segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

CASA VERDE


Larôyê Exu! Exu é Mojubá! A vós, Mensageiro Exu, meus respeitos! Eu te peço, Exu:
Mensageiro dos Orixás e do próprio Olorum, proteja-me da inveja e do olho gordo; mantenha meus caminhos abertos no amor e nas finanças; oriente minhas palavras escritas e faladas. Larôiê Exu! A vós, Santo Antônio, meus respeitos!
“Pode até não ser uma janela aberta para o mundo, mas certamente é um periscópio sobre o oceano social.    (Ambujanra)

Levantou-se da cama e não haviam paredes que o guardassem.
Mas o que é guardar um homem? Seria guardá-lo dos perigos ou ele era o perigo.
O céu branco de nuvens parecia indicar estiagem por mais do que minutos ou poucas horas.
Caminhou pelo jardim nublado.
Ao passar entre dois troncos cujos galhos formavam uma porta, entrou numa escadaria e assumiu o seu lugar para escutar o amigo que lhe falava:
- Ahh véi, adianta falar nada com ele não, melhor deixar isso quieto que evita problema, cê não é do meu sangue, mas cê é mais que irmão pra mim e se sujar pr’ocê acaba sujando pra mim também. Deixa essa porra pra lá… – Lucas dizia com ar de preocupação, enquanto descia as escadas devagar.
No pé da escada Diego chega sozinho a uma loja. Um mercadinho, na verdade. Duas mulheres falavam em inglês com o dono sem que este as entendera.
Demorou, mas o sujeito acabou entendendo. Queriam um pacotinho com tirinhas de salgadinho. O protagonista pegou uma faca e pagou-a. Atravessou a porta dos fundos para chegar ao pé da escada.
- Esse ficou show… – Diego disse ao examinar o baseado, mais para o contentamento de Lucas do que por verdadeira apreciação de sua arte. – Lei do Duende, quem bola acende. – Recitou o ditado com um sorriso enquanto levava a boca o cigarro recém nascido.
O escadão estava agora perfumado pela fumaça que como solvente estava diluindo as ânsias dos rapazes, la embaixo, a quebrada seguia em seu ritmo de sempre. Trabalhadores indo e vindo pelas ruas e vielas, senhorinhas de pele escura subindo e descendo os morros e escadas com suas sacolas, alcoólatras serrando uma pinga no boteco, um ou outro nóia na esquina provocando medo em alguma tia que se achava boa demais para viver ali, tudo normal.
Sem Diego perceber, Lucas dá vários pequenos passos à direita. Quando só, Diego se percebe em outro lugar.
Quando vê o rapaz de pele bem negra e cabelos muito crespos, uma senhora rapidamente pega o celular.
- Filho, me ajuda. Vocês jovens parecem já nascerem sabendo lidar com isso. Não sei adicionar alguém no watzap. Me ensina?!
O rapaz guarda discretamente a faca e mostra a senhora como se faz.
Agradecendo, a mulher atravessa o ponto de ônibus onde estavam e chega a outro lugar. O rapaz segue em diante. Ao dobrar a esquina retorna à escadaria. Diego estava com a cabeça inquieta, sabia que poderia estar correndo risco, o que o deixava mais calmo era o recado que Lucas o deu mais cedo, dizendo que o Marquinhos falou que ia arrumar problema com ele não, que era para esquecer essa treta e deixar essa ideia errada para trás. Pelo menos Lucas era um cara de confiança.
Dois homens sobre uma moto parada aos pés do escadão, Lucas estava de pé a uma distância segura, apontava o amigo com o dedo indicador, que demorou a entender o que estava acontecendo. O revolver na mão do ocupante de trás da moto nem sequer tremia. Lucas chorava.  Calado, Diego sentiu uma fisgada no peito, depois escutou um barulho alto que se converteu em zumbido; sentindo frio e sede, dormiu.
Acordou em um apartamento. Vários colchões no chão; cada um ocupado por alguém. Não é a primeira vez que Diego desperta nesse ou em outras pocilgas. E só aí que Diego percebe o tempo. Aproxima-se de um senhor.
O mais velho oferece ao garoto um saquinho tendo o mesmo que as gringas compraram.
Abre o pacotinho.
- Bacalhau!?! Gostava mais da maneira como você enrolava o baseado. Tão dedicado; um verdadeiro mestre. Quase um doutor na arte religiosa de bolar um beck.
Devolve ao sujeito e vai a cozinha lavar a mão. O cheiro de sangue somado ao do peixe salgado não sai. Passa sabão e pouco adianta. Raspa a mão com a faca recém comprada sem sentir-se limpo. Põe a faca de lado. E chora. Não consegue usá-la; ainda.
O senhor vai até ele, põe a mão no ombro do mais jovem, puxa-o para si. O garoto abriga a cabeça no ombro do homem que entre as costelas de trás perfura com a faca nova o coração e a mantém até o jovem parar de soluçar. Antes de silenciar-se Diego diz:
- O fedor da pólvora não é pior nem melhor do que isso.
- Amigo, são tantos choros… O seu, o de sua mãe, o meu. Um dia poderei – o adolescente desvanece – não sentir?
Diego se levantou da cama e não haviam paredes que o guardassem.
Caminhou pelo jardim nublado. Ao passar entre dois troncos cujos galhos formavam uma porta, chegou em um campo de futebol.


_______
Costumo dar muito murro através do que escrevo.
Contudo, muita gente nem sente de tão anestesiada que estão.
E o Brasil é uma imensa casa verde.

Ofereço como presente aos aniversariantes:
Thaís Weber, Virginia Martínez e Isaac Andrade.

Recomendação importante: leia:
“No Escadão”, de Thiago Menezes:
https://milagulhas.blogspot.com/2020/01/no-escadao.html

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens:
Portal de Árvores e de Rubem Leite: feitas pelo autor.
Menezes Silva: propriedade do próprio.

Menezes Silva é formado em Letras, pós-graduado em Neuroaprendizagem e prática pedagógica.
É professor de Língua Portuguesa na rede municipal de Timóteo, professor e coordenador no Núcleo Atitude em Ipatinga pela Rede Educafro Minas.

Escrito por Rubem Leite entre 25 e 27 de janeiro de 2020.

domingo, 19 de janeiro de 2020

KAFKA KAFTA AFTA NAFTA



Larôyê Exu! Exu é Mojubá! A vós, Mensageiro Exu, meus respeitos! Eu te peço, Exu:
Mensageiro dos Orixás e do próprio Olorum, proteja-me da inveja e do olho gordo; mantenha meus caminhos abertos no amor e nas finanças; oriente minhas palavras escritas e faladas. Larôiê Exu! A vós, Santo Antônio, meus respeitos!


Amanheceu mais um domingo.
Levantei, iniciei a feitura do café, soltei os cachorros, fui ao banheiro, coei o café, arrumei a cama, tomei café com leite, saí para comprar pão, voltei, alimentei-me. Sozinho.
Na rua um usuário de crack apanha da traficante, sua esposa.
Na república “Escuridão já vi pior / De endoidecer gente s㔹. / Mas Regina Duarte na Cultura / É treva, é vã.
Preparei o almoço; macarronada.
Dormi a tarde toda. Meu irmão com necessidade especial falou que ia passear. Dormi a noite toda.
Amanheceu mais uma segunda-feira de janeiro.
Ele não tinha voltado.
Saí para procurá-lo. Não o encontrando pensei em pessoas:
Há gente como Santo Antão / Há gente que é antinha / Há quem seja ‘bão’ / Há quem seja merdinha.
Hóspedes e moradores da casa acordaram e me ajudaram a procurar. Não encontraram.
Para procurá-lo caminhei por uma hora até o UPA. Ele não estava.
Em casa avisei minha irmã; erro meu. Deveria ter comunicado com a filha dela, que é mais pé no chão e menos lágrimas.
Almocei; mal.
Com minha sobrinha fui à Delegacia fazer Boletim de Ocorrência sobre o desaparecimento. Sem muito mais a fazer, ela voltou pra casa e pediu ajuda pelas redes sociais.
De posse do BO me dirigi a uma emissora de rádio, mas o locutor já tinha ido embora.
Da rádio me encaminhei ao IML.
Esquisito como mais do que até então meu coração encolhera.
Lá não estava. Alívio.
Instituto Médico Legal… Como? Se mal aparelhado.
Retornei para casa. Moradores e hóspedes vendo TV. Teria eu ficado assim, inerte? É possível; não sei.
Fim de tarde tomei Bromazepam, doze dupla; banhei-me, jantei mal, deitei. Dormi. Sozinho.
Não sei que horas fui acordado por Didi Peres e Claudiane Dias. Felizes avisaram-me que fora encontrado e estava no UPA se hidratando acompanhado por minha sobrinha.
Dopado não reagi conforme deveria. Dormi de novo.
Pela manhã levantei, iniciei a feitura do café, soltei os cachorros, fui ao banheiro, coei o café, arrumei a cama, tomei café com leite, saí para comprar pão, voltei, alimentei-me. Ainda só. Pedi minha irmã para mandá-lo para casa.
Prostrado, estressado, deprimido, ansioso, angustiado, sem foco, fraco. Meus adjetivos na terça-feira.

Tomei um comprimido de Bromazepam. Acordei para almoçar. Outra doze de Bromazepam. Acordei para banhar-me e jantar. Terceiro Bromazepam.
Estressado, deprimido, ansioso, angustiado, fraco. Meus adjetivos na quarta-feira.
Levei meu irmão ao posto de saúde para fazer um curativo no pé e depois – como fui orientado ao fazer o BO – fomos a um posto policial avisar que fora encontrado.
Em casa, outra pílula de Bromazepam, almocei, dormi a tarde toda. Despertei, banhei, jantei, dormi. Sempre só.
Deprimido, angustiado, fraco. Meus adjetivos na quinta-feira.
Sem uso de remédio para dormir, mas ainda sem condições para trabalhar, dormi o dia; dormi a noite.
Deprimido. Meu adjetivo na sexta-feira.
Pela manhã levantei, iniciei a feitura do café, soltei os cachorros, fui ao banheiro, coei o café, arrumei a cama, tomei café com leite, saí para comprar pão, voltei, alimentei-me. Só.
Trabalhei. Retornei aos planos de aula para fevereiro.
Almocei, cansado dormi toda a tarde. Só. Dormi a noite inteira.
Só é meu adjetivo de sábado.
Pela manhã levantei, iniciei a feitura do café, soltei os cachorros, fui ao banheiro, coei o café, arrumei a cama, tomei café com leite, saí para comprar pão, voltei, alimentei-me. Trabalhei meus planos de aula.
Em casa, na rua, no país, no mundo:
Comer Kafka / Ler kafta / Ter afta / Boiar nafta.




Ofereço como presente aos aniversariantes:
Kethely Rocha, Emilio Bigote, José C. Pinho, Elizamara Freitas e António Tonilson.

Recomendo a leitura de:
- “O Mundo Não Cabe no Meu Olhar”, de Vinícius Siman:
- GUARDA NOTURNO, de Girvany de Morais: A noite é bela / mas eu tenho que guardar almas, / as almas é minha missão, / eu preciso dormi-las / Eu amo a noite que me dá / o sagrado pão, / que me dá a lua e as estrelas, / então tenho que guardá-las, / para que os ladrões / não as roubem.
- “Pescaria”, de Bispo Filho:
- “La Soberbia y la Quinta Pata del Gato” e “Pacificación de la Araucanía y Campaña del Desierto”, de Javier Villanueva:
- “Cena Fugaz”, de António MR Martins:

¹ Renato Russo, Mais Uma Vez.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens feitas pelo autor.

Escrito e trabalhado entre 17 e 19 de janeiro de 2020.

domingo, 12 de janeiro de 2020

O QUE DÓI



- A gente não devia, mas se acostuma a tudo. Outro dia li um conto de Giovani Martins¹ que dizia algo parecido. Que a gente se acostuma com cada coisa de dar medo que dó pelos outros é algo que não dura muito. – Girvany de Morais pega seu copo de cerveja para beber um pouco e aproveita para olhar peitos que passam. Acompanho seu olhar e também gosto do que vemos. Já Gabriel Miguel prefere olhar as bundas. – Essa madrugada mesmo. Tinha umas noiadas gritando tanto. Uma xingava a outra. Todas a pedir pedra. Por pouco não senti dó. Virei na cama e quase dormi. Fiquei olhando o escuro para ver se via algo. Quando estava quase dormindo quase vi a escuridão.
- Tal vez la manera de no se aconstubrar sea el movimiento del pensar. Fala Pablo²Quiero decir: el movimiento del pensar es utilizarse del abstracto para irse a las partes del todo y al concreto. Así se puede ver las personas en la situación donde está.
- Pois é… Acho que é… Não sei se entendi direito. – Gabriel reflete – Só se pode entender alguém observando a sua vida?
- La realidad de uno solo es posible ser conocida al conocer esto uno. Así, la realidad objetiva no cambia al variar su percepción. Sin embargo, la realidad de esa situación no se pierde.
- O poeta Vinícius Siman diz que esta vida é como uma xícara de chá e se lhe perguntam o porquê ele responde dando de ombros: “então não é”. Acho parecidas a sua fala e a do Siman. – Gabriel retorna a falar. Mesmo quando se cala o silêncio ainda foge de tanto barulho no local. Ficamos a ouvir a música, a beber e a pensar.
Mas como dói pensar.




¹ MARTINS, Giovani. A história do periquito e do macaco. O Sol na Cabeça. São Paulo: Companhia das Letras. 2018.
² FREIRE, Paulo. Pedagogía del Oprimido. [Trad. Jorge Mellando]. 3ª ed. Buenos Ayres: Siglo Veintiuno Editores Argentina, 2000. P. 121.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Ipê - foto do autor.
Autor - foto do autor.

Manuscrito em 11 de junho de 2019; trabalhado no dia 11 de janeiro de 2020 e concluído no dia seguinte.

domingo, 5 de janeiro de 2020

AGORA A COISA É SÉRIA




- "Já viste as flores que a mentira dá?", disse Mário Quintana. Pergunto ainda se vê se a justiça e o conhecimento excessivo levam a estupidez. - Para um momento, pega o copo com a cerveja e bebe - Possível seja que por ter ouvido-me dizer "isso tá na Bíblia" - e está, em Eclesiastes - venha a dizer que vê... Pode ser verdade é pode vir a não ser. Quem sabe? - Para outra vez, bebe mais um pouco, muda de assunto: 'Gosto dessa cerveja artesanal, a Off Road' e volta ao tema. - Ao dizer que sim talvez tenha esquecido de por na conta o verso de Quintana. Mas o que importa é: Todo excesso é falso.

- Interrompo suas ideias para perguntar se viu o corredor cantando em espanhol e o casal falando em italiano.

- Aqui, no Parque Ipanema?

- A Terra está nas primeiras horas em frente do Sol no ponto em que alguém definiu 'a translação começa aqui'. Não se é de espantar que os estrangeiros na cidade tirem um momento num belo lugar no lugar de trabalhar.

- Cortou meu pensar para dizer-me isso?

- Não. Cortei para retornar ao assunto de ontem. Os simples falam coisas simples porque não alcançam o complexo. Assim se contentam com o mínimo, não buscam mais. Não o desnecessário, mas o conforto, o bem viver.

- A gente não é simples. Somos pobres, Girvany. Não temos influência, mas somos complexos.

- E o ano recomeça. Talvez não. Pode ser como disse o autor:

               - O senhor tem amostra grátis?
               - Tenho, mas já está no fim.
                  2020 já será a abertura do
                  portão do inferno...

               - Ano novo está chegando e
                  Jesus, voltando!
               - Se voltar, que venha armado
                  para proteger-se de gente
                  feito o senhor.

___________

Rubem Leite.
Escrito entre 29/12/19 e 05/01/20.

domingo, 1 de dezembro de 2019

BARULHOS E ASAS NEGRAS



Precisamos de pessoas leais à causa
e não de pessoas fieis a partidos.

Deixaram o fusca na rua Uberaba para não pagarem a zona azul de estacionamento rotativo. Afastaram-se por trás do carro sem olhá-lo e sem verem a neblina que os cobria sorrateiramente. 

- Toni, o Poder Executivo no Brasil é historicamente possível por dialogar relação com o Poder Legislativo.
- Mas Boçalnato inverteu isso ao dialogar com o povo, não com o Congresso. Ao mesmo tempo, no Poder Econômico, o Centro está favorável ao Governo atual.
- E isso porque nos governos Lula e Dilma, os mais ricos aumentaram seu recurso, mas menos que em governos anteriores. Ao mesmo tempo em que os mais pobres aumentaram seus recursos e proporcionalmente bem mais que os ricos.
- Mas Cadu, o Brasileiro não aceita a igualdade. É preferível um receber R$5.000,00 por mês enquanto os demais recebem R$1.000,00 do que todos receberem R$10.000,00.
- Para satisfazer essa sandice, no atual governo a distribuição de recursos está voltando ao que era antes do Governo de Esquerda.
- Acho que vale agora o poema de Rubem Leite:
Diz com quantos dinheiros se compra zelo  /  Salário justo, sem perda nem abono  /  Com quantos dinheiros se compra um sono  /  O sossego de dormir sem pesadelo  /  Da paz ser amigo, não servo nem dono
- E este outro poemento do Rubem:
Dizem que Albert Einstein disse  /  “O mal sempre insiste”.  /  Pensam que religiosos pensam  /  Mas deles o bem desiste.
Um momento para pensarem nas palavras e sentirem o silêncio.
- A mídia tem a função de ensinar ao povo que tudo que é privado é bom e tudo que é estatal é ruim. É o neoliberalismo que estão plantando pouco a pouco no Brasil e na América Latina.
- E chamam os professores de doutrinadores sendo que quem ensina coisa errada é a mídia. – Uma pausa para uma leve triste risada. – Para combater o imperialismo a multidão tem que reagir.
- Onde? Onde a multidão vai reagir? No Chile estão dando tiros nos olhos dos manifestantes. Na Bolívia, na Venezuela e no Equador a situação está na mesma intensidade agressiva. Argentina, Uruguai e Brasil estão afundando-se cada vez mais no fumo da ignorância. A América do Sul está sob uma horda neopentecostal. Aliás, estamos cercados por uma legião cristã...
- A multidão, ou seja, o povo age no seu microespaço. Quero dizer no seu local de trabalho ou onde for que atue. Mas o grande embate é dentro do lar já que mais da metade é pobre de direita. 

Pouco depois duas coisas se juntam à neblina: asas negras a cobrirem todo o céu e ruídos ensurdecedores: “Em nome de Jesus... Aleluia... Está amarrado em nome de Jesus... Minha Nossa Senhora... Piedade, Senhor... Ave Maria cheia de graça... Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo... Oh, glória...”. Este alvoroço cobre quaisquer vozes e clamores e mesmo após o silêncio o fusca enferruja-se lentamente na escuridão social.


Ofereço aos aniversariantes:
Júlia Nathálly, Lorrayne Sancar, Mª Clara Oliveira, Kerley H.M. Almeida, Cleber L. Assis e Ronnaldo Andrade.

Recomendo a leitura deste cronto meu:

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens do autor: Fusca.

Escrito entre os dias 25 de maio e 01 de dezembro de 2019.

domingo, 17 de novembro de 2019

EU MORRI. ESTOU FALANDO DE MEU TÚMULO¹



O padé oloonón, Exu e mo juba Ójisé.²


No labirinto das memórias o tempo não conjuga com os fatos. O segundo ano de morte de uma de minhas tias, aquela com quem vivi, passou e não fui ao cemitério. O aniversário de minha falecida avó, mãe de minha mãe e dessa minha tia, passou e não fui ao cemitério.
Estive a pensar:

A casa
– de quem? –
A casa necessita
Reforma no telhado.
Infelizmente ninguém dirá
“Como o gato não subiu no telhado”...
Que falta fará?
Hão de lacrimejar?
Se chorarem será
Pelo que ainda não fez
Não pelo ser.

Em uma manhã após aquela semana meu tio disse que, breve, viria alguém avaliar o apartamento. Um dos donos – ou ele, ou a tia ainda viva, ou os filhos dos falecidos, ou uma certa prima – quer vender o apartamento.
- Coisa que nunca conseguimos antes, mas quem sabe agora... Sua mãe está com alzaime. E nem ela nem a falecida moram mais aí.

O silêncio é uma nuvem no céu.

Vida após a morte?
Sim, o dinheiro fala mais alto que a solidariedade além de nada daqui ir para o Todo.
Não, a solidariedade é muda além de nada daqui ir para o Nada.
Lutar?

Naquela mesma tarde uma de minhas primas me falou:
- Estou pensando muito no Henrique. Tem quantos anos que ele morreu? Eu gostava muito dele e coloquei o nome dele numa missa na Catedral.
- Henrique faleceu em dezoito de agosto de dois mil e um.
- Pouco mais de um mês para o aniversário dele...
Enquanto continua a falar penso nas unhas compridas e pontiagudas dos dedos das mãos de meu irmão. Nos buraquinhos fechados, mas nunca cicatrizados em seu pulso esquerdo. Ferimentos em um pedaço de pele escura e enrugada na pele clara do braço de meu irmão ainda jovem apesar de mais velho que eu.
Seus olhos abertos observavam quem os observava. Todos tentaram fechar seus olhos incômodos. Só eu consegui.
Ao amanhecer o enterro não acontecera. O legista, não sei o porquê, quis refazer os exames. Talvez por ser ele tão jovem e suicida.
Sobre a mesa o corpo completamente nu de meu irmão que, mesmo morto, tinha o pênis perfeito.
Menezes, o legista, e o estudante Matheus, seu assistente, reabriram seu peito em um corte comprido iniciado acima do umbigo e cruzando na parte inferior do esterno duas incisões que iam até a articulação do ombro; um grande Y.
O assistente pareceu-me sorrir ao olhar para a serra, para os braços e pernas do cadáver; pareceu-me lamber os beiços ao cortar com a serra médica a caixa torácica.
No pouco sangue não havia substâncias alucinógenas, o estômago quase vazio. Nada justificava as marcas de corda no pescoço. Por que ainda continua lendo? Só eu sabia e agora você...
Com o olhar triste pela vontade não toda satisfeita, o estudante Matheus fechou o corpo e o legista Menezes liberou para o enterro.

Duas noites após o sepultamento o coração morto bateu uma vez e parou. Minutos depois bateu uma segunda vez. Mais um minuto e duas batidas. Outra pausa até bater lenta, mas continuada.
Suas unhas furaram o caixão, cavaram a terra ate seus olhos verem a lua e seus pulmões respirarem o ar desnecessário.
Fora do buraco observou a cova até esta fechar-se. Deu um passo e parou. Contemplou onde saíra. Sorriu; como se presenteasse ao espalhar a grama numa simulação de vida germinada. Sendo que o que fizera não passara de espalhar a grama trazida pelo olhar até cobrir o lugar que deveria ser o de seu descanso.
Sei disso porque uma semana depois fiz quase o mesmo.
Antes de eu escrever esta história Henrique veio ver-me.
Duas da manhã ele me chamou do telhado da casa ao lado. – Este que você vê, mas no escuro:

Confuso pelo sono e pelo que acreditava ser impossível, saí do quarto e abri a porta da casa. Parecendo flutuar, saiu do telhado e chegou à varandícula. Beijou-me sem entrar em casa. Meu pau ficou duro, mesmo sendo por meu irmão. Gozei. Voltei para cama. Morri.
Fora os hóspedes, em casa ainda há Faire, Ramon, Juli, Janio. A quem presentearei com meu beijo? Um beijo que não reviverá... Não sei. Mas a venda do apartamento não mais será um problema.

Ao contrário dos presidentes do Brasil, Chile, Equador e Bolívia – propagantes da morte viva – o estudante Matheus será um excelente floreador da vida morta. A delícia da morte é real. Quem pensa diferente, que viva longos anos...


¹ Clarice Lispector e a Depressão. Trecho da última entrevista com Clarice Lispector em 1977, concedida a TV Cultura. https://www.youtube.com/watch?v=NkPZkEjGncc&list=LLIH2YzhXzK4qmn97DyBrAbA&index=27&t=0s
² Vamos encontrar o Senhor dos Caminhos, Exu. Meus respeitos àquele que é o mensageiro.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagem do autor: Telhado pela janela.

Manuscrito nos dias 07 a 10 de novembro de 2019. Trabalhado entre os dias 16 e 17 do mesmo mês e ano.

domingo, 29 de setembro de 2019

PRISÃO DE CONFRONTO



Prisão de confronto entre vós próprios e os outros.
TANIGUCHI, 2017.

Em Português:


Ignorando a mim e qualquer outro neste mundo o sol não tardará a ser por. Nos minutos que passo olhando-o faço, desfaço e refaço uma quadra.
Ser não é ter nem estar.
Amamos pelo que é
Não pelo que tenha
Nem por onde está.
Da quadra vou para meu celular ouvir a música Catedral na voz de Zélia Duncan. Será o silêncio mais que ausência de sons? Será, penso, sossego e espaço para se autoconhecer. Contudo, estou no mundo; pertenço a dois séculos. “Você tão longe de chegar mais perto de algum lugar (...) No silêncio, uma catedral, um templo em mim (...) Meu coração é secular, sonha e deságua dentro de mim”. Fecho meus olhos.
- Benito!
Olho a pessoa que me usou.
- Oi!
- Que bom vê-lo.
Continuo a olhar a pessoa que me usou. Vejo seu sorriso.
- Tem muito tempo que a gente não se vê. Vamos tomar uma cerveja.
Ainda olhando a pessoa que me usou vejo seu sorriso e sei que me pedirá algo.
- Vamos.
No bar, entre nós dois, a cerveja, os copos e conversas amenas, prosaicas, inúteis.
- Desde que saí de sua casa estou passando muito calor no barraco que aluguei. – Pausa para bebermos um pouco. Em nenhum momento, desde que me chamou, meus olhos desapoiaram dele. – Como você tem muitos ventiladores em sua casa bem que poderia me dar um.
- Cada ventilador de minha casa está em uso. Um para cada quarto. – Com os olhos continuamente pousados nele esvazio o copo. – Como pensei quando me convidou a beber, você só me procura quando quer algo; nunca por afeto.
Furioso ele se levanta e paga a conta enquanto saio do bar.
Abrindo os olhos percebo as nuvens dourando-se. No celular mudo a música para Dança da Solidão na voz de Marisa Monte. Quando só bailo comigo. Algumas vezes em doce compasso e outras em compasso amargo. Mas sempre a visitar os salões do meu museu da memória tentando não me repetir. “Danço eu, dança você na dança da solidão. (...) Meu pai sempre dizia: meu filho, tome cuidado. Quando eu penso no futuro não esqueço o meu passado. (...) Apesar de tudo, existe uma fonte de água pura. Quem beber daquela água não terá mais amargura”. Fecho os olhos para entrar no meu museu:
- Sabe! Essa música me ajudou a sarar a dor de gostar sem retorno.
- Tudo passa. O único permanente é a mudança. – Filosofa um amigo. – Mas pelo menos você se apaixonou. Você sempre disse que nunca se apaixonou...
- Verdade. Nunca me apaixonei e por isso nunca sofri. Nunca pedira pá e chão para enterrar-me.
- Sempre me apaixono e nunca sofri nos términos.
- Talvez porque você tivera reciprocidade.
- É, pode ser. E também nunca fui largado por estar doente.
- Leucemia é pesado...
- Não o justifique fazendo desse adjetivo um advérbio.
- Agora é você o professor de português.
Falei sorrindo e sorrindo me responde:
- Sou do babado fortíssimo, meu bem.
Baixamos os olhos.
- A doença é pesada e por isso ele tinha que te ajudar a suportar o peso.
Outra vez abro os olhos para ver um quase escuro absoluto. E agora escolho para ouvir Mais Uma Vez na voz de Renato Russo. Sem dinheiro para pagar água, luz e, agora, gás. Doente. Violências na escola; perseguição política. Mas estou comigo... No meu museu, bailando. E um raiar de confiança em mim. “Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã. Espera que o sol já vem. (...) Tem gente que está do mesmo lado que você, mas deveria estar do lado de lá. Tem gente que não sabe amar, mas eu sei que um dia a gente aprende. Se você quiser alguém em quem confiar, confie em si mesmo. Quem acredita sempre alcança! (...) Mas é claro que o sol vai voltar amanhã. Mais uma vez, eu sei”. Quando ia fechar os olhos:
- Benito!
- Oi, Cecilia!
- Que está fazendo aí sentado na beira do rio?
No lugar de responder, digo:
- A música de Renato Russo me ajuda quando a situação está terrível.
- Tudo passa. O único permanente é a mudança.
- Grande verdade. Mas estou triste. Meu Brasil está tratando os professores como inimigos. Tem um prêmio nacional que se chama “Educador Nota 10” e a ganhadora foi atacada a tiros por dedicar-se ao ensino.
- É só um momento histórico complicado.
- Deus te ouça.
- No Caralivro tenha baixo o seu perfil para não chamar a atenção. E esperar que passe. “Quando encontrar uma grande oposição, a espere debilitar-se. Aí você avança com resolução!”. Disse Mario Rodríguez Cobos, um filósofo argentino.
- Obrigado, Cecilia, por suas palavras. Muito obrigado!
- Não se desespere e nem se converta a mártir. Os jovens da América Latina te necessitam vivo.
- Obrigado!
- Cuide-se!
- Tento não ser preso. Entretanto, não posso me calar. Nem na sala de aula, nem nos meus contos. – Desvio o olhar para o céu. – Minha vantagem é que sou invisível.
Levanto do barranco e recebo um beijo na testa.
- Benito, você tem que ser inteligente e, se necessário, fazer-se de bobo.
- Verdade.
Digo sorrindo com os olhos molhados. Queria poder rir, mas só consigo chorar.


En español:

PRISIÓN DE ENFRENTAMIENTO


Ignorando a mí e a cualquiera otro en este mundo el sol no tardará a ponerse. En los minutos que le paso mirando hago, deshago y rehago una cuadra.
Ser no es tener ni estar.
Amamos por lo que es
No por lo que tenga
Ni por donde está.
Del poema me voy a mi celular oír la música Catedral en la voz de Zélia Duncan. ¿Será el silencio más que ausencia de sonidos? Será, pienso, sosiego y espacio para auto-reconocerse. Pero estoy en el mundo; pertenezco a dos siglos. “Tú tan lejos de llegar más cerca de un lugar (…) En el silencio una catedral, un templo en mí (…) Mi corazón es secular, sueña y desagua dentro de mí”. Cierro mis ojos.
- ¡Benito!
Miro la persona que mi usó.
- ¡Hola!
- Estoy contento en verlo.
Continúo a mirar la persona que me usó. Veo su sonrisa.
- Lleva un par de días que no te veo. Vamos a una cervecería.
Todavía mirando a la persona que me usó veo su sonrisa y sé que me pedirá algo.
- ¡Sí, vamos!
En la taberna, entre él y yo, la cerveza, los vasos y charlas amenas, prosaicas e inútiles.
- Desde que salí de tu casa estoy sufriendo con el calor en el cobertizo que he alquilado. – Pausa para beber un poco. En ningún momento, desde que me llamó, mis ojos desacotaron de él. – Como tú tienes muchos ventiladores en tu casa me gustaría que me regalase uno.
- Cada ventilador de mi casa está en uso. Uno para cada pieza. – Con los ojos continuamente posados en él vacío mi vaso. – Cómo pensé cuándo me invitó para beber, tú solo me procura cuándo quiere algo; nunca por afecto.
Enfadado él se levanta y paga la cuenta mientras salgo de la cervecería.
Abriendo mis ojos percibo nubes de oro. En mi celular cambio la música para Danza de la soledad en la voz de Marisa Monte. Cuando estoy solo bailo conmigo. Algunas veces en dulce compaso y otras en compaso amargo. Pero siempre a visitar los salones de mi museo de la memoria intentando no me repetir. “Danzo yo, danza tú en la danza de la soledad. (…) Mi papá siempre me hablaba: hijo, ten cuidado. Cuando pienso en el futuro no me olvido de mi pasado. (…) A pesar de todo, existe una fuente de agua pura. Quien la beba no tendrá más amargura”. Cierro los ojos:
- ¡Oye! Esa música me ayudó a sanar el dolor de gustar sin retorno.
- Todo pasa. El único permanente es el cambio. – Filosofa un amigo. – Sin embargo, al menos te apasionaste. Vos siempre has dicho que nunca te has apasionado…
- Verdad. Nunca me apasioné y por eso nunca sufrí. Jamás pidiera “al-coba” para engañarme.
- Siempre me apasiono y nunca sufrí en los términos.
- Tal vez porque tuvieras reciprocidad.
- Es posible. Y también jamás he sido dejado por estar enfermo.
- Leucemia es pesado…
- No lo justifique haciendo de ese adjetivo un adverbio.
- Ahora eres tú el profesor de español.
Hablé sonriendo y sonriendo me contesta:
- Soy de los chismes fuertísimos, cariño.
Miramos al suelo.
- La enfermedad es pesada y por eso él tenía que ayudarte a soportar el peso.
Otra vez abro los ojos para ver un casi oscuro absoluto. Y ahora elijo para oír Una Vez Más en la voz de Renato Russo. Sin plata para pagar agua, luz y, ahora, gas. Enfermo. Problemas en la escuela: persecución política. Pero estoy conmigo… En mi museo, bailando. Y un alboreo de confianza en mí. “Negritud ya vi peor, de enloquecer gente sana. Espera que el sol ya viene. (…) Hay quien está del mismo lado que vos, pero debería estar del lado de allá. Hay quien no sabe amar, pero yo sé que uno día todos aprenderán. Se quieres alguien en quien confiar, confía en ti mismo. ¡Quien acredita siempre alcanza! (…) Es verdad que el sol va volver amaña. Más una vez, lo sé”. Cuando cierro mis ojos:
- ¡Benito!
- Hola, Cecilia.
- ¿Qué haces sentado en orilla del rio?
En lugar de contestar digo:
- Esa música de Renato Russo me ayuda a lograr cuando la situación es terrible.
- Todo pasa. Lo único permanente es el cambio
- Grande verdad. Pero estoy triste. Mi Brasil está tratando a los profesores como enemigos. Hay un premio nacional que se llama “Educador Nota 10”. Y la ganadora fue atacada a tiros por dedicar-se a las enseñanzas.
- Es solo un momento histórico complicado
- Dios la oiga.
- Perfil bajo no llamar la atención y esperar a que pase. ‘¡Cuando te enfrentas a una gran fuerza espera que se debilite y avanza con resolución!’, dijo Mario Rodríguez Cobos, filósofo argentino.
- Gracias por su palabra. Muchas gracias.
- No desesperes ni te conviertas en un mártir. Los muchachos de Latinoamérica te necesitan vivo.
- Gracias.
- ¡Cuídate!
- Intento no ser preso. Sin embargo, no me puedo callar. Mi ventaja es que soy invisible.
Me levanto del barranco y recibo un beso en la frente.
- Tienes que ser inteligente y si es necesario pasar por tonto
- ¡Verdad!
Digo sonriendo con los ojos mojados. Quería poder reír, pero solo consigo llorar.


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Gedeon Oliveira, Roberto J.W. Leite, Felipe Valderrama, Renato Gomes e Nei Gomes.

TANIGUCHI, Masanobu. Bem. Canto em Louvor ao Bodisativa Que Reflete os Sons do Mundo. Tóquio: Seicho-No-Ie, 2017.

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
 É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
 É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
 Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
 Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:      
GOURMELEN, Jacques. Jornal Ouest-France. 06/4/1972
Sobre a foto: Muito mais do que retratar a luta dos trabalhadores contra o Estado opressor, esta foto simboliza o reencontro de dois amigos em posições antagônicas. O jovem, cuja expressão continua a causar comoção mesmo 45 anos depois da data do evento, é o operário Guy Burniaux, um dos líderes dos trabalhadores grevistas que lutavam por um aumento de setenta centavos por cada hora de trabalho; o policial, o qual ele segura pelo colarinho, é Jean-Yvon Antignac, seu inseparável amigo da época de escola. O que ficou registrado, porém, na fotografia de Gourmelen, é o desespero de alguém que se depara com seu amigo lutando ao lado do oponente e é tomado por um momento de fúria e revolta, levando-o a gritar para que o antigo companheiro de escola fosse para cima dele, enquanto o outro permanecia impassível sem sequer levantar o cassetete.   /   A foto que circulou o mundo e tornou-se ícone do embate entre trabalhadores e força policial, representando o autoritarismo do Estado, revela muito mais que isso, é um registro de imensa carga subjetiva, retratando toda a intensidade do embate entre dois amigos cujos caminhos voltam a se cruzar num momento em que ocupam lugares sociais completamente opostos.
Homem pelado no jardim se prepara para o combate – foto do autor.
Luz na Noite – foto do autor
Foto do autor – Vinícius Siman.

Escrito em abril e trabalhado entre os dias 27 e 29 de setembro. Tudo em 2019.