domingo, 17 de abril de 2022

LECIONAR E ESCREVER ATÉ RESSUSCITAR

O muito mais novo dos irmãos era o mais velho em desânimo. Descia a rua para comprar frutas; passos lentos.

Num cruzamento percebeu indistinto um homem empurrando uma bicicleta e acompanhado de perto por um menino.

Ouviu, do outro lado do cruzamento, a voz de uma mãe:

- Pare na esquina, olha bem pros dois lados e só atravesse se não vier carro.

O pai falou baixo, só pro filho, mas alcançou o caminhante:

- Num para não e nem olhe. Cê tá comigo e tôti cuidano.

O zelo da mulher não confiou no marido. O orgulho do marido desensinou o garotinho.

O dramático dessa história não é que tenha acontecido algum acidente à criança (que bom).

O drama é as picuinhas que mantemos a todo custo, a deformação do filho e o peso no caminhante de mais uma descrença na humanidade.

Ainda caminhando até o mercado paro um instante na rua Peroba em frente a uma casa de lindas flores visível acima do muro.

- Vou te contar umas coisas...

- Huuum. --- Minha bela visão é interrompida por algum amigo.

- Vejo muita gente rindo de você, falando mal de você, aproveitando de você.

- Sei...

- E... Não faz nada?!?

- Alguma dessas pessoas me importa? Gosta de mim? Obrigado! Não gosta? Que bom; não terei que me relacionar com elas.

- Mas... Você está sendo trouxa, bobo.

- Não me incomodando, deixando-me em paz... Está bom para mim.

- Isso não te incomoda?

- O que me incomoda é não está olhando meu jardim, lendo um livro e tomando um vinho com meus cachorrinhos e gatinhos por perto. É isto que está ótimo para mim.

- É que...

- Desculpa. Mas quero comprar umas frutas para poder voltar a minha casa para brincar com meus bichinhos, ler, ver as flores e tomar um vinhozinho. Com licença.

Na minha lentidão, tão doce lentidão a permitir-me ver o que só olhava, continuo tão pequena jornada a mostrar-me grandes coisas. Mesmo não sendo todas boas.

- Oi, professor!

Três de meus estudantes me param e sorrio tranquilo para cada um deles.

- Vai ganhar muitos ovos amanhã?

Fala o do meio e o a sua direita diz:

- Ontem foi um dia triste.

- Mais triste foi o Domingo de Ramos... --- Replico.

- Por quê? --- Pergunta o da esquerda.

- Numa mesma semana a imaturidade humana é mostrada em toda sua ingratidão e servidão aos poderosos. Domingo passado conclamaram "Bendito o que vem em Nome do Senhor"; repetindo o que foi bradado dois mil anos atrás e ontem gritaram "morra, Jesus".

- Mas professor... Ninguém fez isso.

- Fazem isso várias vezes ao dia. Com negros, mulheres, LGBTQI+, pobres, doentes, presos, gordos, magros...

- Mas... Não é a mesma coisa.

- Sim, é. Ele disse que fazer isso aos pequenos é agressão a Ele, pois cada pessoa é seu templo.

O da direita nos diz:

Li que Jesus não morreu por nossos pecados, para nossa santificação. Ele não veio para nos separar do mundo. Cristo veio para ensinar que o mundo (a natureza) e a humanidade são um.

Concordo. Contente por ele está abrindo sua cabeça. O do meio continua:

- Jesus morreu porque lutou contra a direita, contra política, religião, economia que sufoca o povo; onde poucos ficam com muitos e muitos ficam com poucos.

Outro aprendiz de pensante. Gosto disso. E o terceiro acrescenta:

- Domingo será uma festa falsa, pois ainda hoje Jesus é caluniado, blasfemado, preso, torturado e morto. Não por "nossos pecados", mas porque ainda preferimos louvar os poderes no lugar de lutar com Cristo.

Não sorrio porque a Verdade não é disso. É a ilusão a nossa embriaguez. Mas me sinto bem pelos três cérebros funcionais.

A gente se despede e em silêncio cada qual caminha. Eu me aproximo do mercado, compro e volto para casa. Leio um pouco, bebo vinho e preparo um simples almoço pascal sem deixar de ver:

No centro, o morto político (Jesus); de um lado, a ciência (perguntas, dúvidas, pesquisas, estudos, conhecimento); do outro lado, vinho para comemorar cada vitória de quem luta ou sangue dos que morrem por culpa de quem cruza os braços à espera das benesses que os milhões de Cristo conquistaram para todos.

Cérebros não têm paz. Chega do nada a mãe de um dos garotos. E sua voz ébria de ilusão:

- Está escrito na Palavra, a Bíblia. Jesus morreu por nós, nossos pecados e para dar pra gente a vida eterna. Pois o que conta é nossa alma. Sarar, salvar, santificar.

Dos gritos e ofensas que me disse não há necessidade de mostrar. Já sabem ou imaginam. Respondo à mãe:

- Não há discórdia entre nossas ideias. Falei da razão histórica, não teológica. Teologia deixo para os sábios dos templos, uns são cristãos realmente; e até para seus mercantes largo-lhes as palavras. Quando luto é com meu cérebro escudado por livros e empunhando caneta.

Paro a conversa para tomarmos um café com bolo e só depois continuo:

- O Jesus histórico morreu por lutar pelo Povo; pela igualdade, dignidade, verdade e esta é ciência, não mito. E até hoje todos os verdadeiros seguidores d'Ele são mortos.

A mãe se vai. Leio um pouco mais e durmo.

Amanheceu um lindo dia nublado. Permitindo-me ver as flores em suas cores naturais, resis.

É o primeiro Domingo de Páscoa. Dia de pensar nas ações a realizar enquanto professor e escritor.

Cristo há de ressuscitar.


_____

Rubem Leite

Fotos do autor.

Escrito no correr da semana passada e hoje (17/4/22) trabalhado.

domingo, 10 de abril de 2022

CUIDO DE QUEM GOSTO. EU ME GOSTO

Quem golpeia

E o golpeado

São duas gotas de orvalho

Juntas se evaporam ao sol da manhã.

(Monje Riocam).


A noite avançava enquanto pulou a janela de meu quarto, engatinhou-se em minha cama, deitou ao meu lado roçou seu corpo no meu. O que veio depois é desnecessário dizer que me afastei de seu corpo. Não quero nada além do sossego a perder se deixasse acontecer.

O vermelho alaranjado do sol iluminou a manhã em meu quarto. Alguns segundos encatados e levanto-me.

Café forte e leite semidesnatado. A sós.

Faço o café

Silêncio é minha música

Não me interessa o muito

Basta-me as flores no pé.

Olhando para cima um céu triangular; azul com poucas nuvens. A minha frente um pé de morro, a direita um oiti e a esquerda meu telhado.

Junta-se a mim, mas ouço as maritacas.

Ontem foi outro dia sem tomar seus remédios para beber cerveja e cerveja e mais cerveja.

Em casa vomita, toma banho, come, vomita e dorme. Vou para o outro quarto.

Não para de verbear e ouço o cachorrinho brincando, os grilos e pássaros.

"Quando a gente gosta é claro que a gente cuida. Diz que me ama, mas é da boca pra fora"*.

Entro em casa, troco minhas roupas para uma conversa sobre educação, cultura e arte no outro lado de Timóteo.

- Enquanto tiver gente dormindo na rua e procurando comida no lixo vou falar de política.

- Prefiro fazer melhor. Prefiro dar assistência.

- Trabalhar duro para que a fome acabe é fundamental. Daí a assistência ser uma boa medida. Mas se assistência é caridade...

- O que tem a caridade?

- Caridade é má, mas denunciar como denuncio em meus trabalhos literários ou esclarecer a meus estudantes as injustiças são, assim creio, excelentes medidas de luta. Solidariedade sim, caridade não. Falar como as caridosas pessoas de direita é perda de tempo. É dizer-lhes que tem que pescar seu próprio peixe sem lhes dá materiais e condições para a pesca.

- E porque razão isso não é bom. A meritocraci...

- Dar assistência, ou seja, um peixe por mês... é inútil. Dar o peixe e depois de saciado ensinar a fazer o material para pescar, ensinar a pescar e ensinar a preparar o peixe... Isso sim é falar de política, pois não é a fala vazia dos caridosos. Ir aonde estão os que sofrem a desigualdade social para atuar com eles e junto deles no combate à miséria é o significado do escritor, dos artistas e professores falarem de política. Lindas palavras vãs é coisa de políticos.  Nossas falas são ações. 

Em casa, móveis quebrados e um corpo dormindo. Corpo; não alma.

Arrumo o que posso da casa.

Contenho a vontade e não piso no corpo vazio no piso.

Arrumo as malas para que vá ao amanhecer.

Em minha cabeça escuto "é essa a sua fala política?".

À voz:

- Minha fala é cuidar, ensinar, acompanhar quem caminha.



Rubem Leite

* Música Sozinho.

Escrito entre 05 e 09 de abril de 2022.

domingo, 3 de abril de 2022

A ESTRANHA MANIA DE TER FÉ NA VIDA¹

Hormiga maldita. El artista cigarra cantaba limpiando tu sufrimiento, tu cansancio. Y ahora que el artista te necesita tú le niega suministro. Pues bien. Tú comes y ti amargas con tu alimento que perdura hasta el calentamiento y… acaba. El artista hambriento lleva el mismo dolor del pueblo. Sin embargo, lo cambia a – fuerza, esperanza y lucha – cantos de encantos. Mientras tu corazón solo lamentas.

 

Na casa e terreno onde moro há aranhas, pássaros, árvores, matos, flores...

Tem uma planta que uma semana dá flor rosa e na outra, branca.


Pra que ir pra rua se a gostosura está aqui. Ficar “de cocado” espiando as flores, o vento nos galhos, as borboletas, beija-flores. Se quem ou o que é de fora:

Nas sombras do meio da névoa não vi nenhuma cara.

Vi:

Era uma vez um pastor de nome Milton Rameiro. Terrivelmente evangélico. Um belo dia foi até ele o presidente de uma nação sem noção e lhe ofereceu barras de ouro se provasse o quão terrível era:

- Universidade é para poucos. Mas não só isso. Ficarei vinte meses enterrado e sairei vivo.

Passado o tempo estipulado desenterram o pastor da educação. Este não se preocupou em respirar, beber água ou comer. Terrível era seu poder. Saiu do sepulcro gritando:

- Cadê as barras de ouro?!?

Vi:

O pum do palhaço é talco. Na cabeça da Rerreginha Senharte tem algo?

Coração de professor é carne sangrenta e do artista, alma.

O “coração de ouro” do pastor, Rameiro da Educação, é farsante. E da cultura, o secretário canastrão, Fria’alma.

Vi:

- Ai, amiga! – Beijinhos no rosto. – Estou tão angustiada...

- Que foi, amiga?

Afasta a outra para ver a cara da amiga.

- Você sabe que eu costumava abastecer minha casa de víveres no Rabbit Deenny’s desde que o dono do “grande surface” se tornou deputado defensor das famílias e da moral...

- Sei... Mas o que tem?!?

- É que agora tem em tudo quanto é lugar.

- Óóóh!

- E você sabe o que dá em tudo quanto é lugar, né?

- Sei, amiga. Pobre.

Em lágrimas:

- Não poderei mais mandar minhas serviçais fazer as compras lá.

E recebe um abraço solidário pra passar por mais essa provação.

Vi:

O homem de quem compro ração trazer-me o alimento de meus bichos e tremer de medo quando chamei a cachorrinha Iemanjá. Não se assustou com Florbela, a brava; Pessoa, o brincalhão; Plur, no seu cantinho; Neno, homenagem a Nena de Castro.

- Fala isso não! – Diz trêmulo e com a mão no peito arfante.

- Iemanjá?!?

- Não invoque o diabo.

- É só um nome mitológico. Como poderia ser Zeus, se fosse macho.

- Zeus é mito. Aquela é diabo...

Meu silêncio lhe olha.

- É que não entendo nada dessas coisas.

- Então seria bom entender, né? Conhecer para compreender. Saber para ter o que dizer.

- Sei não... Sangue de galinha degolada... Cabeça de bode...

- E o Sangue de Jesus nas missas e cultos?

- Não sei não.

- Eu sei sim.

Vi:

O frio do seu olhar congelar meu coração. A aspereza de suas palavras endurecer meu coração.

Mas o voo das borboletas, o canto do vento co’as árvores; estes fazem bem ao meu coração.

 

 

Rubem Leite

 

¹ Maria Maria, de Milton Nascimento.

 

Escrito entre 29 de março e 03 de abril, mas pensado desde muito antes disso.

domingo, 27 de março de 2022

OUREMOS, IRMÃOS

Aniversário do escritor Girvany de Morais.


Temo a forma de caça das aranhas mais do que temo seu veneno. Temo a sensação que deve ter a presa da aranha como imaginasse sem sentir o que lhe passa.

Mas aranha é só aranha; sem empatia. É natureza bruta. Não má, não boa. Só... natureza.

A humanidade pode ter empatia, mas vive a empáfia. Não é natural. É má, às vezes boa. Só... desnaturada.


Estrelas não iluminavam a noite. Nem a lua. Só os postes e as placas nas fachadas e o interior das próprias lojas.

Caminhava com dois amigos. Estes pareciam estar sempre às sombras; nunca se via seus rostos. Ao contrário daquele, que parecia estar sempre sobre o foco dos postes, placas ou lojas.

A vontade deles era chegar em casa. Ainda longe. Entraram numa rua, saíram em outra. Ruas esquisitas. Quase sempre impróprias para carros. Estreitas. Escada ou rampas sempre ascendente, as laterais eram calçadas rachadas com pequenos matos sempre saindo das incontáveis frestas. Todas as casas sempre com a metade abaixo da via e quase sempre com jardins. Tentativas de contrariar as ruas.

Chegaram ao meio do bairro; movimentada por carros e pedestres a avenida. Esta sim com a iluminação já descrita. Estavam com fome e entraram num bar. Escolheram seus sanduíches, comeram e ao pagarem:

- A carne está acabando. Manda mais.

- Em breve, talvez amanhã trago nova remessa...

Fora da lanchonete olha de um lado a outro da avenida. O que vê compactua com a encomenda recebida.

- Credo! O comércio está cada vez mais cristão. - Exclama irritado e os amigos concordam em silêncio.

De fato. Todas as lojas tinham imagens de Nossa Senhora, Jesus ou algum santo. Ou, mais comum, de nomes terrivelmente evangélicos com algum versículo.

Depois da avenida destacada, chamativa de tanta luz artificial retomam às ruas sempre as escuras. Escondendo o povo - cidadãos ou só pessoas -. Uma rua é interrompida por esgoto.  A alguns metros da ponte moitas de matos na água e três meninos nus brincam no charco. Ao verem os homens nadam até a ponte. Os rapazes espantam os garotos ostentando a mão que puseram no peito, dentro da blusa de frio sempre aberta.

Entram em outro logradouro, e noutro e outro dando para um espaço largo. Quase todo de terra seca e moitas de colonhão nas margens. Dois homens grandes "conversam" segurando pelas correntes seus cães que se avançavam mutuamente. Imensa fila de grandes formigas vermelhas se formou entre os homens e seus cães. Estes perceberam tarde demais. As formigas já lhe ferroavam tirando-lhes pequenos pedaços. Sempre em silêncio os três rapazes viram desde longe a discussão, os ataques frustrados dos animais e, afastando-se das formigas, passaram entediados por eles. Mal escutando os gritos enquanto se afastavam.

Finalmente chegam a casa. Construída subindo um montículo. Plantas verdes, ou floridas ou frutíferas cercam a pequena casa de muitas janelas. Do portão à porta uma estrada se sinua entre a flora.

Sentado na varanda um amigo os espera para entrar na casa. Passará a noite antes de ir embora no dia seguinte.

Como dito não há possibilidade de autos no bairro. Mas acrescento que o mesmo acontece na cidade toda; em todas as cidades. Em desconhecimento do povo.

O local de ônibus para fora da cidade fica na segunda avenida, a que leva a BR. Próximo dessa morada.

Os quatro entram na casa. Um de cada vez toma banho enquanto o anfitrião prepara algo para comerem.

Deitam e dormem. Um dos cachorros, o de pequeno porte, morde o celular do hóspede.

Amanhece outro dia escuro. O dono da casa faz café, põe sobre a mesa leite e pão requentado na chapa e acorda os demais.

Alimentam-se depois de irem ao banheiro. O hóspede pega a mochila dando conta do celular estragado.

- Eu mato esse cachorro...

Os moradores sorriram. Sempre à sombra os moradores seguram os braços da visita. À pouca luz do Sol o dono da casa pega sua faca.

Ninguém sai da cidade e há que abastecer o mercado.


_____

Rubem Leite.

Imagem: aranha camuflada, foto do autor.

Cronto nascido de uma reflexão com um mau sonho. Qualquer semelhança com a ficção é realidade.

Escrito e trabalhado entre 25 e 27 de março de 2022.

domingo, 20 de março de 2022

CASTELO DE AREIA NA MARÉ CHEIA

“A inutilidade da esperança e a inutilidade das queixas”¹. 


 Ao nascer do sol a mosca abre sua vida esticando-se, secando suas asas enquanto vê o baile das borboletas, o canto dos grilos.

Não sabe que poderia ter vinte e oito dias de vida. Ela por não ter ciência e as pessoas, por não terem consciência, ignoram suas vidas a complicar as vidas própria e alheias.

A mosca pousa em nossas comidas e, menos que as pessoas, percorre sua vida indo de sujeira em sujeira. Vê os humanos sujando suas vidas, suas relações, seus corpos, as ruas. E só esta última sujeira atrai a mosca.

Desânimo, desânimo. Não sei conviver, desânimo. Encontrar outras pessoas, desânimo. Estou cansado de ter desânimo. Quero sossego do silêncio, do nada e do ninguém.

A nossa mosca encontra outra mosca, procriam.

- Não tem pra onde correr. – Dizem-me e penso: Não há para onde fugir então caminho sentido; querendo ir para onde não existe. 


Fugindo das sujeiras internas das pessoas a mosca não vê a teia de aranha. Assim se fecha sua vida.

As pessoas vêm, vão e não se sabe se voltam. A vida vem, vai e não se sabe se volta. E o eu? Que venha, que vá e só fique onde sentir-me.


Depois haverá nuvens levadas pelo vento, pedras consumidas pela erosão do tempo e a lua a afastar-se da Terra sem deixar de iluminar enquanto pode.



¹ Os olhos que comiam carne, de Humberto de Campos.

 

Imagens: fotos do autor tiradas de sua casa.

 

Pensamentos tidos entre 14 e 20 de março de 2022.

domingo, 13 de março de 2022

SORRIR PELA PARTIDA DE UM FRÁGIL A MIM FERE

Mais uma manhã. Um domingo a mais. Acocorado olho os dois que estão perto, mas vejo o jardim. O que eu queria é estar só comigo, meus bichos, jardim e livros. Fala algo sem importância e como não ouço, digo:

- Dos dias eu gosto e também das aves e árvores. É fora do natural que me machuco fácil e nem sempre em minha pele. Por isso temo não aguentar as tempestades. Mas se Lula e Dilma aguentam, se Robinson Ayres e Maura Gerbi aguentam...
- O que tem isso?
- Tem muitas coisas. Uma pequena importante é a discussão que não acaba nunca...
- A aluna veste bermuda de homem. Vem toda masculinizada pra escola.
- Uai! O que você tem com isso? A pessoa veste a roupa que quer.
- Não concordo!
- E você tem concordar com alguma coisa? Só tem que cuidar de sua vida.
- Tem crianças na escola. Elas não têm que ver isso.
- Tem que ver sim. As diferenças existem e têm que ser respeitadas.
- Não podem ver duas garotas se beijando.
- Não tem que ver nem garoto e garota se beijando.
- Pois é, Benito. Não pode ter namoro na escola.
Não pode. Não pode. Não pode... - Ecoa.
- Isso é a ação de quem não tem razão. Estávamos falando de roupa; como não tem argumento, do nada muda de assunto. Numa tentativa de invalidar o argumento do outro.


Olhando a luz do Sol atravessando o compacto de nuvens audivelmente meditei:
Queremos ser amados por quem amamos. Ninguém quer ser amado por quem não ama. Acredito ser um bem-aventurado, pois muitos que amo igualmente me amam.
Amorosamente me pica:
- Sinceramente não me preocupo mais com isso. Preocupo em ser uma pessoa ética. Ser, na medida do possível, bom e generoso. Não passando dos limites e indo até onde não me prejudique ser solidário.
- É, ética é importante.
- É importante que gostem de verdade.
- Não existe gostar de acordo com as ocasiões.
Levanto-me e entro na casa. Amanhã terei trabalho, mas até lá vou ficar com meus pensamentos.

domingo, 6 de março de 2022

EU, O BOBO


Acordei nesta madrugada e olhei pela janela. O céu estava tão lindo. Não vi a lua, mas quantas estrelas. Não sei quantos anos que não via tantas estrelas. Quase como Pessoa conversei com elas. Disse sobre a ‘inexistente pandemia que estamos passando’; o governo brasileiro; a comoção pela situação da Ucrânia, e como são as coisas, quem se comove pelas invasões Latino-americanas, africanas, árabes...?

Como são as coisas pra Lúcia.

Ucrânia foi atacada

E Urucânia se sente ameaçada

Pelas ogivas da Rússia.

Universidade de Milão proíbe curso sobre Dostoievski por causa da questão Rússia-Ucrânia. Não é só no Brasil e em USA que a imbecilidade impera.

Mas não falei de mim.

Simplesmente as admirei e conversei por poucos minutos e voltei para a cama. Tinha ainda um último dia de feriado para atravessar antes de começar a semana pelo seu final.

Pouco depois das sete da manhã fui ao mercado. Havia um delicioso silêncio. Pássaros, galos, cachorros; não trânsito nem outras coisas “humanas”.

 


Os bairros Limoeiro (onde moro) e Recanto Verde nos confundem onde fica a divisa e neste descubro por acidente uma pracinha construída no fim da Rua Oiti por um morador local. Soube que se chama Quintão.

Sento em um dos bancos a contemplar e a pensar.

Ah, estrelas!

Não falei de mim para elas.

Por um lado, quem sou eu para ser do interesse dos astros e, por outro lado, ainda não sei se posso confiar nas estrelas a ponto de desabafar-me.

O que passo, passo sozinho. O bobo paga por suas ações e o esperto por suas omissões.

 

 

Imagem: foto do autor.

 

Pensado e passado na semana que ontem se encerrou e escrito hoje, 06 de março de 2022.