terça-feira, 19 de agosto de 2008

LIBERDADE LIBERTINAGEM

“... eu costuma ter um jeito de sacudir os cabelos para trás que significava exatamente isso: uma tentativa de libertação. Hoje felizmente não preciso mais do gesto. Não, às vezes preciso”.
(Clarice Lispector – A Descoberta do Mundo – Editora Rocco)

Eu não sou livre. Quem o é?
Tenho muitos momentos de liberdade. O que é bom.
Mas é o verbo ter e não o verbo ser que eu conjugo na liberdade. Não quero ser assim. Não.

Sinto-me livre. O que é verdade. Sou livre de verdade?
Alguém disse que todos são prisioneiros de algo ou alguém. Mas todos são prisioneiros, o que muda é a prisão. Se é verdade, sou meu próprio carcereiro. Ninguém mais e se um dia alguém segurou ou vai segurar as chaves é porque eu as dei.
Nunca fui preso numa cadeia. Não sei como é “morar” lá. Então, deixa-me ver quais são minhas experiências...
Quando eu era menino fui com uma tia na cadeia levar alimentos. Não sei porquê. As paredes mostravam os tijolos. Acho que algumas tinham reboco e talvez até tinta. Mas todas tinham mofo ou umidade.
Os homens, seminus com ar de cansados. Alguns, amargos. Nunca entendi a falta de camisa em todos e porque as bermudas rasgadas, os cobertores imundos, os corpos encardidos pela sujeira e as bocas desdentadas. Mas era assim que todos estavam. E eu com frio. As frutas e o bolo... Creio ser tolice dizer que fizeram a alegria deles naquele momento. O mais certo, talvez, seja que saciaram por alguns minutos a fome da barriga com a sensualidade da boca. E eles pegaram com ânsia, desespero e agradecendo... Nunca soube se eles estavam gratos de verdade e de quê sorriam.
Havia mulheres? Acho que sim. Se aquilo pudesse ser mulher, ou melhor, gente. Tal era a sua aparência andrógena pela imundície e dor na cela. Só. Nada melhor que imundície e dor, principalmente a dor, para androgenizar as pessoas.
Grades marrons avermelhadas pela ferrugem. Na época eram, assim me pareceu, mais grossas que meu pinto. Por que pensei em pinto? Sei lá. Eu acho que nos meus sete ou oito anos eu já tinha alguma tara. Que horror. Eu tão religioso.
Lembro que poucos anos depois eu vi uns desenhos animados da Bete Boope. Já viram que ela só se veste de cinta-liga e outras roupas eróticas? Num desenho, ela fez campanha política ou algo assim e uma de suas propostas era punir motoristas que passando a toda sobre poças d’água molhassem os pedestres acorrentando-os numa banheira repletas de pedras de gelo. Aquilo me deixou excitado por semanas e ainda hoje quando eu me lembro sinto alguma coisa...
Mas onde estou? A gente não estava falando sobre liberdade?
Bem! Então... Não acho que ser livre é fazer o que quiser sem dar a mínima para os outros. Será liberdade atravessar a rua com o sinal fechado? Acho que isso é burrice e não liberdade. Liberdade, penso, é fazer aquilo que vim fazer no mundo. Alguns podem pensar que ser livre é levar uma vida desregrada: gula, luxúria, preguiça, ira. “Pois essa é a tendência natural do corpo”. Ora a tendência natural da faca é enferrujar. Será um “respeito à sua liberdade” deixá-la se perder? A valorização dela e do corpo humano não é se deixar levar, mas sim conduzir ao aperfeiçoamento. Que acha?
Ta conseguindo me acompanhar? Estou falando tantas coisas entrecortadas. Mas...
Seja o que for que me excitaram na cadeia e no desenho animado não me conduzem. E minha prisão não são as taras. Minhas prisões, volto a ponderar, se é verdade que somos todos prisioneiros, são outras. O sexo não é meu motor nem meu combustível. A propósito, dinheiro também não. Falo isso, porque gosto dele. Gosto de sexo também, mas no nosso “mundo, vasto mundo” sou mais movido pela arte que por outras coisas. Por exemplo: A sensualidade me move bem mais. Como disse Caetano “Gosto de sentir a língua de Camões roçar na minha”. Gosto de sentir o que meus olhos percebem. Gosto de sentir o que meus demais sentidos percebem. Creio que quanto mais sinto e percebo o mundo, mais eu tenho material para me expressar. Assim escrevo. Assim interpreto papeis artísticos. Assim conto estórias. Assim a gente conversa.
Liberdade! Tara! Sexo e sensualidade! Tantos cortes. Eu estou assim mesmo. Confuso. E você me acompanha?

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