domingo, 26 de junho de 2022

NÃO VÊ QUEM NÃO VÊ

 

 


 

Passeando por um bosque iam mãe e filho – Cura Uínter Flordelis e Henry.

Ela carregava um Livro e uma bolsa com lanche para o piquenique. O menino, de cinco anos, choramingava reclamando por andar.

Param numa bela clareira ao pé de grandes rochas.

Ela se dedica a ler e a criança, ao brincar nas pedras, descobre a entrada de uma pequena gruta e, apesar da orientação materna, ele entra.

Com um suspiro cansado a mulher vai atrás. Uma vez dentro se depara com joias de ouro e pedras preciosas.

Uma voz soou:

“Pegue tudo que queira, mas não se esqueça do essencial. Você tem sessenta segundos...”.

Faltando dez segundos para o fim do minuto a gruta começa a estremecer e oito segundos depois ela estava fora.

 - Ó! Esqueci o menino... Mas tudo bem. Trouxe as joias e, mais importante, não me esqueci da Bíblia.

Passou-se o tempo. Uínter Flordelis perde suas posses. Por isso ela e a Legião da Religião se reúnem.

- Monstros. Monstros me perseguem. O que devo fazer?

A mãe chora e o Padre Jota Eme, admirando ainda o belo corpo da mulher, orienta:

- Você vê a eles e por isso eles veem você...

- Não... Não compreendo.

- Eles veem você porque você os vê.

Explica o Pastor A Eme. Depois dá a ela um cândido sorriso enquanto pensa: “Vou destruir todo mundo”.

- Então... Então o que devo fazer?

O Diácono Eme De Ce encerra a reunião:

- Os olhos... Pegue esta faca...

 

 

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Rubem Leite.

Escrito entre os dias 23 e 25 de junho de 2022.

Trabalhado na manhã de 26 de junho de 2022.

 

Padre Jota Eme – O padre Jean Rogers Rodrigo de Sousa, conhecido por José Maria, foi excomungado pelo Papa Francisco após rigorosa investigação coordenada pela Igreja Católica. O Pe. José Maria cometera diversos estupros a freiras e noviças. (Junho 2022).

Pastor A Eme – O pastor Arilton Moura, junto com o pastor Gilmar Santos, coordena o esquema do gabinete paralelo do MEC para “destravar por meio de propina demandas estaduais e municipais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”. [Mariah Aquino, no jornal Metrópolis, junho 2022].

Diácono Eme De Ce – O prefeito e o vice-prefeito de Curitiba (Rafael Greca e Eduardo Pimentel) acompanhados pela Polícia Militar, assessores e políticos afins, ladeiam o diácono Marcos Daniel de Camargo enquanto este benze armas de guerra a serem utilizada pela Polícia Civil. (Janeiro de 2022).

domingo, 19 de junho de 2022

SOMOS TODOS PULGAS

É muito bom o frio de junho. Para levantar está difícil, mais pelas incongruências do mundo do que pelo clima.

Mas me levanto.

Fazer o que se tenho que dar de comer.

Na escola, para trabalhar com o sexto ano:

- Tire cópias, por favor.

- Cópias só com autorização da pedagoga.

Fala-me uma diminuta pulga. Pulga não por nenosprezo meu ou pela alma dela. Pulga para a elite descabeçada do município.

Há dois tipos de pulgas. A pulga parasita que suga o sangue do povo; e a pulga que purga pela sua insignificância aos olhos das parasitas.


Rubem Leite

Partindo de um sonho tido na madrugada de 19 de junho de 2022.

sábado, 18 de junho de 2022

Inspirado no conto Uma Vela para Dario, de Dalton Trevisan

Por que é que quem te escravizou te deu uma Bíblia. Pensa, pensa.


Em Ipatinga, um elegante e maduro senhor começa a tossir, põe a mão direita sobre o coração, com a esquerda se apoia na parede de uma das lojas na avenida 28 de Abril e lentamente vai escorrendo-se até o chão.

Um jovem com dread nos cabelos o socorre, grita por ajuda. Como ninguém aparece o rapaz vai embora com o coração apertado e a pensar no corte no cabelo que será obrigado a fazer ao entrar pra polícia. O homem não percebe a ausência do celular.

Uma garota se aproxima para ajudar, abre-lhe a camisa para ele poder respirar enquanto os transeuntes passam. E a jovem se junta condoída à massa, pois tem que levar os documentos para registrar seu nome como candidata a vereadora. O homem não percebe a ausência do cordão de ouro.

Uma velhinha de Bíblia na mão vai até ele. Em seu desespero abre a carteira para ver o nome do homem e grita: "u hômi sichama Girvany. Alguém u cunhéci?" E atravessa a avenida a perguntar as pessoas se conhecem o caído. "Ó glória" exclama a cada negativa. O homem não percebe a ausência dos R$500,00 que estava na carteira.

- Gente! A mulher gritou "Girvany"? Eu o conheço. É meu amigo; um irmão.

O amigo se aproxima. "Girvany do céu. Que te aconteceu? Pega seu celular e chama o samu. Quando este chega acompanha o irmão até o UPA. Lá os médicos socorrem o homem, mas chegam tarde. Ninguém percebe o amigo indo embora com a bolsa cheia de livros do falecido. Só se ouve o choro de quem se vai: ooorrorrorrorrórróóó.


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Rubem Leite.

domingo, 5 de junho de 2022

ABÓBODA FLORAL

 Foi por aqui que passou para chegar.


Antes de sair via o que vivia.

O governo federal incapacitado, o judiciário submisso. O governo mineiro entrando na justiça para não pagar os professores e o judiciário, submisso. Os municípios de Ipatinga e  Timóteo negando aumentar o salário dos educadores. E este último eliminando dos ônibus os cobradores para dar aos motoristas múltiplas funções: conduzir, guiar quem entra, cobrar a passagem, ver quem sai...

O que a gente é diante do capital?

O que é gente diante do capital?

Em nossas intimidades, pelejas, muitas pelejas.

- Boa tarde, professor!

No supermercado do Limoeiro lhe diz um imenso sorriso que muito o prejudicou. Pego de surpresa não soube reagir e só devolveu o cumprimento.

Nas salas de aula, alunos, mas não estudantes.

- "A, e, o" sempre são vogais, mas "i, u" podem ser vogais ou semivogais. Semivogal é quando sua pronúncia é mais fraca. E duas vogais nunca podem estar na mesma sílaba. Para estarem na mesma sílaba tem que ser vogal e semivogal ou o contrário; formando assim ditongo. Hiato é quando "u, i" tem a força de vogais mesmo estando ao lado de outra vogal, mas em sílabas diferentes.

- Como assim, professor?

- Vejamos os exemplos: "saí e sai", "saúde e saudade". Leiam pausadamente essas palavras, prestando atenção nas pronúncias.

- Sa-í / sai /|\ sa-ú-de / sau-da-de".

- Viram que em "saí e saúde" tanto "a" quanto "í" assim como "a" e "ú" foram pronunciadas separadamente?

- Siiim.

- Pois é. Ocorreram hiatos. Quer dizer, todas elas têm força de vogais. Mas em "sai e saudade" foram pronunciadas juntas, mas o dois "a" foram ditas com bem mais força que "i, u"; isso significa que se tornaram semivogais. Ocorrendo, assim, ditongos. Consegui explicar?

- Siiiim, professor.

Passou os próximos dias fazendo perguntas e dando exercícios sobre os encontros vocálicos e eles quase sempre acertando para errarem na prova que, diga-se de passagem, foi muito fácil. Erraram mais por terem pouco ânimo de interpretar os enunciados.

Em casa, ouve as brigas dos vizinhos da frente e as dos vizinhos de trás.

Em casa, pelejas. Seu filho sempre recusando tomar seus medicamentos, bebendo bastante e até a cheirar Paracetamol desfeito a pó.

Em casa, gritos na frente, dentro e atrás. Gritos, gritos e gritos.

E foi assim que atravessou:

Abriu a válvula do botijão, girou o botão da trempe, disfarçou o cheiro espalhando inseticida no ar e saiu deixando o pai professor deitado no sofá, bem perto da cozinha.


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Rubem Leite

Foto do autor.

Escrito entre 01 e 05 de junho de 2022.

domingo, 29 de maio de 2022

UM AO LADO DOS DEMAIS

 

  

Solo soy una mariposa en el capullo pero solo ven el capullo.

O vento toca árvores e sua melodia é como o beira-mar ou a chuva. Nesse embalo leio duas preces e de cada uma fica uma oração que me poetiza.

 

“Deus abrange o meu ser”*

Olho pro Sol, pra Lua, Flores

Sinto-me a mim tecer

Vejo gente, tantos indecentes

E tantos socioindigentes

Chego a esmorecer

Todavia ainda há livros

 

“Tenho alma destemida”*

Mesmo sendo gente

Minh’alma não é empedernida

Apesar dos seres humanos

Difícil manter cabeça erguida

Força tenho nos livros e bichos

 

Tento sorrir; compartir meus pensamentos. Ainda não sei ser silêncio onde não querem diálogo. Conversam para ouvirresponder, não para compreender.

- E tem um livro muito interessante e importante para ler: a Bíblia. Experimente; você não vai se arrepender. É um manual de vida.

- Li a Bíblia por vinte anos; algo em torno de sete estudos: três anos para completar cada estudo...

- É ler ao longo da vida, tentar implementar em nossas vidas, refletir a Bíblia. E, acima de tudo, ler, orar e esperar a resposta de Deus todos os dias. Volto a repetir: é nosso manual de vida.

Não respondo. Melhor conversar com os bichos e livros, mas penso: A diferença entre religião e ciência: Esta reconhece quando erra e por isso aprende. Enquanto a religião apenas aprende a dar desculpas melhores. Ciência não é crença. Ciência é o conhecimento adquirido através de pesquisa metodológica. Crença não vem de pesquisa nem de método.

Melhor calar.

Não sei se é uma fase ou se será permanente; talvez só um período, não sei. Mas estou fazendo as coisas; o que posso, o que aguento e quase o que quero. Faço para o nós.

Se me agradecem ou retribuem fico próximo a contente; não supervaloro. Se não me agradecem ou, digamos, me incomodam fico próximo a triste; não supervaloro.

Aprendi tempos atrás que os que nos elogiam hoje quase sempre, quase todos são os que nos abandonam ou jogam pedras.

Solo soy un colibrí apagando fuego. Una mariposa en el capullo.

 

 

Rubem leite.

* Sutra em Trinta Capítulos para Leitura Diário; Seicho-No-Ie.

Imagem do autor.

Escrito entre 16 e 29 de maio de 2022.

domingo, 22 de maio de 2022

O PROFESSOR DO BANHEIRO E O GAROTO DO BEBEDOURO

 

1978

Em agosto, faltando trinta dias para eu completar dez anos, morri!

Foi assim:

Garoto magro, educado e, segundo meus coleguinhas, com jeito de menininha. O acosso era diário. Sim, vou dizer acosso e não bulling.

Mas antes de falar de mim falarei do professor Frederico. Um velho magro de bengala e muito bravo. Eu e uns poucos gostava dele, mas outros o odiavam.

O bairro era violento e tanto eu quanto o professor a gente morava perto da escola.

A manhã estava ensolarada, mas fazia frio. Os quatro alunos que mais me provocavam saíram da sala sem serem vistos pelo professor a quem desrespeitavam.

- Professor! Breno, Bryan, Kauã e Kaike foram lá pra fora.

Com um suspiro de desa... desa... desalento. Isso, desalento. O professor pegou a bengala e foi ao banheiro dos meninos para brigar com eles. Mas o que aconteceu foi diferente. Enquanto o professor brigava os quatro começaram a empurrar o professor pra lá e pra cá fazendo o coração do professor querer parar e quando perdeu o equilíbrio bateu a cabeça na pia.

Os quatro ficaram com medo e saíram disfarçadamente do banheiro. Ao ver os colegas com ar assustado e sem o professor fui à diretora falar que o professor tinha ido ao banheiro brigar com os meus colegas e ainda não voltou apesar deles já estarem na sala.

Acharam o professor caído perto da pia com a bengala em sua mão.

 

Dois meses depois, quando os colegas voltaram da suspensão. Sim! Eles foram apenas suspensos e não expulsos. Era só a morte de um velho professor que escorregou no banheiro e a vida de quatro meninos; filhos de pais perigosos.

O bebedouro perto das salas de aula estava com defeito outra vez e fui ao bebedouro da quadra de esportes. E lá estavam Kaike, Kauã, Bryan e Breno.

Foram só cinco minutos.

Bryan me segurou, Kauã me deu uns tapas bem doídos, Kaike ria falando Julinho bichinha, Julinho viadinho, Julinha mulherzinha. E Breno queria fazer um experimento. O que aconteceria se alguém bebesse Diabo Verde? Com a dor quis gritar, mas Kaike tentou tampar a minha boca, mas sua mão queimou e quando me soltou eu já não podia gritar. Fiquei caído espumando e confusionando. 


Os quatro pularam o muro porque não podiam voltar para sala com a mão um pouco corroída de Kaike.

Quem me encontrou primeiro foi o professor Frederico. Me ajudou a levantar e fomos conversar.

No final das aulas apareceu uma funcionária para catar o lixo e aos berros chamou a atenção da escola.

Mas não aconteceu nada. Era, de um lado, só a morte de uma mariquinha preta e pobre e do outro lado a vida de quatro meninos brancos; filhos de pais perigosos.

 

Eu e professor decidimos guardar a escola.

 

2018 a 2022 e nos tempos que hão de vir.

Alan é um mau aluno que maltrata os mais fracos e no dia que foi ao banheiro sem permissão... – risada assustadora do Professor do Banheiro que estava ao meu lado – Ele escutou três vezes o toc-toc de uma bengala, mas não viu nada. Porém, quando terminou... uma bengala cortou o ar arrancando-lhe a cabeça.

- Mas como uma bengala pode arrancar uma cabeça?

- É uma bengala assombrada...

Depois o Professor do Banheiro pegou a cabeça pelos cabelos e com o gancho da bengala prendeu o corpo pelo sovaco. E os enfiou dentro da privada, deu a descarga enquanto socava com a bengala até desaparecer no redemoinho que leva as porcarias pro esgoto.

- E como uma privada pode levar inteiros uma cabeça e um corpo?

- O Professor do Banheiro é assombração. Pode muitas coisas...

Uma semana depois acharam o que restava do Alan num córrego onde desaguava o esgoto da cidade.

Nikolly também fugiu da sala e foi ao banheiro fumar. O Professor do Banheiro bateu com a bengala na porta do banheiro: toc-toc-toc; parou, bateu outra vez: toc-toc-toc; parou, bateu pela terceira e última vez: toc-toc-toc. Assim que ela saiu, ainda com um pé no corredor e o outro no banheiro, a bengala cortou o ar arrancando-lhe a cabeça. Pegou-a pelos cabelos e com o gancho da bengala a arrastou invisível até o banheiro dos garotos. Enfiou-a na privada e deu a descarga socando tudo para atravessar o encanamento e desaguar no esgoto municipal onde antes encontram Alan.

E eu?

Todos os acossadores, quando estão a sós bebendo água, vou empurrando pelo ralo à medida que vão se dissolvendo com o diabo verde que me tornei.

E desde então todos maus alunos que saem sem permissão... – Frederico, o Professor do Banheiro, e eu, o Garoto do Bebedouro, protegemos a escola.

 

 

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Rubem Leite

Imagem retirada da internete.

Escrito entre 18 e 20 de maio de 2022.

domingo, 15 de maio de 2022

FORA DO CAMPO DE FLORES AMARELAS

Van Gogh e seu campo de girassóis

Eu e meu morro de flores amarelas

Não vejo coisas invisíveis

Vejo a realidade que corrói

Com livros combato as esparrelas. 

O quanto e quanto já foi dito "amanhece, entardece e anoitece; janeiro, fevereiro ... novembro e dezembro; tempo de chuva com calor e tempo de seca com frio; tudo que é vivo morre".

Tudo repetindo.

Nada, surgimento, vida, morte, ressurgimento, vida, morte, ressurreição...

O rio corre entre a terra até chegar a outro rio ou ao mar. A terra se move entre os oceanos.

- E o que tem isso, meu Deus?!?

- Tem que numa mesa cinco discutem se o correto é dizer negro, preto ou moreninho. E todos os cinco são bem branquinhos. É outra vez o eurobrasileiro querendo definir a sorte do afrobrasileiro.

Silêncio para olhar nos olhos.

- Tem que outra vida é corrompida pelo desafeto familiar, pelo desinteresse político-social até ser interrompida pelo traficante ou policial.

Olhos nos olhos silenciosos.

- Tem que ao dizer "Umbanda, Candomblé, Macumba, orixás" ainda se ouve "credo; tá queimado, sangue de Jesus tem poder... são do diabo, são demônios". E quando perguntados se já assistiram alguma cerimônia ou leram suas doutrinas negam. Alguns afirmam que sim, conhecem ou viram. E quando se questiona como são as cerimônias e o que dizem suas doutrinas se calam ou respondem mentiras. Tal qual boçalnarianos "e o Lula, hem?!?".

- Ééé. A Terra não é plana, mas o mundo é chato.

- Enquanto gira o planeta e circula o cotidiano a gente lê, bebe, escreve, dorme, trepa, trabalha, canta, dança, encena, pinta.

- Desses, muitos tecnisam e vegetam.

- E desses, poucos artistam em protestos:

Uma boca morta abre centímetro a centímetro.

É o globalismo capitalista investindo.

Diverte-se o pobre com sua tranqueira nova.

Ignorante ignorado caminha centímetro a centímetro para sua cova.


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Rubem Leite

Foto do autor: vista da janela da cozinha.

Escrito entre 12 e 15 de maio de 2022.