domingo, 28 de agosto de 2022

PROFESSOR-PROFESSA-PROFISSÃO - parte 01

 


Hoje pouco vi os beija-flores. Tem sido assim nos últimos dias. Compensando, vi abelhas e besouros nos mesmos pés de flores.
Minha cachorrinha late para o vizinho que nela bateu. Isso sempre é sempre desde o acontecido.
Suas duas filhotes, ainda sem um semestre, seguem-lhe o ensinamento. E nem sabem o porquê.

Cachorros.
Pessoas.

- Bom dia, turma.
- bom dia, professor.
- Gente, abram o caderno para corrigirmos os exercícios.
Pegam os materiais.
- Na questão cinco ocorre crase? Olhem bem: Vou a Belo Horizonte. Está escrito certo ou faltou o acento grave para indicar crase?
Metade afirmou que sim e os demais negaram.
- Gente! Lembrem-se de dica:
"Vou a; volto da. Crase há. Vou a; volto de. Crase pra quê?" Se volto de Belo Horizonte, não ocorre crase.
Pausa para corrigirem.
- Na questão seis é perguntado o que é crase?
Seis me responderam; "crase é casa".
A amargura toma conta do professor.
-Pessoas! Como digo sempre: não colem porque sempre colam errado... Não consigo entender suas respostas. Crase é a união de duas vogais para que não tenham que repeti-las. E no português só acontece sempre com dois "-a". E quase exclusivamente com a preposição '-a' com o artigo '-a'. Por exemplo: o substantivo carteira é acompanhado pelo artigo a: a carteira; e o verbo ir exige a preposição a (para indicar o rumo, a direção. Para não falar "Vou a a carteira" acontece a junção do artigo a com a preposição a; escrevendo e falando um só a. Veja: Vou à carteira.
- Resuma isso, professor.
- Crase é transformar dois "-a" em um só.
Interrompe-se a aula:
- O "zêrão" ganhou ontem.
- Quem aqui é cruzeirense?
Várias confirmações.
- E quem é atleticano?
Mais confirmações.
- Por que torcem para eles?
"Por causa dos títulos ", "Porque é o melhor"; por isso, por aquilo...
-Mas antes disso, vocês escolheram os times ou é porque seus pais já eram desses times?
Silenciosamente:
Arregajaram os olhos; alguns os cérebros congelaram: outros ficaram olhando uns para os outros.
Pensem nisso, turma. Em outra ocasião vamos aprofundar essa questão.

Na sala dos professores:
- Em Timóteo, o ex-professor Vespa largou os cargos de vice-prefeito e também, ao mesmo tempo, secretário de Educação para ser candidato a deputado.
Diz uma colega e outro acrescenta:
- Nossa luta (no caso atual) é porque direitos trabalhistas da educação e acordos feitos do ano passado para este estão sendo descumpridos.E esta não é nossa primeira luta, mas uma corrente de batalhas.
Digo eu:
- O maior problema contra nós é que a polícia, se entra em greve, tem como armas revólveres e balas (munição) enquanto professores têm como armas pincéis para quadro branco, mas nem tinta temos... Ficamos três, quatro dias sem tem como escrever no quadro. E a merenda? É feijão com arroz ou arroz com um pedaço de linguiça boiando no feijão.
Os efetivos bradam:
PARALISAÇÃO 30 DE AGOSTO DE 2022.
- Mas nós contratados não podemos participar. Não temos garotinha de conservação de emprego.
- Sabemos disso e entendemos. Mas há algo que podem fazer:
Se não podem participar, PODEM não aceitar alunos de outras turmas. Cumpram sua carga horária, que é a UNICA coisa registrada. Trabalhar com os estudantes da turma em seu horário. Recusar alunos de outras classes em sua aula é questão lógica. Cada professor tem sua turma e metodologia e a chamada é por turma... Em suma, o trabalho na sua turma, não alunos de outras salas.


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Rubem Leite

Foto do autor.

15 a 27 de agosto.

domingo, 21 de agosto de 2022

TRABALHO DE SÍSIFO


"Os mergulhos retidos deixam, às vezes, estranhas cãibras":


Acordo mais outro dia, lavo o rosto, faço o café. Misturo com um pouco de leite e me acocoro no meu lugar escolhido de quase sempre.

Ouço galos, pássaros e insetos. Observo as árvores: oiti, mangueira, pé-de-vaca de flores brancas e arbustos de folhas verde-amarelas e outras com variadas flores vermelhas.

Cinco ou seis beija-flores e as plantas fazem a corte.

Vizinhos acordam. À suas histrionias levanto-me e saio pra trabalhar...

A vida tem valor. Quanto você pagará por ela? Tem dinheiro para remédios, Roupas, carros... Tem valor a vida.

O que eu queria era a vida valer por si, por ser vida. O que tenho - essa primeira pessoa do singular representa a primeira do plural - é vida a valer o que se tem.

De volta a casa, no caminho paro num mercadinho:

- Professor, u sinhô votou no B○|$●n@ŕø pra presidente?

- Claro que não.

- Então meus irmão vão ficá contente cunsinhô. Eu votei nele iaté hôji tão cunraiva dimim. Mas fui inganádu.

- Como pode ser enganado se ele nunca escondeu ser corrupto por sonegar impostos, ser racista e tudo mais de ruim?

Sem saber como me responder - eles nunca sabem; conhecimento está acima de suas capacidades - pago o que comprei e retomo meu caminho.

Na minha cabeça: Boçalnato tenta tomar o celular de quem segue seus passos: Wiker Leão, milico expulso do exército, por estar indignado com o - rerrerrê - mito.

Finalmente em casa.

Com um cálice de gin-tônica me sento no jardim. Ouvi o som da água. Era o vento nas árvores do morro perto e nos mais altos. Em seguida o som se elevou ao balançar as árvores próximas à mim. Tocada pelo vento minha pele arrepiou. De não sei onde uma gota caiu em minha face, entre o olho e a bochecha. Flores e folhas dançaram ao vento e quando cansadas repousaram no chão.


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Rubem Leite.

Pensado, sentido, vivido e escrito entre os dias 10 e 21 de agosto de 2022.

Citação e foto tirada de um trecho do livro A Queda, de Albert Camus.

domingo, 14 de agosto de 2022

PAI NOSSO

 

Pai nosso que é da terra
Ser pai não é pra todos.
Não há quem nao erra:
Bem-aventurados os pais
Apiedados os que não foram.


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Rubem Leite

14/8/22

domingo, 7 de agosto de 2022

VALORES

Pessoas criam luzes

Clareiam pouco

Não veem porque não olham

A noite pura

Se a olha

Vê.




Uma aluna me disse:

- Fulana te stalkeou todinho?

- Fez o quê?

- Ela te stalkeou...

- O que é isso? Não sei o que seja.

- Ela viu e copiou tudo que você colocou no Facebook e outras redes sociais...

- Menina boba. Com tanta coisa útil pra fazer... Com tanta gente que vale pesquisar... Ela perde tempo comigo? Deveria ter pesquisado acentuação, ortografia, sujeito e predicado, substantivo e adjetivo, frase, oração, conto e o que mais estudamos; e ela gasta tempo comigo?!? Ô falta do que fazer. Chega a ser burrice.

- Mas você num está preocupado? Ela viu algumas coisas...

- Se ela viu é porque coloquei lá, ora essa. Teria sido mais inteligente e útil se tivesse lido livros. Já falei de tantos...


Ai, cansaço!

Chego em casa, durmo e me encontro com Jó Soares:


- Ninguém deve se sentir triste por ter um bom coração. - Fala Jô - O amor não é um erro. Errado é enganar, mentir, trapacear, dar rasteira no sentimento alheio. Quem faz isso é que deve sentir vergonha. Não quem ama e acredita. Ninguém é bobo por se arriscar, bobo é quem passa a Vida toda enganando os outros e achando que a Vida não traz pra gente tudo aquilo que a gente planta. 

Ah, ela traz…

- Tudo que se planta se colhe. Mas o tempo raleia. Ao ler "O Estrangeiro" e "O Mito de Sísifo". - Ambos de Camus - Dei-me conta. Venho me sentindo Meursault: É assim? Assim é!

- Dizem que os comunistas comem nossas crianças no café da manhã. Mas são os capitalistas que comem o café da manhã de nossas crianças.

- Tem gente que não é gente... Ano passado arranjou confusão com tantas pessoas que metade foi pra longe. Este ano caluniou um e está sendo judicialmente processado; com outros dois está tendo problemas sérios na rede de trabalho.

- Sempre tive medo de ficar improdutivo. Mas de morrer nunca tive. A memória que espero deixar é alegria. Mais profundamente, deixar a esperança em algumas pessoas. Que pude contribuir com a melhoria de algumas pessoas. O que importante para a vida de cada um é: Vou viver e não fazer mal a ninguém.


Acordo. Nas mídias sociais: Jó Soares faleceu. E os improdutivos continuam aqui.


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Rubem Leite

Escrito entre 01 a 07 de agosto de 2022.

domingo, 31 de julho de 2022

PRO-NOMES

 


Pronomes pessoal reto e oblíquo, possessivo e outros.

O mais "importante" e menos bonito é o Eu enquanto o Nós é quase tão "importante", porém como é lindo. E dos possessivos o Nosso ganha dos outros e só não supera o De Todos.

Mas isso, em nossa sociedade, soa ridículo. Vivemos o Mito de Sísifo, tão esclarecido por Albert Camus.


Há quem é ouro ou cobre

Mas nem tudo é nobre

No último dia útil

(Hoje é vinte e nove)

Salário do pobre

Sai nada sutil

Boca aberta corre

A dívida? Cobre

Sua vida, funil.


Quase me sinto Meursault (fala-se Mersô), também de Camus. Praticamente sem emoções a demonstrar; tão ferido estou. E queria, como tal, ser indiferenter ao mundo.

Mas não sou Meursault e sim Benito. Sonhei:


Eu estava indo pra escola, mas passei primeiro na casa do artesão e poeta Kadosh.

A primeira coisa a ver era o belo jardim. Depois uma grande casa simples e com muitos moradores, um longo quintal em declive com árvores e um cristalino riacho atravessando pedras.

Não sei o que aconteceu com minhas roupas; se molhou, se rasgou. Só sei que tive que jogar fora. Até meus óculos entortaram.

E tinha que ir dar aula.

Um me emprestou uma bermuda dins super vinhádu. Outro me emprestou uma camisa que berrava: biiiiiiiiiichaaa.

E saí pelas ruas.

Um grupo de mulheres "cristãs" - de velhas a crianças - riu e as afrontei com uma coragem que nem sei se tenho. Encontrei alunos que me cumprimentaram; uns estranharam, mas nenhum desrespeitou.

Na escola as funcionárias me olham, e como olham. Teve uma que falou alguma coisa, mas dei-lhe um chega pra lá. Até enfiei o dedo no nariz da dita cuja e falei que visto como quiser e se não gostar do que vê que fique cega...

E fui dar as minhas cinco aulas.

Uma de minhas estudantes diz-me:

- Nenhuma pessoa sem noção é mais sem noção quando dá uma de com noção.

Isso enriquece meu pensamento:

A vida é um absurdo.

Diz Albert Camus.

Acorda, sai da cama, limpa-se, alimenta-se, sai pra trabalhar, aguenta muita coisa, volta pra casa, limpa-se, alimenta-se, dorme.

Trinta dias seguidos.

Com o salário compra: roupas para trabalhar, comida para trabalhar, remédios para trabalhar etc. para trabalhar.

E o círculo do absurdo repete doze meses, várias décadas.

Morre. E a morte é absurda.


- O pagamento do piso salarial dos agentes de saúde será pago em julho de 2022 reforça a política permanente de valorização dos servidores públicos de Timóteo. - O vice-prefeito e também secretário de educação declara no "tuíter" da PMT.

- E o piso dos professores? Cadê? - Questionam R.C. e C.F.

Responde o dito secretário de educação e vice-prefeito:

- Já foi pago no mês de maio. - Mente.

- Não! Não recebemos nada. - Contesta Benito. - Só se forem pisadas... Eu, por exemplo, tive foi é pesadelos.

- Professor! Não se cansa?

- Muito mais do que o senhor pensa. Mas professor não é Sísifo nem Meursault.


Porém talvez um dia o Nós e o De Todos seja a sociedade. Mas... Será? Quando?


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Rubem Leite

Pensado, trabalhado e escrito entre 25 e 31 de julho de 2022.

Foto do autor: filtro dos sonhos produzido pela artesã Erika Aviles em comemoração a um ano morando em nossas casas em Timóteo MG.

domingo, 24 de julho de 2022

ESTOU NU E NINGUÉM VÊ

 

Desde sempre que existe a humanidade o número de violência (não importa a forma), a quantidade de violências é semelhante à quantidade de pessoas. E hoje é tão banal quanto antes.
A diferença é que não tínhamos acesso a internete para vê-las. E hoje as pessoas podem degustá-la.
Antônio Tabet* disse "Não existe ódio maior que o amor cristão".

**

- Agora tudo é homofobia! Só porque não concordo que duas mulheres se beijam sou homofóbica?
- Sim, é! Por um motivo muito simples. Você não tem que concordar nem discordar com nada que não seja assunto seu ou que não tenha a ver com você.
- Ora essa!
- Já temos problemas demais para ficarmos atentos aos outros.
- Mas acho nojento.
- Então não beije outra mulher, uai! Essa é a única coisa que tem que fazer: cuide-se de si.
- Vamos mudar de assunto. Fico vendo os pretos dizendo que não devemos chamá-los assim.
- É. E negro nem é cor...
- Um - aponto pra mim e continuo a contagem apontando os demais -, dois, três, quatro, cinco, seis. Nenhum negro, mas seis branquelos querendo decidir como os negros devem ser tratados. Continuamos com espírito de casa grande e senzala.

E o silêncio é ferino. E a verdade é:

Qual coisa fiz ou falei que melhorou alguém? Dialoguei, escrevi, encenei peças, dou aulas. Mas o mundo não muda. A sociedade não se sacia. Minhas falam foram, são sombras na escuridão. Estou na contramão.

Quero agradecimento? Para que servem agradecimentos?
"Somos empregados inúteis. Realizamos o que tínhamos que fazer".
Não há mérito, pois fiz o que tinha que fazer e somente isso.
Se quiserem fazer-me postumamente algo então que me plantem uma sibiruna ou árvore frutífera. Cada qual tem o que cuidar em sua vida. Nada de perder seu tempo com quem quer ficar a sós e em silêncio (eu).

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Rubem Leite
Pensado e escrito entre os dias 16 e 24 de julho de 2022.
* Antônio Tabet é humorista, roteirista e empresário brasileiro.
** Foto tirada da internete. Marcha pra Jesus no Espírito Santo, ano 2022.

domingo, 17 de julho de 2022

RATANABÁ


Iria-me embora para Ratanabá

Porque aqui sou inimigo do rei

- um boçal sem igual -

Lá teria quem eu quisesse

Na casa que escolhesse

Mas como não é Brasil

Quem escolheria

Tinha que escolher-me também.

A verdade, porém,

Lá e cá

Reciprocidade é rara.


Em Ratanabá

Teria a felicidade que aqui não há

A existência seria aventura

Mas desventura está nos dois lugares

Quem crê é inconsequente

Paz só tem os dementes.


Em Ratanabá teria tudo

Seria outra civilização

Menos antiga que a Terra

Mais antiga que a humanidade


E quando eu estivesse mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite tivesse

Vontade de me matar

Não me esqueceria

Sou inimigo do rei

- o boçal sem igual -

Tal qual aqui não teria

Quem eu queira

Quem me queira


Ratanabá não existe

Como não existe

Cérebro funcional

Na cabeça do rei:

Messias sem milagre

A zombar de quem não respira

A comemorar CPF cancelado

Principalmente dos bem mais velhos

E cujo filhos

- Todos zero

01, 02, 03, 04

E, para o rei boçal,

A menos que zero

A 05 -

Todos educados

A não se casarem

Com negros

A tirar até o último centímetro

Dos povos originários

A surrar

Os meios 'gayzinhos'


Ratanabá não existe

Tal qual Brasil pra toda gente.



Só me consola

Ter aos meus

Olhos, ouvidos, narinas, língua e pele

A fauna, os livros e a flora.

E não preciso fugir pra Ratanabá.


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Rubem Leite

O que sinto e penso não sei a quanto tempo escrevi na manhã de 17/7/2022.

Foto do autor.