terça-feira, 19 de agosto de 2008

A VOLTA DA MULHER BARBUDA

Fazia uma luminosa manhã.
Foi assim de repente, tão de repente que não deu tempo de passar na tevê, montada em um cavalo de asas ela surgiu de trás das nuvens e planou no azul do céu como se fosse um disco voador. Todo mundo viu e acreditou. Até mesmo os jornalistas que duvidam de tudo, mas que por motivos etílicos e profissionais vivem à caça de notícias pagas - estes já tinham até a manchete da capa:
A VOLTA DA MULHER BARBUDA
Era branco o seu cavalo. Negra, a cor da mulher; sua pele negra e sedosa era tão linda como a pérola negra do Oceano Índico. E que bunda!
Ninguém duvidaria de tamanha beleza. Finalmente, havia chegado o dia. Mas, o que será que pretendia aquela Deusa Negra e peluda, ao pousar, assim, vestida como veio ao mundo, feito Eva no terreiro de Adão?
No centro da cidade, o povo, abestalhado de tanto apreciar os desfiles de carroças puxadas por pangarés, contratados para fazer a propaganda política do governo de Sucupira, a tudo assistia, estupefato.
Ela desceu do cavalo. Os dedos finos de seus pés tocaram o chão negro do asfalto.
Longas madeixas tapavam-lhe os faróis dos seios túrgidos, e dos pelos de sua gruta lúbrica, à medida que ela avançava pela Avenida Vinte e Oito de Abril, ouviam-se gemidos de "Ui, Ui, Ui". Perfume de gardênia. Suas pernas eram esguias, pernas de amazonas.
Puxando o quadrúpede pelas rédeas, a cavaleira negra dirigiu-se a um menino que vendia ovos cozidos. Chegando à praça primeiro de maio, o populacho fez um círculo ao seu redor. Tem de quê, ela perguntou.
__ Codorna, pata, ornitorrinco, jacaré, galinha e avestruz.
__ E de cobra-coral? Não tem ovo de cobra coral? Pelas barbas do profeta Daniel, que cidade mais atrasada!
__ Não - respondeu o pirralho, tirando a cara de dentro da caixa de isopor e dando de testa com a testa cabeluda daquele mundão de mulher. Por mais que ele se esforçasse, o menino, ele não conseguia desviar os olhos dos olhos penetrantes da esfinge barbuda:
"Como é que eu vou contar para os meus amigos que eu vi uma mulher pelada bem na minha frente e não tive coragem de olhar para os peitos dela?".
E que peitos!
Nua, o corpo negro da mulher, a todos hipnotizava. Mas ninguém saberia dar detalhes de sua beleza, de tão bonita que era a disgramada. Nunca se vira beleza tão estonteante, nem nas revistas masculinas de mulher pelada, nem debaixo das cobertas do Big Brother. Os curiosos não conseguiam tirar os olhos do olhar misterioso da negra desnuda, atraídos pelo brilho de sua beleza interior.
Quem ousaria enxergar a beleza interior de uma mulher nua? E fita-la por dentro, sem maldade, desviando os olhos do pecado, como fazem os fotógrafos da Playboy? Oh, Glória! Por fora toda mulher é igual: bocas, peitos, pernas mãos e xota. Mas por dentro, seria ela uma anja? Ou quem sabe a filha do Cão?
Formou-se um rebuliço; carros paravam, pessoas desciam dos escritórios, lojas e bancos fecharam as portas e em pouco tempo a notícia paralisou toda a cidade; até a sessão da Câmara dos Vereadores foi interrompida, justo no dia em que os edis votavam o projeto que concedia o título de cidadão honorário para o diabo.
De onde veio essa mulher?
É gravação de novela?
O que está acontecendo? Nó, que cavalão! E o bicho tem asas! Será que ele voa?
Se voa?! Eu vi na hora que ela desceu montada nele! Olha lá!, olha lá!, o bicho vai mijar! NÓ!, que é aquilo, Jesus!!! Que piruzão!
Acho que é propaganda de banco.
Não, é a mulher jabuticaba.
Deve ser comercial de aparelho de barba. Cruz em credo! Eu nunca vi tanto cabelo, será que ela é irmã do Toni Ramos?
Que tumulto é este? – perguntavam-se as pessoas.
Alguém saiu correndo, de celular na orelha, gritando "Prefeito, prefeito, a mulher barbuda chegou!".
A polícia apareceu, mas os meganhas, extasiados diante da beleza pura da mulher negra, caíram na farra, misturando-se ao povaréu.
No centro da praça, a deusa de ébano tirou um ovo da axila. Depois, levantou-o com a mão direita, enquanto que com a mão esquerda tapava os pelos negros daquela palavra cabeluda que aflorava bem no meio de suas coxas. Ato contínuo, olhando para o céu ela pronunciou estas palavras:
"Eis o ovo gerador da vida. Quem conservar este ovo, será conservado. Quem desprezar o ovo, pelo voto popular será desprezado".
A claque gritava, pulava e aplaudia:
POVO! POVO! POVO! MEU VOTO NÃO É OVO!
POVO! POVO! POVO! MEU VOTO NÃO É OVO!
"Quem babar neste ovo terá direito a um babador, ganhará um cargo público e poderá contratar todos os seus parentes, e pela baba coletiva será bem recompensado. Quem gorar o ovo, pelo voto do povo será enganado".
Tomando de uma grande frigideira (que ela fez aparecer com um estalar de dedos), avental, escumadeira, touca de cabelo, óleo de cozinha e um fogão, e dançando como uma lamparina no Lago dos Cisnes, ela quebrou o ovo em um prato e pôs-se a preparar uma omelete para cinco mil pessoas.
O povo gritava, maravilhado, antegozando as delícias do aroma que exalava da rica iguaria:
POVO! POVO! POVO! MEU VOTO NÃO É OVO!
POVO! POVO! POVO! MEU VOTO NÃO É OVO!
Ao fim do ato, preparado o repasto, alguém apareceu com dez mil litros de chope em um caminhão pipa. E ela então ordenou que fossem organizadas dez filas de quinhentas pessoas. Depois, num gesto suave, a mulher tirou o avental e a touca de cabelo, ficando novamente nua em pelo, e agradeceu pelo alimento, orando assim:
"Ovai, ovei, ovemos todos nós. Ovo para o pai, ovo para a mãe, ovo para o filho, Ovo para a tia e ovo para João e Maria. Quem de vós seríeis capaz de pronunciar a palavra OVO de trás pra frente em sete idiomas? Ovo no café da manhã. Ovo no almoço e ovo no jantar. Povo, vós não sois galinhas poedeiras! Aves condenadas a viver em gaiolas, comendo qualquer porcaria, a luz da televisão acesa noite e dia em suas cabeças, para serem abatidas aos quarenta e cinco dias? Atentais que o povo não foi feito para o ovo, e sim o ovo é que foi feito para o povo. Por que do ovo viemos, para o ovo em pó voltaremos, e pelo voto do povo renasceremos. É impossível fazer pizza sem quebrar o ovo! Pois eu vim para acabar com este Tempo em que a mentira é servida sem sal, pelo preço módico de um real. Hoje, os políticos não valem um ovo podre na cara. Muitos serão os candidatos, mas poucos terminarão o mandato sem manchas na cueca, graças à Polícia Federal. Irmãos, quantos pintinhos inocentes deixaram de nascer, assassinados ainda na casca do ovo, para matar a fome dos homens? Tenho dito: é chegado o Tempo em que será mais fácil nascer cabelo em ovo do que um candidato a prefeito ser aceito à mesa no Restaurante dos Ratos".
Alguém gritou no meio da multidão:
Vamo pará com este papo furado que eu tô com fome!
POVO! POVO! POVO! SEU VOTO VALE UM OVO!
POVO! POVO! POVO! SEU VOTO VALE UM OVO!
JT PALHARES
jtpalhares

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