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Rubem Leite
Foto do autor.
15 a 27 de agosto.
PERCEPÇÕES E CONCEPÇÕES DE UM ARTEIRO ARTISTA E DE UM ARTISTA CIDADÃO.
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Rubem Leite
Foto do autor.
15 a 27 de agosto.
"Os mergulhos retidos deixam, às vezes, estranhas cãibras":
Acordo mais outro dia, lavo o rosto, faço o café. Misturo com um pouco de leite e me acocoro no meu lugar escolhido de quase sempre.
Ouço galos, pássaros e insetos. Observo as árvores: oiti, mangueira, pé-de-vaca de flores brancas e arbustos de folhas verde-amarelas e outras com variadas flores vermelhas.
Cinco ou seis beija-flores e as plantas fazem a corte.
Vizinhos acordam. À suas histrionias levanto-me e saio pra trabalhar...
A vida tem valor. Quanto você pagará por ela? Tem dinheiro para remédios, Roupas, carros... Tem valor a vida.
O que eu queria era a vida valer por si, por ser vida. O que tenho - essa primeira pessoa do singular representa a primeira do plural - é vida a valer o que se tem.
De volta a casa, no caminho paro num mercadinho:
- Professor, u sinhô votou no B○|$●n@ŕø pra presidente?
- Claro que não.
- Então meus irmão vão ficá contente cunsinhô. Eu votei nele iaté hôji tão cunraiva dimim. Mas fui inganádu.
- Como pode ser enganado se ele nunca escondeu ser corrupto por sonegar impostos, ser racista e tudo mais de ruim?
Sem saber como me responder - eles nunca sabem; conhecimento está acima de suas capacidades - pago o que comprei e retomo meu caminho.
Na minha cabeça: Boçalnato tenta tomar o celular de quem segue seus passos: Wiker Leão, milico expulso do exército, por estar indignado com o - rerrerrê - mito.
Finalmente em casa.
Com um cálice de gin-tônica me sento no jardim. Ouvi o som da água. Era o vento nas árvores do morro perto e nos mais altos. Em seguida o som se elevou ao balançar as árvores próximas à mim. Tocada pelo vento minha pele arrepiou. De não sei onde uma gota caiu em minha face, entre o olho e a bochecha. Flores e folhas dançaram ao vento e quando cansadas repousaram no chão.
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Rubem Leite.
Pensado, sentido, vivido e escrito entre os dias 10 e 21 de agosto de 2022.
Citação e foto tirada de um trecho do livro A Queda, de Albert Camus.
Pai nosso que é da terra
Ser pai não é pra todos.
Não há quem nao erra:
Bem-aventurados os pais
Apiedados os que não foram.
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Rubem Leite
14/8/22
Pessoas criam luzes
Clareiam pouco
Não veem porque não olham
A noite pura
Se a olha
Vê.
Uma aluna me disse:
- Fulana te stalkeou todinho?
- Fez o quê?
- Ela te stalkeou...
- O que é isso? Não sei o que seja.
- Ela viu e copiou tudo que você colocou no Facebook e outras redes sociais...
- Menina boba. Com tanta coisa útil pra fazer... Com tanta gente que vale pesquisar... Ela perde tempo comigo? Deveria ter pesquisado acentuação, ortografia, sujeito e predicado, substantivo e adjetivo, frase, oração, conto e o que mais estudamos; e ela gasta tempo comigo?!? Ô falta do que fazer. Chega a ser burrice.
- Mas você num está preocupado? Ela viu algumas coisas...
- Se ela viu é porque coloquei lá, ora essa. Teria sido mais inteligente e útil se tivesse lido livros. Já falei de tantos...
Ai, cansaço!
Chego em casa, durmo e me encontro com Jó Soares:
- Ninguém deve se sentir triste por ter um bom coração. - Fala Jô - O amor não é um erro. Errado é enganar, mentir, trapacear, dar rasteira no sentimento alheio. Quem faz isso é que deve sentir vergonha. Não quem ama e acredita. Ninguém é bobo por se arriscar, bobo é quem passa a Vida toda enganando os outros e achando que a Vida não traz pra gente tudo aquilo que a gente planta.
Ah, ela traz…
- Tudo que se planta se colhe. Mas o tempo raleia. Ao ler "O Estrangeiro" e "O Mito de Sísifo". - Ambos de Camus - Dei-me conta. Venho me sentindo Meursault: É assim? Assim é!
- Dizem que os comunistas comem nossas crianças no café da manhã. Mas são os capitalistas que comem o café da manhã de nossas crianças.
- Tem gente que não é gente... Ano passado arranjou confusão com tantas pessoas que metade foi pra longe. Este ano caluniou um e está sendo judicialmente processado; com outros dois está tendo problemas sérios na rede de trabalho.
- Sempre tive medo de ficar improdutivo. Mas de morrer nunca tive. A memória que espero deixar é alegria. Mais profundamente, deixar a esperança em algumas pessoas. Que pude contribuir com a melhoria de algumas pessoas. O que importante para a vida de cada um é: Vou viver e não fazer mal a ninguém.
Acordo. Nas mídias sociais: Jó Soares faleceu. E os improdutivos continuam aqui.
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Rubem Leite
Escrito entre 01 a 07 de agosto de 2022.
Pronomes pessoal reto e oblíquo, possessivo e outros.
O mais "importante" e menos bonito é o Eu enquanto o Nós é quase tão "importante", porém como é lindo. E dos possessivos o Nosso ganha dos outros e só não supera o De Todos.
Mas isso, em nossa sociedade, soa ridículo. Vivemos o Mito de Sísifo, tão esclarecido por Albert Camus.
Há quem é ouro ou cobre
Mas nem tudo é nobre
No último dia útil
(Hoje é vinte e nove)
Salário do pobre
Sai nada sutil
Boca aberta corre
A dívida? Cobre
Sua vida, funil.
Quase me sinto Meursault (fala-se Mersô), também de Camus. Praticamente sem emoções a demonstrar; tão ferido estou. E queria, como tal, ser indiferenter ao mundo.
Mas não sou Meursault e sim Benito. Sonhei:
Eu estava indo pra escola, mas passei primeiro na casa do artesão e poeta Kadosh.
A primeira coisa a ver era o belo jardim. Depois uma grande casa simples e com muitos moradores, um longo quintal em declive com árvores e um cristalino riacho atravessando pedras.
Não sei o que aconteceu com minhas roupas; se molhou, se rasgou. Só sei que tive que jogar fora. Até meus óculos entortaram.
E tinha que ir dar aula.
Um me emprestou uma bermuda dins super vinhádu. Outro me emprestou uma camisa que berrava: biiiiiiiiiichaaa.
E saí pelas ruas.
Um grupo de mulheres "cristãs" - de velhas a crianças - riu e as afrontei com uma coragem que nem sei se tenho. Encontrei alunos que me cumprimentaram; uns estranharam, mas nenhum desrespeitou.
Na escola as funcionárias me olham, e como olham. Teve uma que falou alguma coisa, mas dei-lhe um chega pra lá. Até enfiei o dedo no nariz da dita cuja e falei que visto como quiser e se não gostar do que vê que fique cega...
E fui dar as minhas cinco aulas.
Uma de minhas estudantes diz-me:
- Nenhuma pessoa sem noção é mais sem noção quando dá uma de com noção.
Isso enriquece meu pensamento:
A vida é um absurdo.
Diz Albert Camus.
Acorda, sai da cama, limpa-se, alimenta-se, sai pra trabalhar, aguenta muita coisa, volta pra casa, limpa-se, alimenta-se, dorme.
Trinta dias seguidos.
Com o salário compra: roupas para trabalhar, comida para trabalhar, remédios para trabalhar etc. para trabalhar.
E o círculo do absurdo repete doze meses, várias décadas.
Morre. E a morte é absurda.
- O pagamento do piso salarial dos agentes de saúde será pago em julho de 2022 reforça a política permanente de valorização dos servidores públicos de Timóteo. - O vice-prefeito e também secretário de educação declara no "tuíter" da PMT.
- E o piso dos professores? Cadê? - Questionam R.C. e C.F.
Responde o dito secretário de educação e vice-prefeito:
- Já foi pago no mês de maio. - Mente.
- Não! Não recebemos nada. - Contesta Benito. - Só se forem pisadas... Eu, por exemplo, tive foi é pesadelos.
- Professor! Não se cansa?
- Muito mais do que o senhor pensa. Mas professor não é Sísifo nem Meursault.
Porém talvez um dia o Nós e o De Todos seja a sociedade. Mas... Será? Quando?
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Rubem Leite
Pensado, trabalhado e escrito entre 25 e 31 de julho de 2022.
Foto do autor: filtro dos sonhos produzido pela artesã Erika Aviles em comemoração a um ano morando em nossas casas em Timóteo MG.
Qual coisa fiz ou falei que melhorou alguém? Dialoguei, escrevi, encenei peças, dou aulas. Mas o mundo não muda. A sociedade não se sacia. Minhas falam foram, são sombras na escuridão. Estou na contramão.
Iria-me embora para Ratanabá
Porque aqui sou inimigo do rei
- um boçal sem igual -
Lá teria quem eu quisesse
Na casa que escolhesse
Mas como não é Brasil
Quem escolheria
Tinha que escolher-me também.
A verdade, porém,
Lá e cá
Reciprocidade é rara.
Em Ratanabá
Teria a felicidade que aqui não há
A existência seria aventura
Mas desventura está nos dois lugares
Quem crê é inconsequente
Paz só tem os dementes.
Em Ratanabá teria tudo
Seria outra civilização
Menos antiga que a Terra
Mais antiga que a humanidade
E quando eu estivesse mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite tivesse
Vontade de me matar
Não me esqueceria
Sou inimigo do rei
- o boçal sem igual -
Tal qual aqui não teria
Quem eu queira
Quem me queira
Ratanabá não existe
Como não existe
Cérebro funcional
Na cabeça do rei:
Messias sem milagre
A zombar de quem não respira
A comemorar CPF cancelado
Principalmente dos bem mais velhos
E cujo filhos
- Todos zero
01, 02, 03, 04
E, para o rei boçal,
A menos que zero
A 05 -
Todos educados
A não se casarem
Com negros
A tirar até o último centímetro
Dos povos originários
A surrar
Os meios 'gayzinhos'
Ratanabá não existe
Tal qual Brasil pra toda gente.
Só me consola
Ter aos meus
Olhos, ouvidos, narinas, língua e pele
A fauna, os livros e a flora.
E não preciso fugir pra Ratanabá.
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Rubem Leite
O que sinto e penso não sei a quanto tempo escrevi na manhã de 17/7/2022.
Foto do autor.