Qual coisa fiz ou falei que melhorou alguém? Dialoguei, escrevi, encenei peças, dou aulas. Mas o mundo não muda. A sociedade não se sacia. Minhas falam foram, são sombras na escuridão. Estou na contramão.
PERCEPÇÕES E CONCEPÇÕES DE UM ARTEIRO ARTISTA E DE UM ARTISTA CIDADÃO.
Qual coisa fiz ou falei que melhorou alguém? Dialoguei, escrevi, encenei peças, dou aulas. Mas o mundo não muda. A sociedade não se sacia. Minhas falam foram, são sombras na escuridão. Estou na contramão.
Iria-me embora para Ratanabá
Porque aqui sou inimigo do rei
- um boçal sem igual -
Lá teria quem eu quisesse
Na casa que escolhesse
Mas como não é Brasil
Quem escolheria
Tinha que escolher-me também.
A verdade, porém,
Lá e cá
Reciprocidade é rara.
Em Ratanabá
Teria a felicidade que aqui não há
A existência seria aventura
Mas desventura está nos dois lugares
Quem crê é inconsequente
Paz só tem os dementes.
Em Ratanabá teria tudo
Seria outra civilização
Menos antiga que a Terra
Mais antiga que a humanidade
E quando eu estivesse mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite tivesse
Vontade de me matar
Não me esqueceria
Sou inimigo do rei
- o boçal sem igual -
Tal qual aqui não teria
Quem eu queira
Quem me queira
Ratanabá não existe
Como não existe
Cérebro funcional
Na cabeça do rei:
Messias sem milagre
A zombar de quem não respira
A comemorar CPF cancelado
Principalmente dos bem mais velhos
E cujo filhos
- Todos zero
01, 02, 03, 04
E, para o rei boçal,
A menos que zero
A 05 -
Todos educados
A não se casarem
Com negros
A tirar até o último centímetro
Dos povos originários
A surrar
Os meios 'gayzinhos'
Ratanabá não existe
Tal qual Brasil pra toda gente.
Só me consola
Ter aos meus
Olhos, ouvidos, narinas, língua e pele
A fauna, os livros e a flora.
E não preciso fugir pra Ratanabá.
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Rubem Leite
O que sinto e penso não sei a quanto tempo escrevi na manhã de 17/7/2022.
Foto do autor.
Passeando por um bosque iam mãe e filho –
Cura Uínter Flordelis e Henry.
Ela carregava um Livro e uma bolsa com
lanche para o piquenique. O menino, de cinco anos, choramingava reclamando por
andar.
Param numa bela clareira ao pé de grandes
rochas.
Ela se dedica a ler e a criança, ao brincar
nas pedras, descobre a entrada de uma pequena gruta e, apesar da orientação
materna, ele entra.
Com um suspiro cansado a mulher vai atrás. Uma
vez dentro se depara com joias de ouro e pedras preciosas.
Uma voz soou:
“Pegue tudo que queira, mas não se esqueça
do essencial. Você tem sessenta segundos...”.
Faltando dez segundos para o fim do minuto
a gruta começa a estremecer e oito segundos depois ela estava fora.
- Ó!
Esqueci o menino... Mas tudo bem. Trouxe as joias e, mais importante, não me
esqueci da Bíblia.
Passou-se o tempo. Uínter Flordelis perde
suas posses. Por isso ela e a Legião da Religião se reúnem.
- Monstros. Monstros me perseguem. O que
devo fazer?
A mãe chora e o Padre Jota Eme, admirando ainda
o belo corpo da mulher, orienta:
- Você vê a eles e por isso eles veem
você...
- Não... Não compreendo.
- Eles veem você porque você os vê.
Explica o Pastor A Eme. Depois dá a ela um
cândido sorriso enquanto pensa: “Vou destruir todo mundo”.
- Então... Então o que devo fazer?
O Diácono Eme De Ce encerra a reunião:
- Os olhos... Pegue esta faca...
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Rubem Leite.
Escrito entre os dias 23 e 25 de junho de 2022.
Trabalhado na manhã de 26 de junho de 2022.
Padre Jota Eme – O padre Jean Rogers Rodrigo de Sousa, conhecido por
José Maria, foi excomungado pelo Papa Francisco após rigorosa investigação
coordenada pela Igreja Católica. O Pe. José Maria cometera diversos estupros a
freiras e noviças. (Junho 2022).
Pastor A Eme – O pastor Arilton Moura, junto com o pastor Gilmar
Santos, coordena o esquema do gabinete paralelo do MEC para “destravar por meio
de propina demandas estaduais e municipais do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação (FNDE)”. [Mariah Aquino, no jornal Metrópolis, junho 2022].
Diácono Eme De Ce – O prefeito e o vice-prefeito de Curitiba (Rafael
Greca e Eduardo Pimentel) acompanhados pela Polícia Militar, assessores e
políticos afins, ladeiam o diácono Marcos Daniel de Camargo enquanto este benze
armas de guerra a serem utilizada pela Polícia Civil. (Janeiro de 2022).
É muito bom o frio de junho. Para levantar está difícil, mais pelas incongruências do mundo do que pelo clima.
Mas me levanto.
Fazer o que se tenho que dar de comer.
Na escola, para trabalhar com o sexto ano:
- Tire cópias, por favor.
- Cópias só com autorização da pedagoga.
Fala-me uma diminuta pulga. Pulga não por nenosprezo meu ou pela alma dela. Pulga para a elite descabeçada do município.
Há dois tipos de pulgas. A pulga parasita que suga o sangue do povo; e a pulga que purga pela sua insignificância aos olhos das parasitas.
Rubem Leite
Partindo de um sonho tido na madrugada de 19 de junho de 2022.
Por que é que quem te escravizou te deu uma Bíblia. Pensa, pensa.
Em Ipatinga, um elegante e maduro senhor começa a tossir, põe a mão direita sobre o coração, com a esquerda se apoia na parede de uma das lojas na avenida 28 de Abril e lentamente vai escorrendo-se até o chão.
Um jovem com dread nos cabelos o socorre, grita por ajuda. Como ninguém aparece o rapaz vai embora com o coração apertado e a pensar no corte no cabelo que será obrigado a fazer ao entrar pra polícia. O homem não percebe a ausência do celular.
Uma garota se aproxima para ajudar, abre-lhe a camisa para ele poder respirar enquanto os transeuntes passam. E a jovem se junta condoída à massa, pois tem que levar os documentos para registrar seu nome como candidata a vereadora. O homem não percebe a ausência do cordão de ouro.
Uma velhinha de Bíblia na mão vai até ele. Em seu desespero abre a carteira para ver o nome do homem e grita: "u hômi sichama Girvany. Alguém u cunhéci?" E atravessa a avenida a perguntar as pessoas se conhecem o caído. "Ó glória" exclama a cada negativa. O homem não percebe a ausência dos R$500,00 que estava na carteira.
- Gente! A mulher gritou "Girvany"? Eu o conheço. É meu amigo; um irmão.
O amigo se aproxima. "Girvany do céu. Que te aconteceu? Pega seu celular e chama o samu. Quando este chega acompanha o irmão até o UPA. Lá os médicos socorrem o homem, mas chegam tarde. Ninguém percebe o amigo indo embora com a bolsa cheia de livros do falecido. Só se ouve o choro de quem se vai: ooorrorrorrorrórróóó.
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Rubem Leite.
Foi por aqui que passou para chegar.
Antes de sair via o que vivia.
O governo federal incapacitado, o judiciário submisso. O governo mineiro entrando na justiça para não pagar os professores e o judiciário, submisso. Os municípios de Ipatinga e Timóteo negando aumentar o salário dos educadores. E este último eliminando dos ônibus os cobradores para dar aos motoristas múltiplas funções: conduzir, guiar quem entra, cobrar a passagem, ver quem sai...
O que a gente é diante do capital?
O que é gente diante do capital?
Em nossas intimidades, pelejas, muitas pelejas.
- Boa tarde, professor!
No supermercado do Limoeiro lhe diz um imenso sorriso que muito o prejudicou. Pego de surpresa não soube reagir e só devolveu o cumprimento.
Nas salas de aula, alunos, mas não estudantes.
- "A, e, o" sempre são vogais, mas "i, u" podem ser vogais ou semivogais. Semivogal é quando sua pronúncia é mais fraca. E duas vogais nunca podem estar na mesma sílaba. Para estarem na mesma sílaba tem que ser vogal e semivogal ou o contrário; formando assim ditongo. Hiato é quando "u, i" tem a força de vogais mesmo estando ao lado de outra vogal, mas em sílabas diferentes.
- Como assim, professor?
- Vejamos os exemplos: "saí e sai", "saúde e saudade". Leiam pausadamente essas palavras, prestando atenção nas pronúncias.
- Sa-í / sai /|\ sa-ú-de / sau-da-de".
- Viram que em "saí e saúde" tanto "a" quanto "í" assim como "a" e "ú" foram pronunciadas separadamente?
- Siiim.
- Pois é. Ocorreram hiatos. Quer dizer, todas elas têm força de vogais. Mas em "sai e saudade" foram pronunciadas juntas, mas o dois "a" foram ditas com bem mais força que "i, u"; isso significa que se tornaram semivogais. Ocorrendo, assim, ditongos. Consegui explicar?
- Siiiim, professor.
Passou os próximos dias fazendo perguntas e dando exercícios sobre os encontros vocálicos e eles quase sempre acertando para errarem na prova que, diga-se de passagem, foi muito fácil. Erraram mais por terem pouco ânimo de interpretar os enunciados.
Em casa, ouve as brigas dos vizinhos da frente e as dos vizinhos de trás.
Em casa, pelejas. Seu filho sempre recusando tomar seus medicamentos, bebendo bastante e até a cheirar Paracetamol desfeito a pó.
Em casa, gritos na frente, dentro e atrás. Gritos, gritos e gritos.
E foi assim que atravessou:
Abriu a válvula do botijão, girou o botão da trempe, disfarçou o cheiro espalhando inseticida no ar e saiu deixando o pai professor deitado no sofá, bem perto da cozinha.
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Rubem Leite
Foto do autor.
Escrito entre 01 e 05 de junho de 2022.