se vendedora de uma loja. E com a mesada completando o seu salário foi sobrevivendo.

Aninha estava sempre limpa, com boa alimentação, bons materiais escolares na escola pública.

Ana é o nome sem sobrenome paterno e é assim chamada na escola e na vizinhança. Nunca viu nenhum dos avós nem tios.

Em casa, cada fim de mês, quando chegam a mesada e o salário, Carolina paga as contas, faz as compras para o mês, guarda um pouco, quase nada, para isso ou aquilo que venham necessitar, compra alguma bebida e mais ou menos na metade da garrafa muda o nome da filha para Castigo e nos dias seguintes ninguém via os roxos em suas costas.

Ana fez quinze anos com uma festinha sem baile. Também deixou de ser virgem naquela noite. Após uns tapas na cara terminou a gestação e na casa passaram a morar Carolina, Ana e Luiza.

Thiago, sendo pobre, não teve como fugir e pagava a pensão estipulada pela justiça e só via filha contra a vontade.

Dona Júlia, Carolina, Ana e Luiza não foram assassinadas, não morreram, mas estão vivas?

 

 

¹ Violência contra a mulher é o ensinamento de Deuteronômio 22, 20-29.

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Alex Pontes e Sarah Lombello.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens – fotos do autor.

 

Escrito entre os dias 05 de maio e 18 de julho de 2021.

domingo, 11 de julho de 2021

PLANETA SILENCIOSO

 

Nove e meia da manhã a escola liberou a saída dos alunos e dos professores para o recreio. O sol estava com a quentura típica de quase meio de julho; um calor que queima sem aquecer. Desconfortável a céu aberto e frio à sombra.

Quase todos já tinham comido e estavam brincando. E todos embarulhando a maior parte da escola. Exceto quatro alunos; três do nono ano e um do sétimo.

Um deles é um vívido planeta com dois satélites a sair de sua órbita e indo ao encontro de um planeta silencioso.

- Deixe o monstro dormir. Não o acorde.

Riram.

- Você não me vê? Não me enxerga?

- Não!

- Então não precisa de olhos... 

- Como uma criança conseguiu machucar tanto assim?

À voz ríspida outra – baixa como um cochicho – responde:

- Todo mundo tem um monstro dormindo dentro de si. Ele acordou. Mas voltou a dormir. – Pausa. – Espero que nunca mais alguém o acorde outra vez. – Pausa. – Agora estou leve.

 

 

En español:

PLANETA SILENCIOSO

 

Nueve y media de la mañana, la escuela autorizo la salida de alumnos y maestros para el recreo. El sol estaba ardiendo, típico de casi mitad de julio; un calor que quema sin calentar. Inconfortable al cielo abierto y frío a la sombra.

Casi todos ya habian comido y estaban jugueteando. La mayoria alborotando casi todos los rincones de la escuela. Excepto cuatro pibes; tres de quince años y uno de trece.

Uno de ellos es un vívido planeta con dos satélites a salir de su órbita y llendo al encuentro de un planeta silencioso.

- Dejen el monstruo dormir. No lo despierten.

Rieron.

- ¡Vos no mirás! ¿No me ves?

- ¡No!

- Entonces no necesitas de ojos… 

- ¿Cómo un chico puede lastimar tanto?

La otra voz ríspida  – baja como un susurro – contesta:

- Todos llevan un monstruo dormido dentro de sí. El mío despertó. Pero volvió a dormir. – Pausa. – Espero que nunca más alguien lo despierte otra vez. – Pausa. – Ahora estoy liviano.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Cida Lima, Solange Maria, Paulo G.C. Pimenta e Pablo Figueroa.

 

Recomendo a leitura de:

“O Picapau Amarelo”, de Monteiro Lobato. Editora Autêntica.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Andres Garcia é revisor em espanhol. Natural da Colômbia e estudou até o quinto semestre de Licenciatura en Filosofia.

Imagens:

Desenho do monstro pelo autor; feito em 10-7-21;

Do autor pelo autor.

 

Escrito na tarde de 23 de maio de 2021 e trabalhado entre os dias 10 e 11 de julho do mesmo ano.

domingo, 4 de julho de 2021

O CASULO

  

Visita II

Dona Brabuleta inda qui maloprigunte, com tanto pé de couve no mundo, causa de quê todo dia visita o meu? E põe ovos minuscrinhos, bunitinhos, que viram lagartas devoradoras? HUMPF! Não lhe dou tais intimidades, vê se me erra! ARA!

Porque “apousas” no meu pé de couve brabuleta infeliz? Vou te dar um cascudo, bem no nariz!

O que digo, me ouve. O mundo é tão grande, voa por aí e põe seus ovinhos tão amarelinhos bem longe daqui...

(Nena de Castro)¹.

 

Em português:

 

- Ah, dona Neníssima de Castríssimo! Nem te conto. – Responde a borboleta e como todos que dizem isso ela conta tudo. – Meus filhinhos são imaturos. Tudo pobre de direita. Classe média que se acha rica e não vê que é pobre, pobre, pobre de marré, marré desci. Não são iguais a mim: Linda, delicada, mas vivida. Sendo eu resiliente sou de esquerda. Mas meus pobres filhinhos são tuuuuuuudo eleitores e fãs do Boçalnato. Por isso destroem o meio ambiente. Mas a culpa não é deles. É que quando nascem baixa neles o espírito de Ber...

- Espirito de Ber? O que é isso?

- É um demônio terrível, terrível! É a Bancada Evangélica Ruralista.

- Entendo... Continue.

- Com o espírito de Ber meus filhinhos ficam dizendo coisas como "Terra plana; vacina, quando não faz virar jacaré, implanta chip comunista". Estou triste, tão triste.

- Fica assim não.

- Estou tão tristinha, mas não demora e os colocarei na escola, sabe.

- Borboleta tem escola?

- Claro, boba. A escola é quando fazem um casulo e ficam lá lendo. Estudando Literatura, Português, História, Sociologia, Ciências etc. É assim que abre os próprios horizontes e respeita as múltiplas diversidades.

- Não é muito fechado o casulo? Tanto tempo imóvel...

- Sim, é um pouco duro. Mas melhor isso que adorar Ber.

- Educação resolve todos os problemas.

- Educação sim, mas só diploma não. Tem muita borboleta diplomada, mas com alma de lagarta. Semana passada ouvi uma lagartinha do Jardim do Palácio do Governador do Rio Grande do Sul elogiando o Escatológico Borboletofóbico, mas como a lagartinha sabe que vai virar borboleta ontem entrou no casulo.

- Isso é bom. Afinal, aprenderá muitas coisas.

- Infelizmente, o pai é doutor Jairinho e a mãe é Flordeliz. Pelo que vi daquela família só tem fruto podre. E assim a lagartinha não aprenderá nada no casulo e sairá mau caráter diplomada.

 

 

En español:

 

EL CAPULLO

 

- ¡Ah, doña Nenísima de Castrísimo! Estoy tan preocupada. Mis hijos son tan inmaduros. Son pobres de derecha. La clase media que se creen ricas y no ven que son pobres, muy pobrecitas. No son iguales a mí: Linda, delicada pero vivida. Siendo yo resiliente soy de izquierda. Sin embargo, mijos son toooooooodos electores y fans de Bozalnato. Por eso están destruyendo el medio ambiente. Pero la culpa no es de ellos. Es que cuando nacen, baja en ellos el espíritu de Reelpo.

- ¿Espíritu de Reelpo? ¿Qué es eso?

- Es un terrible demonio. Reelpo es el “Religioso en la Política”.

- Comprendo… Continúe, por favor.

- Con el espíritu de Reelpo mis hijos quedan charlando cosas como “Tierra Plana; vacuna es la causa de autismo, cambia el adn”. Estoy triste, tan triste.

- ¡No! Tienes valor. ¡Fuerza!

- Estoy muy triste pero no tarda; los pondré en la escuela.

- ¿Hay escuela de mariposas?

- ¡Sí! ¿Cómo no? La escuela es cuando hacen su capullo y se quedan leyendo alli. Estudiando Literatura, Español, Historia, Sociología, Ciencias…

- ¿No es muy cerrado el capullo? Un largo tiempo inmóvil…

- No es fácil. Sin embargo, mejor eso que adorar Reelpo.

- La educación soluciona todos los problemas.

- Educación sí, pero solo un diploma no. Hay muchas mariposas diplomadas. Pero con alma de gusano. La semana pasada oí un gusanito del Jardín del Palacio del Gobernador del Rio Grande del Sur tejiendo elogios al Escatológico Mariposofóbico. Sin embargo, como sabe que cambiará a mariposa entró en el capullo.

- Eso es bueno. Al fin y al cabo, aprenderá muchas cosas.

- Infelizmente, el padre es doctor Jairito y la madre es Flordeliz. Y aquella familia solo produce frutos podridos. Y así el gusano no aprenderá nada en el capullo y saldrá basura diplomada.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Edgar Soares, Rita E.M. Rocha e Neide R. Azevedo.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Andres Garcia é revisor em espanhol. Natural da Colômbia e estudou até o quarto semestre de Filosofia.












     








Imagens:

Da borboleta e das lagartas: Erika Aviles (natural da Colômbia, artesã e fotógrafa amadora);

Do autor e do revisor (pai e filho na cachoeira): por Gustavo Drumond.


¹ Nena de Castro é escritora, professora aposentada, advogada residente em Ipatinga MG. Importante personalidade regional e pessoa a quem agradeço a Deus por ter no meu rol de amizades e de quem aprendi/aprendo muito. A historieta foi publicada em 17/01/21 no Caralivro.

 

Escrito em 17/01/21 e trabalhado no mesmo ano; revisto na metade de abril e depois nos dias 03 e 04 de julho.